Boulos se compromete com “equilíbrio fiscal” e diz que SP tem dinheiro, mas gasta mal

O candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo prometeu fazer um governo fiscalmente responsável; Guilherme Boulos evitou chamar Nicolás Maduro de ditador, mas disse que modelo político venezuelano não é o ideal

Fábio Matos

O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), candidato à prefeitura de São Paulo (SP) (Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)
O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), candidato à prefeitura de São Paulo (SP) (Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

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Candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo pela segunda eleição consecutiva, o deputado federal Guilherme Boulos garantiu, nesta quarta-feira (7), que, caso seja eleito, fará um governo que respeitará o “equilíbrio fiscal” e não permitirá qualquer descontrole nos gastos públicos.

Segundo o parlamentar, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição e principal adversário de Boulos, não sabe aproveitar os recursos disponíveis no orçamento da cidade e gasta mal.

“Eu me comprometo plenamente com o equilíbrio fiscal da cidade de São Paulo, coisa que o atual prefeito não fez. São Paulo teve R$ 5,5 bilhões de déficit no ano passado”, afirmou Boulos, que participou de sabatina promovida pelo G1.

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“Todo projeto que a gente elaborou foi com uma equipe orçamentária. Nós vimos o que cabe no orçamento. Isso tudo vai ser feito de maneira equilibrada, com etapa, com equilíbrio fiscal”, disse o deputado.

Boulos foi questionado sobre posições mais dogmáticas de setores da esquerda e, principalmente, de seu partido, o PSOL, que geralmente se opõem às propostas de ajuste fiscal nas administrações públicas.

“Não é um horror o ajuste fiscal. O que nós temos é uma recusa de um ajuste sempre feito no lombo do trabalhador, no lombo dos mais pobres. Isso é inaceitável”, argumentou. “Existe um projeto político neste país que, quando se fala em ajuste, quer sempre cortar em saúde, educação e moradia, naqueles que mais precisam.”

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De acordo com Guilherme Boulos, “o problema de São Paulo, hoje, não é falta de dinheiro”. “É a qualidade mal feita do gasto. Você teve um ajuste de contas na gestão [do ex-prefeito Fernando] Haddad [de 2013 a 2016] que reduziu a dívida de São Paulo. Com a venda do Campo de Marte [já no governo Nunes], ela zerou”, observou Boulos.

“O orçamento tem crescido. Se você usar os parâmetros da LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e do crescimento nos últimos anos, vamos ter R$ 41 bilhões para os próximos 4 anos, em investimento, só de recursos próprios”, prosseguiu o candidato do PSOL.

“Foram R$ 6 bilhões praticamente queimados em obras sem licitação, sem planejamento e que não geraram retorno efetivo para a cidade. Há um conjunto de suspeitas de superfaturamento, como nunca se teve, com vários inquéritos rolando”, afirmou.

Imagem de “radical”

Durante a sabatina, Boulos foi indagado sobre a elevada rejeição de que é alvo em alguns setores da população, especialmente pela imagem de “radical” na política. O deputado é muito identificado com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), no qual ingressou em 2002 e do qual foi um dos principais líderes, tendo participado, inclusive, de ocupações de terrenos e prédios públicos.

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“Eu não defendo manifestações violentas. Tive um histórico de 20 anos atuando no movimento social em que foram absolutamente raros os casos de violência”, explica. “Quando você lidera um movimento com pessoas que nunca foram escutadas, que estavam lutando para ter o básico de dignidade, o meu papel era defender essas pessoas com unhas e dentes.”

O candidato disse, ainda, que hoje está “em um outro lugar”, como postulante do cargo máximo da maior cidade do Brasil. “Não sou mais líder de movimento social. Sou deputado federal. Aprovei 3 projetos de lei no meu primeiro ano de mandato, com votos de MDB, PSDB, União Brasil, Republicanos… partidos que têm visão ideológica absolutamente distinta da minha”, destacou.

“Eu sou a mesma pessoa. Continuo sendo uma pessoa que acredita que a política é o instrumento para melhorar a sociedade, não para ganhar dinheiro”, prosseguiu Boulos. “O que mudou é que eu aprendi, com o tempo, que às vezes você precisa aprender a respirar e engolir a seco quando vê uma injustiça e não reagir com raiva e aquele ímpeto. A melhor forma de você enfrentar essa injustiça não é ser reativo.”

