Appy: exceções são o custo político para aprovar a reforma tributária

Considerado pai da emenda constitucional promulgada pelo Congresso Nacional em 2023, secretário do Ministério da Fazenda diz que "trava" de 26,5% pode provocar novas disputas entre setores econômicos

Marcos Mortari

O economista Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda (Foto: Washington Costa/MF)
O economista Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda (Foto: Washington Costa/MF)

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Uma das principais novidades aprovadas durante a tramitação do primeiro projeto de lei complementar de regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, a “trava” de 26,5% para os dois novos tributos ─ a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ─ não fere a autonomia de estados e municípios para definirem suas próprias alíquotas, mas deve forçar novas disputas entre os diversos setores da economia brasileira.

A avaliação é de Bernard Appy, secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda e considerado um dos pais do novo sistema criado a partir da promulgação de Emenda Constitucional (EC 132/2023), no ano passado, pelo Congresso Nacional, após mais de 4 décadas de debates. O economista recebeu a reportagem do InfoMoney na última quarta-feira (6), em seu gabinete em Brasília.

Durante a conversa, Appy disse que as exceções concedidas a setores específicos da economia com a criação de regimes especiais e de listas de bens e serviços com alíquotas reduzidas são um “custo político da aprovação” da matéria.

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Segundo ele, a posição técnica do governo federal sempre foi de ter “o mínimo possível de exceções”, para que a alíquota de referência fosse a mais baixa possível para todos os contribuintes, e usar o máximo possível do instrumento da devolução dos impostos pagos (o chamado “chashback”) para as famílias de baixa renda, mas as decisões políticas devem ser respeitadas pelas áreas técnicas.

Appy explicou, ainda, que o instrumento da “trava” introduzido pelos deputados apenas obriga o Poder Executivo a encaminhar um projeto ao Congresso Nacional propondo uma redução nos benefícios a determinados bens e serviços, caso a alíquota de referência (aquela que garante manutenção da carga tributária atual) dos novos impostos supere a marca de 26,5%. Nesta hipótese, o texto ainda precisaria ser analisado pelo parlamento, que poderia não aceitar as mudanças.

Apesar da “trava”, sustentou o secretário, não há qualquer óbice (senão os próprios desafios políticos da necessidade de aprovação nos legislativos locais) para que estados e municípios decidam elevar seus percentuais de cobrança para aumentar a arrecadação.

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“A trava, na forma aprovada pela Câmara, diz que, se o projeto de lei enviado pelo Poder Executivo for aprovado, ainda que com mudanças, reduzindo o tratamento favorecido para alguns setores, isso significa que a alíquota de referência, que é aquela cobrada para os setores que não têm tratamento favorecido, vai ficar mais baixa. Se você mantiver a carga tributária, se tributamos menos alguns setores, os demais que não têm tratamento [favorecido] terão que pagar mais”, disse.

“Isso não tira nenhuma autonomia dos estados e municípios. A discussão toda é uma discussão entre setores. Essa é a decisão que o Congresso Nacional terá que tomar lá em 2031 ou eventualmente antecipar agora. É o equilíbrio entre o tratamento favorecido que você vai dar para alguns setores e o custo para os demais. Eu vou querer reduzir um pouco o tratamento favorecido de alguns setores para que os demais tenham uma tributação mais baixa ou vou querer manter o tratamento favorecido para aqueles selecionados, ainda que isso tenha um custo maior para os demais setores da economia? É uma disputa entre setores, e não entre entes federativos”, prosseguiu.

Para Appy, um caminho que o Senado Federal pode discutir é a determinação de ajustes lineares no próprio projeto de regulamentação de CBS e IBS, que poderiam reduzir potenciais resistências políticas. “Talvez essa discussão entre setores seja mais fácil de ser feita de forma linear. Continua havendo tratamento favorecido para todo mundo, só que um pouco menos favorecido, para que os outros tenham uma alíquota mais baixa. É uma discussão que o Congresso vai fazer. Pode fazer pontualmente também, caso a caso. É mais uma decisão política do que técnica. A questão é: eu vou querer já sinalizar o que vai ser feito ─ ou seja, antecipar o ajuste ─ ou deixar a discussão para 2031?”, observou.

