Bolsonaro retorna ao Brasil com missão de liderar oposição a Lula, mas com capital político menor do que em 2022

Ex-presidente encerra "autoexílio" de três meses para organizar tropa contra o governo enquanto enfrenta investigações e risco de inelegibilidade

Marcos Mortari

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante manifestações no dia 7 de setembro (Foto: Marcos Corrêa/PR)
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante manifestações no dia 7 de setembro (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deve retornar ao Brasil nesta quinta-feira (30), exatos três meses depois de embarcar rumo aos Estados Unidos, no fim de seu mandato, para evitar passar a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para analistas políticos, o retorno deve marcar um novo momento para a oposição e um teste importante para o governo de Lula em um momento desafiador para sua gestão.

Apesar da derrota nas últimas eleições para o Palácio do Planalto, Bolsonaro segue visto como protagonista no processo político nacional e, da capital federal, poderá ter melhores condições de organizar ações e narrativas contra a atual administração, a despeito do noticiário recente desfavorável.

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Leia também: Joias sauditas prejudicam imagem de Bolsonaro e Michelle, mas analistas veem ex-presidente no comando da oposição a Lula

Na chegada de Bolsonaro ao aeroporto internacional de Brasília, prevista para as 7h10, apoiadores organizam um grande ato de recepção, em uma tentativa de demonstração de força. Empresas especializadas no monitoramento de grupos abertos de WhatsApp identificaram aumento no número de mensagens de convocação para o evento e no engajamento.

Da recepção no aeroporto, Bolsonaro seguirá para a sede do partido, distante quatro quilômetros do Palácio do Planalto, onde uma sala estará reservada para parlamentares e apoiadores que quiserem cumprimentá-lo.

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O PL informou, nesta quarta-feira (29), que não está preparando nenhum ato público como evento ou recepção para o ex-presidente. Mas nas redes sociais bolsonaristas estão sendo convocados para ir ao aeroporto prestigiá-lo e há os que pretendem fazer uma motociata.

No partido, o presidente Valdemar Costa Neto, já confirmou que Bolsonaro será aclamado presidente de honra da sigla, com salário de R$ 41,6 mil a partir de abril – o equivalente ao teto do serviço público, recebido por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro já foi empossada, na semana passada, como presidente do braço interno do PL voltado às mulheres.

O partido mira as eleições municipais de 2024, com a intenção de repetir o bom desempenho do pleito do ano passado, quando elegeu as maiores bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, além de ter batido na trave na disputa presidencial, com uma derrota por apenas 2,13 milhões de votos, no pleito mais acirrado da Nova República.

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“O PL quer ter Bolsonaro como a grande figura, o grande líder do partido. Não por acaso, ele vai ser o presidente de honra da legenda. Deve ser alguém com uma atuação importante na tentativa do partido de eleger um bom número de prefeitos e vereadores nas eleições municipais de 2024”, observa Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice.

Segundo Valdemar Costa Neto, o partido tem como meta sair dos pouco mais de 300 prefeitos que tem hoje para mais de 1.000 nas próximas eleições.

Para o especialista, o retorno do ex-presidente deve reforçar a polarização com o lulismo, que chegou ao ápice nas eleições de 2022, e pode tornar a oposição ao atual governo mais ativa. “Teremos que observar se isso não vai gerar algum tipo de mobilização da direita socialmente enraizada. Eles podem ter algum tipo de incentivo a partir da atuação de Bolsonaro para eventualmente saírem às ruas”, pontua.

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Em relatório a clientes, os analistas da consultoria Eurasia Group observam que a volta de Bolsonaro ao Brasil ocorre em um momento ruim para Lula. Mas ressaltam não esperar um aumento de risco de crises para o governo a partir do evento.

Na semana passada, Lula levantou suspeição sobre suposta “armação” do ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) em reação a operação deflagrada pela Polícia Federal para neutralizar os planos do Primeiro Comando da Capital (PCC) para matar autoridades, incluindo o próprio parlamentar. Os comentários de Lula tiveram reação negativa forte da opinião pública digital.

As falas têm sido associadas por opositores a declarações dadas pelo presidente dias antes em entrevista, na qual ele revelou que, quando recebia visitas formais de procuradores e delegados durante sua prisão em Curitiba, dizia que “só vai ficar bem quando f* com o Moro”.

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A sucessão de declarações reaqueceu o bolsonarismo nas redes sociais, na defensiva com as revelações sobre as joias árabes e que agora surfa com conteúdo associando o PT ao crime organizado.

O governo também precisa lidar com uma crise envolvendo o comando das duas casas do Congresso Nacional, que paralisou a tramitação de 13 medidas provisórias de sua autoria, além das dificuldades de construir uma base sólida de apoio no parlamento para enfrentar votações importantes que virão.

