Aprovação de Medida Provisória dos ministérios não esconde problemas de Lula no Congresso e insatisfação de deputados

Apesar do placar elástico construído, manifestações de parlamentares deixam clara percepção de dias difíceis para outras matérias de Lula no parlamento

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados durante Sessão Deliberativa Extraordinária (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados durante Sessão Deliberativa Extraordinária (Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

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A aprovação da medida provisória que dispõe sobre a estruturação dos ministérios (MPV 1154/2023) pelo plenário da Câmara dos Deputados, às vésperas de a matéria perder validade e com significativas modificações em relação ao texto original, trouxe alívio ao Palácio do Planalto, mas não pode ser encarada como demonstração de força do governo no parlamento.

Apesar do placar elástico construído, de 337 votos favoráveis, 125 contrários e 1 abstenção, as diversas manifestações de insatisfação dos deputados com a articulação política do governo deixam clara uma percepção de dias difíceis para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso Nacional.

Para destravar a votação da MPV e evitar que a estrutura da Esplanada dos Ministério retornasse aos moldes do governo de Jair Bolsonaro (PL), Lula teve que entrar pessoalmente nas negociações. Em paralelo, o governo acelerou a liberação de R$ 1,7 bilhão em emendas parlamentares – a maior quantia liberada em um único dia na atual gestão. Mas não foi suficiente para acalmar os ânimos dos congressistas.

Logo após a sessão no plenário, na madrugada desta quinta-feira (1º), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), indicou que a aprovação da matéria foi resultado sobretudo da postura de líderes de partidos independentes, que “reconheceram a necessidade de dar mais uma oportunidade ao governo” em meio aos tropeços na interlocução com o parlamento.

Em entrevista a jornalistas, Lira deu seu recado sobre como serão as relações entre Executivo e Legislativo nas próximas votações: “É importante que se diga e deixe claro que, daqui para frente, o governo vai ter que andar com as suas pernas. Não haverá mais nenhum tipo de sacrifício”.

A fala é um aviso ao Palácio do Planalto de que serão necessários mais esforços para o êxito de matérias como a reforma tributária – que, por ser Proposta de Emenda à Constituição (PEC), depende de apoio de 3/5 dos deputados em dois turnos de votação – e o projeto de lei que trata da retomada do chamado “voto de qualidade” a favor da União nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

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Mais cedo, Lira dissera que havia uma “insatisfação generalizada” dos deputados com o que ele chamou de “falta de articulação política do governo”. Ao tratar da fragilidade da base de apoio de Lula na casa legislativa, o parlamentar disse que o governo hoje conta com apenas 130 votos “constantes” de um universo de 513 no plenário – o que equivale a pouco mais de 25% do total.

“Eu venho alertando o governo desta inanição, desta falta de ação, desta falta de pragmatismo na resolutividade dos problemas do dia a dia, na falta de consideração, na falta de atendimento, na falta de atenção”, disse ele.

Na votação de ontem, partidos de “centro” com ministérios no atual governo deram importante contribuição para o resultado. Legendas como MDB, PSD e União Brasil deram, respectivamente, 35, 36 e 35 votos favoráveis ao texto entre 42, 42 e 59 possíveis.

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O comportamento foi oposto àquele adotado na votação projeto de decreto legislativo para derrubar trechos de dispositivo editado pelo governo para o saneamento básico, as mesmas siglas entregaram 31, 20 e 48 votos contra o Executivo. Mas parlamentares sustentam que este está longe de ser um gesto de pacificação para o longo prazo.

Durante a sessão de ontem, uma das falas que mais se destacaram foi do deputado federal Elmar Nascimento (BA), líder da bancada do União Brasil na casa legislativa. Em discurso da tribuna, o parlamentar reconheceu a legitimidade de Lula em organizar seus ministérios de acordo com suas preferências, mas salientou os problemas de articulação junto à Câmara e disse que recados dados pelos deputados não estavam sendo ouvidos com a devida atenção.

“É óbvio que qualquer governo legitimamente eleito pela urna tem o direito de estabelecer a sua forma de governar. É muito claro isso. E aí se pergunta por que estamos há tanto tempo, na última hora, no último minuto, discutindo ainda se vamos referendar ou não o que um governo legitimamente eleito tem o direito de fazer, que é estipular a forma de governar. Tudo isso é fruto de uma forma contraditória e desgovernada de proceder. A falta de uma base estabilizada fez com que houvesse a possibilidade de que esta Casa desse uma resposta política à falta de articulação e de segurança mais concretas”, disse.

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“Os recados vêm sendo dados dia após dia, matéria após matéria. Primeiro, esta Casa se posicionou de forma bastante firme em relação ao decreto do saneamento, ao afirmar que não iria aceitar que o Governo, mediante decreto, revertesse o que foi construído aqui por uma lei aprovada com mais de 300 votos. E o governo procurou entender o que estava acontecendo na Câmara dos Deputados? Não procurou entender, preferiu ir até o outro lado, ao Senado Federal, obstaculizar o andamento do decreto e paralisar o processo lá. Depois, veio o marco temporal, que V.Exa. se comprometeu a colocar em pauta e que nós votamos ontem. Outro recado foi dado. E todos os recados estão sendo dados sucessivamente”, continuou.

O parlamentar salientou que o governo poderia ter sido derrotado em plenário caso a medida provisória tivesse sido votada um dia antes. Ele também disse que havia pouca disposição na bancada do União Brasil em votar de acordo com orientação do Palácio do Planalto na matéria ontem, mas os parlamentares da legenda decidiram assumir tal posição em um gesto a ele, que disse ter pedido um último gesto.

A avaliação crítica em relação ao trabalho de articulação política empenhado pelo governo se estendeu até mesmo para deputados do PT, sigla de Lula. O líder da bancada na casa legislativa, Zeca Dirceu (PR), afirmou que a falta de velocidade e previsibilidade nas decisões do Poder Executivo tem prejudicado a relação com o Congresso Nacional.

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“O governo federal tomou decisões que vão exatamente de encontro com aquilo que quer a Câmara dos Deputados e os líderes. O problema é que não há uma velocidade, uma amplitude e uma previsibilidade para que essas decisões ocorram”, disse em entrevista à CNN Brasil.

Dirceu afirmou que o governo tem consciência da insatisfação dos deputados e que as críticas desta semana são um “ponto de virada” para que as relações com o Legislativo sejam mais adequadas daqui em diante.

Ele ainda disse que os problemas nas negociações com o Parlamento possivelmente surgem das dificuldades que o governo tem encontrado nas indicações para cargos e na falta de comunicação entre partes do Executivo com o Congresso.

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“Há uma insatisfação muito grande por medidas que são anunciadas sem que sequer a Câmara dos Deputados seja comunicada”, pontuou.

Apesar das críticas, Dirceu defendeu a equipe de ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “qualificada e experiente” e afirmou que o ministro Alexandre Padilha (PT), da Secretaria das Relações Institucionais, é “a melhor pessoa” para a articulação política com o Congresso Nacional.

(com Reuters)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.