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Apesar das mudanças aprovadas pelos parlamentares, o secretário do Ministério da Fazenda acredita que os projetos para a regulamentação do novo sistema de impostos ainda cumprem os objetivos de simplificação, correção de distorções, redução da litigiosidade e aumento da produtividade e competitividade do País. E diz que a equipe econômica não atuará para reduzir exceções para garantir uma alíquota menor.

“Os projetos agora estão no Congresso Nacional, não são mais do [Poder] Executivo. O que o Executivo faz é apoiar o Congresso para tomar as melhores decisões. (…) As exceções são um custo político da aprovação da reforma tributária, e nós temos que respeitar. Perto do que existe no sistema atual, há muito menos exceção no texto que está sendo votado no Congresso Nacional”, afirmou.

Na conversa com o InfoMoney, Bernard Appy também comentou disputas envolvendo os setores de bebidas (cervejas vs. destiladas) e de alimentos ultraprocessados no desenho do Imposto Seletivo, que terá o objetivo de desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. O secretário teceu, ainda, comentários sobre polêmicas envolvendo o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) e explicou sobre os planos do governo para taxar os chamados “super-ricos”.

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Leia os principais trechos da entrevista:

InfoMoney: Após a promulgação da Emenda à Constituição que instituiu a reforma tributária, o Ministério da Fazenda estimou que a alíquota dos novos tributos ficaria na casa de 26,5%. Com o desenho aprovado pela Câmara dos Deputados para o projeto de lei complementar que regulamenta a CBS e o IBS, a conta subiu para 27,97%. Considerando os objetivos de eficiência, produtividade e competitividade buscados com o novo sistema, o governo vai trabalhar para tentar trazer a alíquota de volta para algo mais próximo a 26%?

Bernard Appy: Os projetos agora estão no Congresso Nacional, não são mais do [Poder] Executivo. O que o Executivo faz é apoiar o Congresso para tomar as melhores decisões. A posição do Ministério da Fazenda é conhecida: desde o começo da tramitação, inclusive na época da Emenda Constitucional, sempre entendemos que o ideal era ter o mínimo possível de exceções, o que resultaria em uma alíquota de referência mais baixa possível, e usar o máximo possível do instrumento da devolução do imposto para as famílias através do cashback. Mas nós respeitamos as decisões políticas.

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O senador Eduardo Braga (MDB-AM) [relator da reforma tributária na casa legislativa] tem uma preocupação grande com a alíquota de referência ─ isso ficou claro durante a tramitação da emenda constitucional no ano passado. Acredito que ele vai manter uma posição semelhante neste ano. Mas as decisões são do Congresso Nacional. As exceções são um custo político da aprovação da reforma tributária, e nós temos que respeitar. Perto do que existe no sistema atual, há muito menos exceção no texto que está sendo votado no Congresso Nacional.

IM: Pelas conversas iniciais no Senado Federal, o senhor considera mais provável a alíquota, hoje estimada em 27,97%, caminhar para um aumento ou uma diminuição durante a tramitação?

BA: Não tenho como saber, vai depender das decisões políticas do Senado Federal. Durante a tramitação da emenda constitucional, ele fez mudanças que ajudaram a reduzir a alíquota de referência, e outras tiveram o impacto de elevá-la. Neste momento, não tenho como antecipar o que vai ser feito.

