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A proposta de novo arcabouço fiscal apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), na última quinta-feira (30), traz dúvidas sobre as condições que o governo terá de entregar as metas de resultado primário prometidas até 2026 e pode contaminar o debate sobre outras iniciativas que o Poder Executivo deseja encaminhar ao Congresso Nacional.
É o que avalia o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo. Para ele, a atual administração errou ao não apresentar nenhum compromisso claro de corte de despesas − o que faz com que a promessa de equilíbrio das contas públicas soe como mera “declaração de intenções”.
“Apresentar uma proposta de arcabouço fiscal sem falar em enfrentar seriamente a questão da despesa tira a credibilidade da proposta”, observa.
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“O governo fala em ter um superávit primário, diz que isso será alcançado e não dá nenhum sinal de corte de despesas. Ou [a proposta] está baseada em uma ideia de aumento de arrecadação, que até agora não foi apresentado ou não passará de uma declaração de intenções”, diz. “A conta não fecha”.
O novo arcabouço fiscal tem como pilar a meta de gastos, que define que a despesa real deve crescer anualmente dentro de um intervalo que vai de 0,6% a 2,5%. Pela regra, as despesas devem crescer a uma taxa de 70% da variação real da receita líquida apurada em 12 meses até junho do exercício anterior. Em situações de retração, o crescimento mínimo real é garantido.
A proposta também cria uma meta de resultado primário, com bandas de tolerância de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo. Neste caso, as metas dos quatro anos de uma gestão são definidas logo no início do governo. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleceu como compromisso um déficit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, equilíbrio no ano seguinte e superávit de 0,5% e 1% em 2025 e 2026, respectivamente.
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Adicionalmente, há um piso mínimo para investimentos públicos, calculado com base nos valores gastos nesta faixa em 2023, corrigidos pela inflação. Caso seja alcançado resultado primário superior à banda superior estabelecida, o valor excedente poderá ser empenhado em investimentos no exercício seguinte. Na hipótese de descumprimento do piso da meta, haverá redução potencial na variação da despesa, de 70% para 50% da variação da receita, no ano seguinte.
Para Jardim, a proposta tal como foi apresentada pela equipe econômica do governo será insuficiente para gerar o ambiente necessário para uma antecipação de cortes na taxa básica de juros (a Selic, atualmente fixada em 13,75% ao ano) pelo Banco Central.
O parlamentar também acredita que a ausência de corte de gastos nos planos aumenta a pressão do outro lado da equação: a receita, com risco de necessidade de aumento de impostos. O que pode contaminar o debate sobre a reforma tributária em curso no parlamento.
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“Ela vai jogar incerteza sobre a reforma tributária, porque, para a conta fechar, só tem um jeito: aumentar a receita. Isso se faz com medidas pontuais como essa que o governo pretende anunciar − precisamos ver a real envergadura que terão − ou com aumento de tributo”, afirma.
“No momento em que se afirma que a reforma tributária será neutra, o arcabouço, da forma como foi apresentado, lança mais dúvidas se ela não vai ser vista como um movimento arrecadatório pelo governo”, pontua.
Veja os destaques da entrevista:
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InfoMoney: Quais são suas primeiras impressões sobre as direções apontadas pelo novo arcabouço fiscal do governo?
Deputado Arnaldo Jardim: Uma impressão que eu e alguns integrantes da Frente pelo Brasil Competitivo com quem conversamos é que apresentar um arcabouço fiscal com uma proposta tão tímida sobre a questão dos gastos é algo que não fecha a conta.
O governo fala em ter um superávit primário, diz que isso será alcançado e não dá nenhum sinal de corte de despesas. Ou [a proposta] está baseada em uma ideia de aumento de arrecadação, que até agora não foi apresentado ou não passará de uma declaração de intenções.
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Para mudar de um déficit como temos hoje, tão acentuado, mesmo que o superávit seja só um superávit primário, sem entrar a questão da conta de juros, não é possível dar esse passo se não houver um enfrentamento da coluna das despesas. A menos que o governo esteja imaginando aumentar a arrecadação.
IM: Durante o anúncio, o ministro Fernando Haddad sinalizou uma medida futura de aumento de receitas entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões. Nos bastidores, há uma avaliação de que elas devem caminhar em direção parecida com o pacote apresentado em janeiro. Embora os detalhes (e, portanto, sua viabilidade) sejam desconhecidos, isso seria suficiente para a conta fechar?
AJ: Os três itens que o governo anunciou eram um processo em torno do PIS/Pasep, a intenção de que o “voto de qualidade” no Carf poderia dirimir contenciosos fiscais pró-governo. As estimativas iniciais feitas pelo governo foram reduzidas por ele. E tenho fundadas dúvidas de que isso seja exequível.
