Bolsonaro lança novo partido, com defesa de religião e porte de armas e ataque ao “comunismo”

Convenção nacional marca primeiro evento formal para criação da Aliança pelo Brasil, que ainda tem longo caminho pela frente e prazo apertado

Marcos Mortari

(José Dias/PR)
(José Dias/PR)

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SÃO PAULO – O projeto de novo partido do presidente Jair Bolsonaro, Aliança pelo Brasil, foi lançado oficialmente nesta quinta-feira (21), com discurso de cunho conservador e marcadamente calcado na defesa da religião e do porte de armas e no repúdio ao socialismo, ao comunismo e ao chamado “globalismo”.

Realizada a primeira convenção nacional, em que foi lido o programa partidário e as diretrizes a serem seguidas e designada a comissão provisória do diretório nacional, ainda há um longo caminho para que o projeto de fato saia do papel.

A Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995) determina que o requerimento de registro de um partido político deve ser subscrito por um grupo de pelo menos 101 fundadores, com domicílio eleitoral em no mínimo um terço das unidades da federação.

Depois disso, o partido precisa registrar estatuto no Tribunal Superior Eleitoral – o que só é admitido com a comprovação do correspondente a pelo menos 0,5% dos votos válidos dados na última eleição para a Câmara dos Deputados (o equivalente a 492.015 assinaturas), distribuídos por ao menos um terço dos estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado que tenha votado em cada.

O objetivo de Bolsonaro é que todo o trâmite seja cumprido até abril, o que tornaria o partido apto a participar das eleições municipais de 2020. São menos de 140 dias para cumprir o processo e ser admitido pela Justiça Eleitoral, um recorde para o atual sistema partidário brasileiro.

O caso mais rápido de criação de uma sigla foi o do PSD, em 2011, por Gilberto Kassab, então prefeito de São Paulo. Na época, foram necessários cerca de 200 dias entre o início do recolhimento de assinaturas e a homologação no TSE. Bolsonaro terá cerca de 140 dias.

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O presidente tem ao seu lado os advogados eleitorais Admar Gonzaga, que participou da criação do PSD e já atuou como ministro do TSE, e Karina Kufa. Uma das ideias seria o uso de aplicativo para dispositivos móveis para registrar os nomes e registros biométricos de apoiadores da nova sigla – o que tem gerado controvérsia no meio jurídico.

Além dos desafios formais, não será tarefa fácil para Bolsonaro convencer aliados de mudarem de sigla. Mesmo entre políticos eleitos para cargos majoritários, o presidente não tem encontrado alinhamento automático.

Um dos obstáculos para migrações em massa consiste na falta de recursos que a nova sigla contaria. Pelas regras atuais, a distribuição do Fundo Partidário é feita majoritariamente a partir dos dados das últimas eleições gerais — o que não garantiria fatia expressiva do bolo aos bolsonaristas.

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Aliados do presidente, porém, tentam uma brecha para que quem deixar o PSL leve consigo fatia proporcional do fundo. Os advogados eleitorais consultados por esta reportagem, porém, não veem caminhos para tal tese prosperar nas regras atuais. Pela lei, apenas uma fatia de 5% é distribuída igualmente para todos os partidos.

Do lado do fundo eleitoral, o espaço também é inviável. A regra atual determina que a divisão dos recursos deverá respeitar a distribuição de assentos na Câmara dos Deputados na última sessão legislativa do ano anterior ao do pleito em questão. Considerando que falta um mês para o início do recesso parlamentar, é improvável que a Aliança pelo Brasil consiga ser reconhecida e abrigar deputados a tempo para abocanhar uma fatia do bolo.

O partido de Bolsonaro também não teria bom posicionamento na distribuição de tempo na propaganda gratuita para rádio e televisão. Apesar de o presidente ter sido eleito sem estrutura partidária, os recursos tradicionais do sistema são ativos atraentes no meio político e fazem parte dos cálculos de qualquer candidato.

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Na primeira convenção nacional da Aliança pelo Brasil, ficou definido que Jair Bolsonaro acumulará a função de comandante da sigla e seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (RJ), será o primeiro vice-presidente. Outro filho do mandatário, Jair Renan será vogal do partido. Na executiva provisória, o advogado eleitoral Admar Gonzaga será secretário-geral, e Karina Kufa, tesoureira.

Em seu discurso, Bolsonaro fez referências às disputas com a cúpula do PSL, que o levaram a deixar a sigla. “Se eu tivesse feito isso no passado [lançado um partido novo], nós teríamos feito uma bancada de 100 parlamentares [na Câmara] e um senador por estado. [Parlamentares] de um nível que não teríamos a divisão que tivemos depois das eleições. Quando lamentavelmente uns poucos passaram a entender que o partido era eles”, afirmou.

No evento, foram apresentadas as principais bandeiras, que nortearão a nova sigla. Um texto lido pela advogada eleitoral Karina Kufa, nomeada tesoureira do partido, define o Aliança como “partido conservador, comprometido com a liberdade e com a ordem”. Estão incluídos a defesa da livre iniciativa, o direito à autodefesa, a contrariedade ao aborto, às chamadas ideologia de gênero e sexualização das crianças.

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“Em primeiro lugar, a Aliança pelo Brasil reconhece o lugar de Deua na vida, na história e na alma do povo brasileiro, que é o povo religioso e solidamente educado nas bases do cristianismo e suas variadas e vertentes expressões”, diz o documento lido por Kufa.

Ao sair do Palácio do Alvorada pela manhã, Bolsonaro disse que nenhum dos ministros de governo irá se filiar ao seu novo partido. “Não vamos ter a participação do governo na criação do partido para evitar interpretação equivocada de que estou usando a máquina pública para formar um partido”.

De acordo com o presidente, a nova legenda vai respeitar a legislação. “O partido tem que estar voltado, no meu entender, para suas atribuições legais: fiscalizar o Executivo, apresentar projetos, legislar”, explicou.

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O presidente também prometeu não interferir nas eleições municipais de 2020 e reconheceu que, se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não aceitar a coleta eletrônica das assinaturas, a sigla não deverá estar apta a participar do pleito do ano que vem, em função do calendário apertado.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.