IM: Se focarmos apenas no aspecto técnico da discussão, o que poderia ser feito para contribuir para a volta da alíquota a um patamar mais baixo? Já que alíquotas mais elevadas interferem na produtividade…

BA: Na verdade, a alíquota não interfere diretamente na produtividade. A alíquota alta pode eventualmente gerar um estímulo maior à sonegação, embora todo o desenho da reforma esteja feito para tentar minimizá-la, sobretudo através do instrumento do split payment. A produtividade depende de outros fatores, como a complexidade do sistema, de tributação sobre investimentos e distorções na tributação segundo a forma de organização da produção. Acho que a reforma tributária está mantendo esses elementos [que garantem maior produtividade], mesmo com as mudanças feitas pelo Congresso.

Do ponto de vista da complexidade, quanto mais exceções existem, um pouco maior ela é. Mas ainda muito menos do que hoje. O ideal é ter uma alíquota mais baixa para todos os setores. Como fazer isso, é uma questão complexa.

A Câmara dos Deputados aprovou a obrigação de o Poder Executivo enviar um projeto de lei complementar para o Congresso, em 2031, caso naquele ano haja a sinalização de que, no fim da transição, em 2033, a soma das alíquotas de referência supere 26,5%. A própria emenda constitucional permite uma revisão quinquenal sobre o percentual de redução da tributação dos bens e serviços que têm uma cobrança reduzida. Aquele desconto de 60% [sobre a alíquota padrão] poderia ser eventualmente revisto, o que é permitido pela emenda constitucional.

Por ser um projeto de lei complementar, é possível rever os regimes específicos de tributação (serviços financeiros, operações com bens imóveis, bares, restaurantes, hotéis, combustíveis), assim como as próprias listas do que está com alíquota reduzida. O que há hoje é uma sinalização de que, no mínimo, o Congresso teria que discutir o tema. Pode ser que surja, na discussão, um desejo em dar mais concretude para essas mudanças. Por exemplo, já sinalizando que haverá um ajuste linear em todas as alíquotas dos regimes específicos.

IM: Para não ficar tão aberto?

BA: Em vez de determinar que é o envio em um projeto de lei, seria a determinação de como vai ser feito o ajuste. É uma possibilidade, mas que o Senado vai ter que discutir.

Acho que é mais fácil fazer um ajuste linear como esse do que fazer o ajuste específico, selecionando os bens que estarão fora da lista, porque aí é gerada uma resistência muito maior dos setores que seriam excluídos. Mas essa é uma impressão minha, e a decisão final é do Congresso, não é nossa. Pode ser que caminhe para isso ou pode ser que fique como está hoje, simplesmente a obrigação de envio de projeto de lei. Acho que o tema vai aparecer, seja agora ou em 2031. Ele vai continuar na pauta.

IM: Há críticas à trava de alíquota por poder gerar um “impasse legislativo”, já que não há qualquer enforcement à aprovação de mudanças se ela for atingida. Também há quem veja uma possível violação da autonomia federativa, por impor um teto para as alíquotas que os entes definiriam. Qual é sua visão?

BA: Da forma como está, não há nenhuma violação à autonomia federativa. Primeiro, estramos tratando da alíquota de referência ─ aquela fixada pelo Senado de forma a manter a carga tributária atual. A autonomia dos entes em fixar sua alíquota própria abaixo ou acima dela está mantida. Isso não é mudado, com todo o ônus e o bônus político de colocar uma alíquota acima ou abaixo da alíquota de referência.

A alíquota de referência é uma alíquota fixada pelo Senado Federal, durante toda a transição, de forma a manter a carga tributária atual ─ ou seja, a arrecadação dos tributos que estão sendo extintos pela reforma tributária. Essa alíquota de referência é adotada automaticamente. São 3: uma federal, da CBS, uma estadual e outra municipal do IBS. Elas mantêm a arrecadação atual, por definição. Está na emenda constitucional.

