Publicidade
SÃO PAULO – O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) entregou, nesta segunda-feira (9), ao Congresso Nacional a Medida Provisória (MP) que cria o Auxílio Brasil, programa de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família.
Os textos foram entregues pessoalmente por Bolsonaro ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O mandatário estava acompanhado pelos ministros general Augusto Heleno (GSI), Ciro Nogueira (Casa Civil), Flávia Arruda (Secretaria de Governo), João Roma (Cidadania), o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-geral da Presidência), Milton Ribeiro (Educação) e Paulo Guedes (Economia).
Além da MP, está previsto o encaminhamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do parcelamento de precatórios – dívidas da União reconhecidas pela Justiça e não passíveis de novos recursos –, que o presidente disse que será feito “mais tarde”.
Continua depois da publicidade
“São duas propostas (…) que visam dar transparência e responsabilidade aos gastos, aí incluindo o viés social do nosso governo. Este viés social tem a ver com o Bolsa Família. Sabemos que a pandemia trouxe uma inflação nos alimentos para o mundo todo, então nós não podemos deixar desassitidos os mais vulneráveis”, afirmou Bolsonaro.
No mesmo sentido, Guedes disse que “as duas matérias são decisivas para o futuro do Brasil” e estão conectadas. Segundo o ministro, a criação de regras para o parcelamento de precatórios permite a implementação de programas sociais do governo.
“A PEC dos precatórios cria a previsibilidade dos gastos. Os Poderes são independentes, nós nunca vamos entrar no mérito de decisões de outros Poderes, porém a capacidade de pagamento e a pressão que isso exerce sobre o governo precisa ser disciplinada. Uma matéria de 30 anos atrás passa por cima de vários governos e, de repente, após uma enorme acumulação, desaba sobre um governo em um ano. Isso inviabilizaria não só os programas sociais, mas também o próprio funcionamento da Esplanada”, pontuou.
Continua depois da publicidade
O texto do Auxílio Brasil traz apenas o formato do novo programa, sem estabelecer valores de repasses e número de beneficiários, tampouco indicar fontes orçamentárias para bancar o aumento das despesas com o instrumento. Segundo o presidente, o repasse médio mensal, hoje na casa de R$ 189, deverá sofrer um aumento mínimo de 50%.
A ideia é que o novo programa seja implementado após o fim do auxílio, previsto para outubro deste ano ‒ se as indicações de mais três meses de benefício forem confirmadas. Tecnicamente, o texto deve liberar para que decreto presidencial trate dos detalhes ‒ o que evitaria o risco de aprovação despesas superiores ao que seria possível pagar pelos parlamentares.
Para que o Bolsa Família turbinado possa valer ainda durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), as novas regras precisam entrar em vigor em 2021. Isso porque a Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) veda, no ano da realização do pleito, “a distribuição de bens, valores ou benefícios, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”.
Continua depois da publicidade
O Auxílio Brasil é uma das apostas de Bolsonaro em seu projeto pela reeleição, que ganhou força com o ingresso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no páreo. O benefício poderia ajudar o mandatário a recuperar apoio de parte do eleitorado, sobretudo nas faixas de renda mais baixa.
O novo programa é foco de queda de braço entre as alas política e econômica do governo – motivo pelo qual o texto não foi encaminhado na semana passada ao Congresso Nacional, como anteriormente previsto.
De um lado, a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) defende que só é possível pagar um programa com repasses médios em torno de R$ 300 (hoje são cerca de R$ 189) mensais. De outro, há um esforço em tentar ampliar os repasses.
Continua depois da publicidade
Em entrevista coletiva após a entrega da proposta, o ministro João Roma (Cidadania) disse que o número de beneficiários deverá sair dos atuais 14,6 milhões para acima de 16 milhões e reforçou que o tíquete médio mensal sofrerá um aumento de pelo menos 50% – o que levaria os repasses a R$ 283,50. Os números, no entanto, só deverão ser fechados no final de setembro.