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Venezuela

Na entrevista, o candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo também foi questionado sobre as eleições presidenciais na Venezuela, que reconduziram o ditador Nicolás Maduro ao poder, sob ampla desconfiança da comunidade internacional.

Maduro foi declarado vencedor das eleições presidenciais na Venezuela, segundo o CNE, supostamente derrotando o principal candidato da oposição, Edmundo González Urrutia. O resultado foi recebido com perplexidade pela grande maioria dos países democráticos ocidentais, já que o candidato oposicionista aparecia bem à frente de Maduro em todas as pesquisas dos principais institutos.

A oposição acusou o regime de fraudar a eleição, e diversos órgãos independentes internacionais apontaram irregularidades no pleito. Vários países, como os Estados Unidos, não reconheceram a vitória de Maduro.

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“Democracia, para mim, é um princípio inegociável, seja aqui, na Venezuela ou em qualquer parte. Sou filiado ao PSOL, ajudei a construir a nota partidária [sobre o tema] e o meu posicionamento é o de que as cobranças por transparência no processo eleitoral da Venezuela são absolutamente justas”, defendeu Boulos.

“Para além das posições partidárias, o governo federal, junto com os governos de Colômbia e México, tomou um posicionamento, e é neste posicionamento que eu me ancoro, cobrando do governo venezuelano que respeite as instituições, que seja transparente e que divulgue as atas eleitorais”, afirmou.

Questionado, expressamente, se considerava o regime venezuelano uma democracia ou uma ditadura, Boulos saiu pela tangente e não classificou Maduro como um ditador. “A Venezuela não é o meu modelo de democracia. Se ficar comprovado que houve fraude nas eleições e o governo que exercitou fraude permanecer no governo, você não vai ter mais uma democracia”, disse o deputado.

Tentando se equilibrar entre uma postura mais crítica em relação à Venezuela e a identificação com o ideário de esquerda, Guilherme Boulos rechaçou qualquer comparação entre o PT – que divulgou nota reconhecendo a vitória de Maduro na eleição – e regimes autocráticos. O PT indicou a ex-prefeita Marta Suplicy para ser candidata a vice na chapa de Boulos.

“O PT perdeu inúmeras eleições presidenciais e ganhou outras tantas. Sempre que perdeu, não tentou dar golpe, não questionou o resultado eleitoral e não propôs virada de mesa. Esse debate sobre a Venezuela, que é importante, não pode obscurecer um outro debate”, disse o candidato do PSOL.

“Recentemente, o meu adversário, Ricardo Nunes, que hoje ocupa a cadeira de prefeito de São Paulo, disse que não houve tentativa golpista no 8 de janeiro [de 2023, no Brasil]. Disse que eram ‘senhorinhas’, a mesma narrativa bolsonarista. Isso me preocupa muito mais”, concluiu.

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Caso Janones

Na sabatina, Boulos também teve de explicar sua decisão de votar pelo arquivamento de uma representação contra o deputado André Janones (Avante-MG), no Conselho de Ética da Câmara, em junho.

A ação contra Janones foi aberta a partir de uma representação do Partido Liberal (PL), que acusou o parlamentar de ter recebido parte dos salários de funcionários lotados em seu gabinete para ajudar a cobrir gastos de campanhas eleitorais. Um inquérito sobre a denúncia tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em seu parecer sobre o caso, Boulos pediu o arquivamento do processo no Conselho de Ética da Câmara, sob o argumento de que a suposta “rachadinha” teria ocorrido em 2019, antes do atual mandato de Janones. Boulos mencionou a jurisprudência adotada pelo colegiado em casos anteriores.

“Rachadinha é corrupção, rachadinha é crime, independentemente de quem a pratique. O que estava em jogo no Conselho de Ética era o seguinte. Você tinha precedente de decisões, uma jurisprudência que livrou alguns deputados do PL de serem sequer levados ao Conselho de Ética porque o crime teria ocorrido antes da posse da atual legislatura. Era um conjunto de casos, sobretudo contra deputados da direita, que não foram acatados sob o argumento de uma jurisprudência técnica de que isso aconteceu antes da atual legislatura”, justificou Boulos.