A emenda constitucional prevê que os entes da federação têm autonomia de, por lei, fixar sua alíquota abaixo ou acima da alíquota de referência. Isso tem um ônus político, claro. Como é um tributo muito mais transparente do que o atual… Se eu subo minha alíquota em 1 ponto percentual, os preços vão subir 1%, simplificadamente. E a população vai saber que está pagando mais caro porque o governo quer arrecadar mais, mas mantém-se a autonomia. A discussão da trava vale para a alíquota de referência. Ela não impõe nenhuma restrição à autonomia de os entes fixarem suas alíquotas. 

Em segundo lugar, a trava não significa que teremos um teto para a alíquota de referência que pode reduzir a carga tributária. A trava, na forma aprovada pela Câmara, diz que, se o projeto de lei enviado pelo Poder Executivo for aprovado, ainda que com mudanças, reduzindo o tratamento favorecido para alguns setores, isso significa que a alíquota de referência, que é aquela cobrada para os setores que não têm tratamento favorecido, vai ficar mais baixa. Se você mantiver a carga tributária, se tributamos menos alguns setores, os demais que não têm tratamento [favorecido] terão que pagar mais.

Isso não tira nenhuma autonomia dos estados e municípios. A discussão toda é uma discussão entre setores. Essa é a decisão que o Congresso Nacional terá que tomar lá em 2031 ou eventualmente antecipar agora. É o equilíbrio entre o tratamento favorecido que você vai dar para alguns setores e o custo para os demais. Eu vou querer reduzir um pouco o tratamento favorecido de alguns setores para que os demais tenham uma tributação mais baixa ou vou querer manter o tratamento favorecido para aqueles selecionados, ainda que isso tenha um custo maior para os demais setores da economia? É uma disputa entre setores, e não entre entes federativos.

Talvez essa discussão entre setores seja mais fácil de ser feita de forma linear. Continua havendo tratamento favorecido para todo mundo, só que um pouco menos favorecido, para que os outros tenham uma alíquota mais baixa. É uma discussão que o Congresso vai fazer. Pode fazer pontualmente também, caso a caso. É mais uma decisão política do que técnica. A questão é: eu vou querer já sinalizar o que vai ser feito ─ ou seja, antecipar o ajuste ─ ou deixar a discussão para 2031?

IM: Na perspectiva setorial, o Imposto Seletivo ainda tem rendido mobilizações de diversos atores econômicos. Um dos pontos em discussão diz respeito a uma possível diferenciação entre bebidas destiladas e fermentadas, com a possibilidade de maior cobrança de produtos com teor alcoólico mais elevado. Qual sua avaliação?

BA: O texto que foi enviado ao Congresso Nacional previa uma tributação com uma parte por alíquota específica, por quantidade de álcool. Por exemplo, 1 litro de uísque, que tem 40 graus alcoólicos pagaria 10 vezes mais do que 1 litro de cerveja, que tem 4. E a outra alíquota seria pelo valor [do produto], que chamamos de ad valorem.

Na tramitação da Câmara, foi incluído um dispositivo dizendo que, mesmo essa tributação por valor, poderia ser progressiva em função do grau alcoólico, dando a entender que, no fundo, dependendo de como for implementado, na prática, estou mais tributando a quantidade de álcool e menos o valor da mercadoria.

Na verdade, você pode fazer um modelo que tenha 90% de tributação ad valorem e 10% por unidade ou o contrário. Isso ficou para ser discutido na lei ordinária que vai ser debatida pelo Congresso depois da aprovação das leis complementares. É um tema em aberto.

Existe, sim, uma disputa entre categorias de bebidas dentro deste modelo, mas acho que o que tem que ser feito, no momento de mandar o projeto de lei ordinária [ao Congresso Nacional] é olhar a experiência internacional, ver o que é mais eficiente sob vários pontos de vista ─ desestímulo ao consumo de álcool, da arrecadação e do desestímulo ao contrabando. É preciso olhar o todo, mas o texto, mesmo da forma como está, é bastante flexível nessa regulamentação.

IM: E quanto aos alimentos ultraprocessados, outro flanco de disputa?