Outra dor de cabeça envolve a relação com o Banco Central, que não tem dado sinais de que atenderá aos apelos para reduzir a taxa básica de juros (a Selic, atualmente fixada em 13,75% ao ano) no ritmo desejado por Lula e aliados.

“A presença de Bolsonaro no Brasil não aumenta o risco de uma crise. O impacto será significativo apenas se as coisas começarem a azedar para Lula”, observam os especialistas da Eurasia.

“Ainda assim, será um importante teste para Lula, que precisará administrar a implementação de uma regra fiscal em um ambiente político mais carregado − aumentando ligeiramente o risco de má gestão”, complementam.

Os especialistas destacam que a decisão de Bolsonaro retornar ao Brasil ocorre em meio à pressão de aliados por um papel mais proeminente na direita, enquanto outras figuras tentam ocupar espaços deixados por ele durante o “autoexílio” e com o avanço de investigações.

No meio político, há uma avaliação de que Bolsonaro já não conta mais com o mesmo capital político de quando obteve 58.206.354 votos − o equivalente a 49,10% dos votos válidos na disputa em segundo turno, realizada em 30 de outubro de 2022.

“Bolsonaro tem um capital político que deve variar de 20% a 25%, mas há dois eventos acabaram provocando desgaste: o 8 de Janeiro e o episódio das joias”, pontua Borenstein. Para ele, o segundo é ainda mais negativo à imagem do ex-presidente, pela facilidade de compreensão por parte do eleitor.

“Esses dois eventos criam um desgaste maior para Bolsonaro em relação ao capital político que ele saiu da eleição de 2022”, avalia. “A volta vai ajudar a oposição e principalmente o bolsonarismo, mas ele errou o timing há muito tempo, quando não reconheceu o resultado da eleição e praticamente sumiu”.

Investigações

Sem a blindagem do foro privilegiado, o que o deixa mais vulnerável juridicamente a buscas e apreensão e até mesmo uma ordem de prisão, Bolsonaro é alvo de quatro inquéritos além da investigação dos ataques contra os Poderes em janeiro.

Além disso, tem no encalço também o caso envolvendo os presentes milionários dados pelo governo saudita. Formalmente, segundo a Polícia Federal, Bolsonaro e Michelle não são investigados pela corporação no inquérito que apura as joias ofertadas ao ex-presidente.

Um primeiro lote dos presentes ficou retido no Aeroporto de Guarulhos e o segundo pacote ele chegou a ficar com Bolsonaro, mas depois a sua defesa entregou às autoridades brasileiras por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU).

Ontem (28), surgiu um terceiro lote de presentes e sua defesa disse que está registrado em acervo e será submetido à auditoria do TCU. Esta outra caixa, guardada na fazenda do ex-piloto Nelson Piquet, continha relógio da marca Rolex, caneta da marca Chopard, abotoaduras em ouro branco e outros itens avaliados em R$ 500 mil.

Aliados se preocupam com a possibilidade de Bolsonaro depor neste e em outras investigações criminais a que responde perante o STF desde a época em que era presidente e que devem descer ou já desceram para a primeira instância, segundo duas fontes. Mas avaliam que juridicamente não há motivos para ele ser alvo de uma ordem de prisão no curto prazo em quaisquer dos casos.

Por outro lado, uma das fontes diz que, politicamente, pesquisas internas do PL indicam que o caso das joias não teve impactos sobre a popularidade de Bolsonaro, que seguiria em alta mesmo há meses distante dos holofotes. A percepção não é a mesma de analistas políticos consultados pela última edição do Barômetro do Poder, levantamento realizado pelo InfoMoney.

Contudo, uma das principais preocupações sobre o futuro do ex-presidente está no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que ele corre o risco de ser condenado em uma das 16 ações a que responde e ficar inelegível para concorrer à sucessão presidencial em 2026.

Segundo uma fonte do TSE, a ação com tramitação mais acelerada e que poderá ser julgada ainda neste semestre diz respeito à reunião promovida por Bolsonaro em meados do ano passado com embaixadores no qual contestou, sem provas, o processo eleitoral brasileiro.

Essa ação recentemente foi turbinada com a anexação da chamada “minuta do golpe”, documento apócrifo apreendido na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro Anderson Torres em que se rascunhava a realização de uma espécie de Estado de Defesa contra o TSE.

“Estar no Brasil traz riscos para Bolsonaro: ele está sendo processado no TSE, e os processos podem andar mais rápido com sua chegada. Existe a possibilidade de que ele seja destituído de seus direitos políticos e impedido de concorrer a um cargo [nas próximas eleições]“, dizem os analistas da Eurasia.

(com Reuters)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.