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Defendida pelo ex-presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, que concede autonomia financeira e orçamentária à autoridade monetária, agrava problemas existentes atualmente, isola o BC da órbita da administração pública e pode vir a ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF).
A avaliação é do economista Paulo Nogueira Batista Júnior, de 69 anos, que também participou da audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, nesta terça-feira (18), que trata do projeto.
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Em linhas gerais, a PEC transformaria o BC, uma autarquia federal com orçamento vinculado à União, em empresa pública com total autonomia financeira e orçamentária, sob supervisão do Congresso Nacional.
Nogueira Batista foi diretor-executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington (Estados Unidos), por indicação do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega (PT), e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o chamado “banco dos Brics”, por indicação da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) – que atualmente dirige a instituição.
“O argumento a favor da autonomia, essencialmente, parte do princípio de que o horizonte dos políticos eleitos tem um caráter de ser muito curto e seria preciso isolar a autoridade monetária da influência perniciosa dos políticos eleitos, criando uma espécie de cordão sanitário”, observou o economista. “Esse argumento tem muitas falácias e omissões e não há consenso entre os economistas, no Brasil e no exterior, sobre sua validade.”
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Segundo Nogueira Batista, “os problemas que o BC enfrenta são extraordinariamente importantes à sociedade e não são de caráter puramente técnico, mas de economia política”. Envolvem incertezas enormes e têm repercussão importante para a sociedade, como o nível de emprego, a distribuição da renda e o aumento da inflação”, afirmou.
“Hoje, no Brasil, nós praticamos juros reais extraordinariamente altos, entre os mais altos do mundo. Isso afeta negativamente o nível de atividade econômica, afeta o investimento, provoca desequilíbrio das finanças públicas. Essa política de juros concentra a renda nacional. Quem são os beneficiários desses juros altos? É a minoria de classe média alta para cima e os super-ricos”, disse o economista.
“Não existe uma autonomia em relação a interesses financeiros privados. Existe, no Brasil, como em vários outros lugares, a captura do regulador pelo regulado, a captura do BC por interesses financeiros privados”, criticou Nogueira Batista.
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“Os financistas que vão para o BC, em geral, saem do sistema financeiro e depois retornam. Não existem regras fortes de saída para aqueles que passam pela diretoria do BC. Se um integrante diverge muito dos interesses financeiros privados, ele corre o risco de não ter uma carreira confortável no sistema financeiro.”
De acordo com o economista, a PEC da autonomia financeira e orçamentária do BC “agrava esses problemas que já existem na situação atual”. “Tive a impressão de que falta uma discussão mais aprofundada sobre a questão. Fico com a sensação de que seria importante convocar outras audiências para que o tema seja mais aprofundado”, diz.
“A PEC reforça a autonomia do BC ao constitucionalizar diversos princípios que estão em lei complementar, com a autonomia operacional e administrativa e a ausência de qualquer subordinação do BC a algum ministério”, prosseguiu Nogueira Batista. “Temos uma situação, possivelmente, de atribuir à Constituição um papel que está reservado, na própria Constituição, à lei complementar.”
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Em sua análise durante a audiência na CCJ, Paulo Nogueira Batista Júnior afirmou que, “se aprovada como está, é bem possível que a questão acabe parando no STF”. “Temos uma PEC que tira o BC, que exerce atividades tão centrais para o Estado, da órbita da administração pública. E consagra, no meu entender, o BC como um quarto poder, pelo grau de autonomia que ele terá em relação ao poder político eleito.”
Ainda segundo o economista, a autonomia operacional do BC, aprovada em 2021, gera problemas para o governo atual.
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“Criaram mandatos fixos para a diretoria do BC, o que significa que eles não são mais demissíveis pelo governo. E criaram-se mandatos não coincidentes com o presidente da República, o que é particularmente problemático em um cenário de polarização política vivido em grande parte do mundo, inclusive no Brasil”, analisa. “O presidente da República, eleito em 2022, tem de conviver durante 2 anos de seu mandato com o presidente do BC indicado pelo seu antecessor.”
Em relação ao Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do BC, o economista aponta um desequilíbrio.
“Teoricamente, o BC é autônomo operacionalmente para conduzir a política monetária e cumprir as metas que o governo, através do CMN, fixa. Mas, olhando mais de perto, você verifica que o CMN tem apenas 3 membros. O ministro do Planejamento, normalmente, é mais distante dessa temática, e o BC exerce a secretaria do conselho. E todos sabem que exercer a secretaria de um órgão dá muita influência e muito poder. Em larga medida, o BC fixa as metas para si mesmo. Ele é mais independente do que se imagina”, conclui Nogueira Batista.
O que diz a PEC
O tema é abordado em Proposta de Emenda à Constituição (PEC 65/2023) apresentada pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) no apagar das luzes do ano legislativo, em novembro de 2023. O texto superou com folga o endosso necessário para começar a tramitar, somando 42 assinaturas entre os 81 senadores.
Caso passe na CCJ, onde é relatado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), ele precisará de 49 votos em dois turnos de votação no plenário. Depois disso, precisará passar por duas votações na Câmara dos Deputados – também com apoio mínimo de 3/5 (ou seja, 308 deputados) em cada uma delas.
“A necessidade de recursos financeiros para o cumprimento de sua missão institucional exige alteração do arcabouço legal. A proposta de evolução institucional do Banco Central do Brasil prevê a garantia de recursos para que atividades relevantes para a sociedade sejam executadas sem constrangimentos financeiros, tanto para a instituição quanto para o Tesouro Nacional”, diz o texto da PEC.
Na prática, a proposta amplia a autonomia operacional do BC instituída há três anos. Em 2021, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou o projeto, aprovado pelo Congresso Nacional, que tornou o BC autônomo em sua operação, o que limitou a capacidade de influência do Poder Executivo sobre as decisões relacionadas à política monetária. Desde então, os mandatos do presidente do BC e do titular do Palácio do Planalto não são mais coincidentes. Agora, o chefe da autarquia assume sempre no primeiro dia útil do terceiro ano de cada governo.
O BC teria plena liberdade para definir, por exemplo, os planos de carreira e salários de seus funcionários, contratações e reajustes. O financiamento das atividades da instituição seria feito a partir de receitas da chamada “senhoriagem”, entendida como “o custo de oportunidade do setor privado em deter moeda comparativamente a outros ativos que rendem juros” – nos moldes do que ocorre em bancos centrais de países como Estados Unidos, Canadá, Suécia, Noruega e Austrália.
Apesar do forte apoio inicial à PEC no Senado, analistas consultados pelo InfoMoney avaliam que as chances de aprovação no plenário são remotas se o governo não aderir abertamente à proposta. Outro obstáculo à tramitação do texto é o cronograma previsto pela equipe econômica para este ano, que inclui projetos considerados prioritários e que ainda estão pendentes nos escaninhos do Legislativo – como a regulamentação da reforma tributária e uma série de propostas microeconômicas com o intuito de estimular o desenvolvimento do mercado de capitais no país.