BA: Houve uma demanda para colocar alimentos ultraprocessados no Imposto Seletivo, e a decisão tomada foi não incluir. O único que ficou foram bebidas açucaradas e refrigerantes, porque já têm tributação com IPI hoje, ao contrário de outros alimentos. Em contrapartida, praticamente todos os alimentos ultraprocessados ficaram na alíquota cheia do IBS e da CBS, que é bastante mais alta do que a reduzida ou a zero da cesta básica, onde estão todos os alimentos in natura e minimamente processados.

Então, na verdade, já há uma diferenciação entre a tributação dos ultraprocessados e dos alimentos in natura e minimamente processados dentro do desenho que foi enviado. De certa forma, essa preocupação já está contemplada. Continua havendo uma pressão para inclui-los no Imposto Seletivo, mas é um tema politicamente complicado. Mas a diferenciação já existe, isso que é importante. Alimento ultraprocessado na cesta básica é basicamente margarina… É muito pouca coisa, porque é um item de consumo popular muito concentrado e a opção foi por manter o tratamento favorecido.

Mas, fora isso, de certa forma, está contemplado. Talvez não seja o ideal da área da saúde, que acha que é preciso haver uma tributação mais alta para ultraprocessado, mas já existe uma diferenciação e ela não é pequena.

IM: Há uma discussão sobre a lista de medicamentos isentos dos novos tributos. O senhor se manifestou recentemente sobre o assunto, indicando uma discussão no Ministério da Saúde. Haverá mudanças na lista aprovada pelos deputados?

BA: Estamos olhando e reavaliando a lista de medicamentos com alíquota zero. Em princípio, a ideia é propor algum ajuste só para racionalizar mais o modelo.

IM: Qual seria a lógica?

BA: Está sendo discutido com o Ministério da Saúde, mas a lógica é definir algumas categorias de medicamentos que estariam com alíquota zero. Hoje, por exemplo, já estão todos do Farmácia Popular, medicamentos oncológicos eventualmente. Mas é uma questão técnica que foge da minha competência. Nesse caso, seguimos as sugestões…

IM: Seria evitar um recorte individual e ter desenhos de grupos mais gerais?

BA: Sim. A ideia é ter alguns grupos mais gerais que estariam nessa categoria. Mas é um tema que ainda está sendo discutido junto ao Ministério da Saúde e especialistas em classificação. Quando tivermos a proposta, será levada para uma decisão do Senado Federal.

IM: A Câmara dos Deputados também já aprovou o projeto de lei complementar (PLP 108/2024) que trata do Comitê Gestor do IBS, só falta a votação dos destaques em plenário. Um dos pontos pendentes de apreciação diz respeito à cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) sobre atos societários que resultarem em benefícios desproporcionais. Qual sua avaliação técnica sobre isso?

BA: É correto fazer essa tributação. Tudo bem, se precisar melhorar a redação, que melhore, mas é preciso entender: temos um imposto sobre doação, que é o ITCMD. De repente, eu crio uma empresa com meu filho em que eu tenho 99% do capital, ele entra com 1%, e, na hora de distribuir dividendo, eu distribuo 99% para meu filho e 1% para mim. É uma forma de transferir patrimônio sem pagar imposto. Já há decisões no Poder Judiciário ratificando quando há autuações em situações como essa.

O que acontece é que hoje, como isso não está definido claramente, há muito litígio. A ideia é dar mais transparência para que não possa haver esse tipo de planejamento, porque isso é simplesmente uma forma de elisão para não pagar o tributo. Se precisar melhorar a redação, tudo bem, o objetivo não é alcançar outros atos societários legítimos, mas, sim, atos societários que são feitos simplesmente para burlar o pagamento do tributo. Isso temos que evitar.

IM: E quanto à questão de cobrança sobre VGBL e PGBL? O parecer do relator Mauro Benevides (PDT-CE) traz uma espécie de solução de meio-termo, em que aportes com mais de 5 anos do fato gerador estariam isentos e os demais ensejariam cobrança de tributo. Como o senhor entende esse modelo?

