Após fala de Bolsonaro, crescem apostas de furo ao teto de gastos no mercado

Investidores ouvidos pela XP Investimentos veem dólar a R$ 6,50 e Ibovespa a 80.000 pontos caso âncora fiscal seja extinta

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – As idas e vindas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e as disputas internas no governo federal por recursos orçamentários levaram agentes do mercado financeiro a elevar o nível de preocupação com um possível descumprimento do teto de gastos em 2021. A regra fiscal determina que as despesas públicas totais não podem crescer acima da inflação do ano anterior.

Uma sondagem feita pela XP Investimentos com 72 investidores institucionais, entre a noite de quinta e a manhã de sexta-feira (14), mostra que 67% acreditam que a âncora fiscal será “furada” de alguma forma a partir do ano que vem.

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A maioria dos entrevistados (53%) acredita que o teto de gastos será alterado ou driblado de alguma forma a permitir gastos adicionais do governo. Outros 33% dizem que as despesas serão contidas pelo teto.

Segundo o levantamento, entre os que esperam o descumprimento da regra, a média das projeções indica um “transbordamento” de R$ 54 bilhões em relação ao limite de R$ 1,485 trilhão fixado para o orçamento do ano que vem. O valor do teto é formado a partir da inflação medida pelo IPCA do IBGE nos doze meses encerrados em junho (2,13%).

Na avaliação de economistas, o crescimento baixo da inflação gera uma pressão adicional para o cumprimento do teto de gastos, já que permite uma correção menor nos valores de um ano para o outro. Membros da equipe econômica, porém, argumentam que a maior parte das despesas obrigatórias está indexada à inflação, o que em tese evitaria este problema adicional.

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O que se observa nos últimos anos, no entanto, é uma evolução mais acelerada de despesas obrigatórias (que respondem por cerca de 90% do orçamento público), movimento compensado por cortes nas despesas discricionárias, sobretudo vinculadas a investimentos públicos. Quanto mais a história se repete, menor a margem de manobra do gestor e maior a pressão sobre o teto de gastos.

Nos últimos meses, o debate se acirrou, em meio a uma disputa interna no governo federal. De um lado, a ala fiscalista, liderada pelo ministro Paulo Guedes (Economia), chama atenção para a importância de se manter uma postura de responsabilidade com as contas públicas e os riscos de se abandonar a âncora fiscal.

Do outro, conselheiros de Bolsonaro defendem a ampliação de despesas em obras públicas e programas sociais para a superação da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. Este grupo tem como expoentes o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), além de membros da ala militar.

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Nesta semana, Guedes foi enfático ao defender o teto de gastos e prometeu “brigar com ministros fura-teto”. Ele disse que a insistência no caminho do descumprimento das regras fiscais poderia levar Bolsonaro “a uma zona sombria, de impeachment”. O ministro também mencionou as demissões de Salim Mattar e Paulo Uebel de sua pasta para fazer uma cobrança pelo avanço de reformas.

No dia seguinte, Bolsonaro convocou a imprensa e, em breve pronunciamento, ao lado dos presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que respeita o teto de gastos e a responsabilidade fiscal.

Mas um dia depois, em live nas redes sociais, o presidente relatou uma “boa briga” no governo e disse que a “ideia de furar o teto existe”. “Qual o problema?”, questionou. Na ocasião, o mandatário também alfinetou os agentes financeiros. “Agora esse mercado tem que dar um tempinho também, né? Um pouquinho de patriotismo não faz mal a eles, né? Não ficar aí aceitando essa pilha”, disse.

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Depois da repercussão dos fatos, nesta sexta-feira, Bolsonaro foi às redes sociais criticar a cobertura da imprensa e dizer que o teto de gastos é o “norte” do governo federal.

Preços dos ativos

No levantamento, a XP também compilou as projeções dos investidores para câmbio, bolsa e juros em três cenários: 1) com a manutenção do teto de gastos; 2) com uma mudança ou ruptura parcial do teto de gastos; 3) sem a regra fiscal. No primeiro caso, a média das projeções aponta para o dólar a R$ 5,00, o Ibovespa a 117.500 pontos e os DIs com vencimento em janeiro de 2027 a 6,00%.

No segundo cenário, as apostas são de dólar a R$ 5,50, Ibovespa a 100.000 pontos e DIs a 7,00%. Já no caso de uma extinção do teto de gastos, os analistas veem os três indicadores, respectivamente, a R$ 6,50, 80.000 pontos e 9,00%.

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Auxílio emergencial

O levantamento também ouviu as apostas dos investidores para o auxílio emergencial de R$ 600. Para 83% dos entrevistados, o benefício será prorrogado, mas limitado a 2020. Outros 15% acreditam em uma prorrogação mais ampla, impactando no orçamento do ano que vem. Ao passo que apenas 1% vê o programa encerrado em agosto.

Foram realizadas 72 entrevistas com investidores institucionais entre a noite de quinta e a manhã de sexta-feira – portanto, após o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em defesa do teto de gastos e as posteriores declarações de que o governo discute “furar” a regra fiscal. Os questionários foram aplicados eletronicamente e os resultados são divulgados apenas de forma agregada.

Entre os entrevistados, 44% são gestores, 32% economistas e 15% traders. A maior parte do público atua em gestoras (68%). Outros 24% trabalham em bancos ou instituições financeiras.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.