“Não é razoável ter dois pesos e duas medidas. Se o Janones for declarado culpado pela investigação que está sofrendo, e o inquérito dele está no STF, que ele seja punido com prisão ou o que for. Assim como deveriam ter sido punidos bolsonaristas, como o Flávio Bolsonaro, o [Fabrício] Queiroz, que acabaram sendo absolvidos pela Justiça”, afirmou o deputado.

“Eu não livrei o André Janones. Eu dei um voto. O Conselho de Ética tomou essa decisão por 12 votos a 5.”

Segurança pública

Guilherme Boulos também foi indagado sobre como resolver os problemas relacionados à segurança pública em São Paulo – assunto sobre o qual, historicamente, a esquerda brasileira encontra dificuldades de se posicionar de forma assertiva.

“Nós juntamos um time extremamente diverso que já atuou na área de segurança para construir uma ideia abrangente para a cidade. Quando você vira prefeito, você não representa só o seu partido e as suas convicções. Você tem que representar a cidade e, portanto, ter capacidade de dialogar com todos”, disse Boulos.

“Ganhando as eleições, uma das primeiras coisas que eu vou fazer é chamar o governador Tarcísio [de Freitas], chamar o ministro da Justiça [Ricardo Lewandowski] e o presidente Lula para construir, em uma mesa, soluções conjuntas de segurança para a cidade de São Paulo. Não tem caminho sem integração”, afirmou.

Sem “bala de prata” na Cracolândia

De acordo com o candidato do PSOL, não existe uma “bala de prata” ou uma “solução demagógica” para resolver o drama da Cracolândia na capital paulista. A região abriga usuários de drogas e dependentes químicos em geral, que se aglomeram nas vias, praticamente à margem das ações do poder público.

Na terça-feira (6), uma megaoperação envolvendo Ministério Público (MP), Receita Federal, Polícia Militar (PM), Polícia Civil, Polícia Federal (PF) e Ministério Público do Trabalho (MPT) prendeu um dos chefes do Primeiro Comando da Capital (PCC), três guardas civis metropolitanos e dois traficantes de drogas, além de um ex-agente da Guarda Civil Metropolitana (GCM).

De acordo com as investigações, os guardas e o ex-guarda detidos são suspeitos de integrarem uma milícia que atuava no local. Os dois traficantes, por sua vez, teriam participado da venda de armas ilegais e cometido exploração sexual e da prostituição.

“O caminho é integrar três áreas: saúde mental, assistência social e a parte de segurança. A primeira coisa que a prefeitura tem de fazer é não permitir milícia debaixo do seu nariz”, afirmou Boulos.

“A GCM tem o meu respeito. Eu conheço muitos guardas civis que fazem seu serviço com dedicação. Agora, quando alguém usa a farda para cometer um crime, essa pessoa tem de ser retirada do serviço público”, completou.

Tarifa zero aos domingos

Questionado sobre a tarifa zero nos ônibus de São Paulo aos domingos, instituída pelo prefeito Ricardo Nunes, Boulos disse que, antes de pensar em uma ampliação do programa, é necessário “botar lupa nos gastos da prefeitura com subsídio” para as empresas que atuam no setor de transporte.

“Além das passagens que as pessoas pagam todos os dias no ônibus, a prefeitura dá um complemento que hoje é a metade do custo do sistema. O critério desse pagamento não tem seguido o contrato. Eles criaram uma fase de transição para que as empresas recebam mais do que deveriam receber”, disse Boulos.

“Os subsídios só aumentaram na cidade de São Paulo, quase dobraram nos últimos 3 anos pós-pandemia, e o número de ônibus em circulação se reduziu”, continuou o deputado.

“O que nós queremos é passar a limpo os contratos de ônibus. Passando, eu tenho muita segurança de que nós poderemos fazer até uma ampliação da tarifa zero e gastar até menos do que temos gastado hoje com subsídio”, prometeu.

“O custo da tarifa zero aos domingos é muito pouco relevante em relação ao montante total de quase R$ 6 bilhões ao ano. É possível ampliar a tarifa zero. Nós fizemos o cálculo”, concluiu.

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”