BA: Na minha opinião pessoal, uma coisa é um seguro de vida. Aquele em que eu contribuo com um valor baixo todo mês e, se morrer, minha família vai receber. Isso claramente não tem que ser tributado. Outra coisa é fazer uma aplicação financeira, chamá-la de previdência e dizer que não incide imposto sobre herança e doação.

Se eu tenho uma aplicação em um CDB ou em um fundo de investimento e morrer, a transferência desse valor para os meus herdeiros vai pagar tributo. Se eu tenho a mesma aplicação feita em uma previdência complementar, não vai. Em alguns casos, esse instrumento é usado claramente para burlar o pagamento. O sujeito vê que está próximo de morrer e transfere todas as suas aplicações financeiras para uma previdência complementar simplesmente para não pagar imposto sobre herança quando morrer, que é um planejamento tributário.

Aparentemente, a opção do relator e do grupo dos 7 [parlamentares que conduziram as discussões em grupo de trabalho na Câmara dos Deputados] foi de fazer uma situação intermediária: desestimular esse planejamento explícito, mas em princípio eles entendem que uma previdência legítima acumulada ao longo da vida não deveria pagar ITCMD. É uma opção política.

É um tema com muito litígio, é importante ter logo uma definição de como deve ser feito. Pessoalmente, acho que, se tem característica de aplicação financeira, a rigor, deveria ser tributada. Mas a opção do Congresso foi uma opção intermediária que pelo menos tende a desestimular o uso abusivo do instrumento simplesmente para não pagar imposto.

IM: Paralelamente à tramitação dos dois projetos de lei complementares, há necessidade de uma coordenação técnica para se criar todos os instrumentos que o novo sistema irá demandar. Como está o andamento dos trabalhos neste flanco?

BA: Já há um trabalho sendo feito pela Receita Federal e pelos estados e municípios no desenvolvimento dos sistemas para cobrança dos novos tributos. Estamos em um processo de formalização deste trabalho. O prazo é bastante curto para poder começar a cobrar os novos tributos e tem bastante gente trabalhando nisso. Todo o esforço está sendo feito para que seja o mais simples possível para o contribuinte. Como a CBS e o IBS têm a mesma legislação, ainda que o sistema não seja um só, o esforço que está sendo feito é que pelo menos a interface com o contribuinte seja uma só para facilitar no pagamento dos tributos.

IM: A taxação dos chamados “super-ricos” foi uma das tônicas da presidência do Brasil no G20. Quais poderiam ser os caminhos mais efetivos para isso Historicamente as propostas sobre o assunto no parlamento giravam em torno de percentuais cobrados o estoque acumulado por famílias muito ricas. Mas também se discute utilizar esse critério para a definição de grupos sujeitos a uma cobrança que seria feita sobre o fluxo.

BA: O que o Brasil tem levado para a discussão do G20 é uma proposta baseada nas sugestões do [economista francês] Gabriel Zucman, que é usar um imposto sobre patrimônio como um mínimo de pagamento de Imposto de Renda. Basicamente, a ideia é, no caso dos muito ricos, ter uma alíquota anual sobre o patrimônio, que só seria cobrada se a tributação via Imposto de Renda dessas pessoas não chegasse a determinado valor.

No fundo, é um imposto sobre patrimônio que serve como imposto de renda mínimo para as pessoas muito ricas. É isso que está sendo levado para discussão no G20. O que acontece em muitos casos é que pessoas muito, muito ricas muitas vezes não pagam nada de Imposto de Renda.

IM: Aqui no Brasil isso está sendo construído?

BA: O Brasil está tratando isso como uma agenda internacional. Entendemos que essa é uma agenda que deve ser construída internacionalmente, até para evitar disputas entre países para atrair pessoas a partir de uma menor tributação.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.