“Isso deverá ser alcançado dentro do teto de gastos, portanto andando em consonância a área social com a responsabilidade fiscal. A área econômica e a área social do governo são duas faces de uma mesma moeda, pois, quando a economia apresenta sinais de fraqueza, quem mais sofre é justamente essa população em situação de vulnerabilidade”, disse.
Segundo ele, o novo programa, com entrada em vigor prevista para novembro, deverá novas ferramentas, com ênfase nas questões de segurança alimentar e nutricional e na primeira infância.
Continua depois da publicidade
“A restruturação dos programas sociais visa ir além de uma proteção à população em situação de vulnerabilidade… Poder apresentar, através desses programas sociais, várias ferramentas e trilhas para que o cidadão possa conquistar sua emancipação, para que ele possa galgar mais espaço, alcançar melhor qualidade de vida para sua família”, disse.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o Congresso Nacional se debruçará rapidamente sobre a proposta e atentará para o equilíbrio entre compromisso social e viabilidade econômica.
O prazo inicial de vigência de uma Medida Provisória é de 60 dias, prorrogado por igual período caso não tenha sua votação concluída na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Se não for aprovada em 45 dias, contados da sua publicação, tranca a pauta de votações da Casa legislativa em que se encontrar.
Caso seja rejeitada ou não apreciada dentro do limite total, perde validade. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de MP que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.
A polêmica dos precatórios
Integrantes do governo estimam que o valor das sentenças a ser pago no ano que vem pode chegar a R$ 90 bilhões, ante R$ 54,75 bilhões previstos na peça orçamentária deste ano, se nada for feito – o que comprometeria a maior parte do orçamento discricionário.
Desde então a equipe econômica passou a trabalhar na construção de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para estabelecer critérios e limites ao pagamento de precatórios. O esboço do texto prevê o pagamento integral e instantâneo das requisições de pequeno valor, dívidas até R$ 66 mil, que representam mais de 80% das sentenças devidas pela União.
Acima desse valor, haveria um um regime especial de parcelamento. Para precatórios entre R$ 66 mil (dez salários mínimos) e R$ 66 milhões, seria aplicada uma regra transitória de parcelamento em dez anos. Já para aqueles superiores a R$ 66 milhões, o parcelamento seria permanente.
Com isso, estima-se que R$ 40 bilhões dos precatórios previstos para 2022 se enquadrem nas regras, liberando espaço no Orçamento para outras despesas – caso do próprio Bolsa Família “turbinado”, que poderia ser inviabilizado sem uma mudança nas regras de pagamento das dívidas judiciais da União.
Críticos batizaram a manobra de “contabilidade criativa” e compararam a iniciativa às “pedaladas fiscais”, que levaram a presidente Dilma Rousseff (PT) ao impeachment em 2016. Há, inclusive, quem fale em “calote”. Já Guedes alega que há precedentes para Estados e municípios, que podem parcelar o pagamento dos precatórios.
Integrantes do governo também avaliam criar um Fundo de Liquidação de Passivos da União para pagar precatórios sem a limitação do teto de gastos. O fundo seria abastecido com recursos da venda de imóveis, dividendos de estatais ou mesmo privatizações. A ideia, no entanto, é que apenas 20% dos recursos sejam destinados a pagar os precatórios. Outros 20% iriam aos mais pobres para elevar os valores repassados a beneficiários do Bolsa Família. E 60% para redução da dívida pública.
O próprio líder do governo no Senado Federal, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), defende a retirada do pagamento das dívidas federais decorrentes de sentenças judiciais do teto de gastos. Integrantes da equipe econômica, contudo, alegam que o movimento eliminaria qualquer incentivo para a gestão dessa despesa, que tem crescido vertiginosamente. No fundo, eles dizem que o resultado seria o risco de deterioração maior das contas públicas.