Outras iniciativas, ainda mais na monta de R$ 70 bilhões, eu não vejo de onde poderiam sair. Nós aguardamos que o governo possa apresentá-la, mas acho que há justificativa para recear que seja uma coisa pouco consistente.
O governo teve uma melhoria de arrecadação em um processo recente. Isso foi muito mais pela questão inflacionária. Todos sabem que o processo inflacionário causa um aumento nominal de arrecadação. E houve a apropriação que foi feita pelo governo dos chamados “recursos perdidos”, não reclamados, no sistema de depósitos (referentes a patrimônios acumulados do PIS/Pasep não reclamados por prazo superior a 20 anos). Isso é uma coisa pontual, não é algo estrutural. Não se pode programar um arcabouço fiscal baseado nisso.
IM: Especialistas em contas públicas manifestaram preocupação de que o arcabouço fiscal poderia incentivar o governante a gastar mais a cada ano que passa, já que as despesas executadas em um exercício se tornariam piso para o cálculo do montante disponível para gastos no ano seguinte. O senhor compartilha da preocupação? Quais são suas outras preocupações?
AJ: Compartilho desta preocupação. Acabam premiando não os que fizeram um movimento de ajuste, de corte, mas aqueles que expandiram a base de gastos. É realmente deseducativo.
Por outro lado, uma coisa que me preocupa muito é não ter havido nenhuma referência a um esforço de reforma administrativa. Até acho que a reforma administrativa proposta na época do [ministro Paulo] Guedes foi uma reforma só de pessoal. Mas acho que o governo deveria deixar claro algum processo no sentido de qualificar gastos e mensurar eficácia e eficiência de despesas públicas, mas não houve nenhum movimento nesse sentido.
A impressão que se tem é que não há nenhum esforço político do governo – não sei se isso se deve às contradições internas dele, as contradições com núcleos do PT dentro da administração -, mas apresentar uma proposta de arcabouço fiscal sem falar em enfrentar seriamente a questão da despesa tira a credibilidade da proposta.
IM: O governo tem como um dos resultados esperados a partir da apresentação do arcabouço fiscal uma redução na Selic. Na sua avaliação, a proposta é suficiente para permitir um movimento de convergência do Banco Central para uma taxa menor de juros?
AJ: Acho insuficiente, da forma como foi apresentada. Não me nego a reformular, na semana que vem, isso que estou dizendo se a proposta vier com mais consistência e mais iniciativas. Mas o que foi apresentado até agora suscita dúvidas sobre [como] fechar a conta e acho que isso retira o impacto que ela pode ter inclusive na questão de juros e cenário futuro.
IM: A proposta de arcabouço fiscal também prevê que o governo recém-empossado estabeleça as metas de resultado primário para seus quatro anos de gestão. Quais são suas considerações sobre essa metodologia pensada?
AJ: Acho que esse esforço deve ser saudado por todos aqueles que desejam previsibilidade e austeridade na gestão de finanças públicas. Nós não podemos permitir essa pilotage a vue, desviando dos obstáculos conjunturalmente. Mas isso que eu saúdo é a visão que está contida em Plano Plurianual, em metas que tenham previsibilidade… A proposta [de arcabouço fiscal], na forma como até agora foi apresentada, não transmite segurança para essa previsão de cenário futuro.
Além disso, acho que ela vai jogar uma incerteza sobre a reforma tributária, porque, para a conta fechar, só tem um jeito: aumentar a receita. Isso se faz com medidas pontuais como essa que o governo pretende anunciar – precisamos ver a real envergadura que terão – ou com aumento de tributo.
No momento em que se afirma que a reforma tributária será neutra, o arcabouço, da forma como foi apresentado, lança mais dúvidas se ela não vai ser vista como um movimento arrecadatório pelo governo.
IM: Os presidentes das duas casas legislativas manifestaram otimismo com a tramitação do marco fiscal quando for encaminhado pelo Poder Executivo. Representantes do governo também indicam ter construído diálogo favorável para a proposta com lideranças partidárias. Qual sua sensação em relação à recepção dos parlamentares? Como essa proposta deve tramitar no Congresso?
AJ: Eu falo a partir da visão de um grupo de parlamentares que têm compromisso com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Achamos que a melhor forma de promover o desenvolvimento é com regras e com controle, não com políticas pontuais de incentivo ao consumo. Claro que há um pressuposto no que estou falando, que é minha convicção de que a melhor política social é o emprego e o desenvolvimento. Ressalvados esses aspectos, nós achamos que a proposta precisa ter mais consistência.
IM: O senhor espera dificuldades na tramitação do texto?
AJ: Do jeito que ela está, sem trazer mais pontos elucidativos, regras melhor estabelecidas, sem ter nenhum esforço por parte do governo de contenção de despesas, acho que será difícil.