Publicidade
De volta ao Brasil após uma semana de compromissos internacionais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), se deparou com reclamações de diversos setores econômicos e parlamentares direcionadas à medida provisória (MPV 1227/2024) editada pelo governo federal para compensar os efeitos da desoneração a 17 setores da economia e de municípios.
Nas últimas horas, Haddad disse ter conversado com representantes de diversos segmentos da economia para pedira calma e tentar explicar as mudanças e, em entrevista coletiva, afirmou haver “muito mal entendido” sobre o assunto. Aos jornalistas, o ministro garantiu que dois dos segmentos mais vocais contra as medidas − a indústria e as exportadoras − não serão afetados − avaliação oposta à dos empresários.
Continua depois da publicidade
“Já falei com vários setores… E é natural esse tipo de coisa. Ninguém que tenha um privilégio quer abrir mão dele. É natural, mas (…) nós temos que levar em conta o país. O cenário externo não é favorável, é um cenário externo conturbado. O que temos que fazer é tomar as medidas para proteger nossa casa. Se fora não está bem, dentro tem que ficar melhor”, afirmou.
A MPV 1227/2024, editada na última terça-feira (4), prevê a limitação ao uso de créditos do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) para o abatimento de outros tributos e a vedação ao ressarcimento em dinheiro do crédito presumido − iniciativas que podem gerar aumento de arrecadação de R$ 29,2 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.
A ideia do governo é que as mudanças ajudem a compensar os efeitos não previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024 para a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia até 2027 e da redução de alíquota previdenciária paga por milhares de municípios − que, nas contas da equipe econômica, devem gerar uma renúncia fiscal de R$ 26,3 bilhões apenas neste ano.
Continua depois da publicidade
Empresários, no entanto, têm expressado preocupação com a gestão de caixa de seus negócios e o risco de acúmulo de créditos de difícil compensação − papéis “podres”, que não garantiriam reembolso. Eles alegam que as mudanças podem prejudicar o ambiente para novos investimentos, afetando a a atividade econômica, a geração de novos empregos e até encarecendo produtos.
“Vamos com calma. Como tudo o que fizemos até aqui, à medida que explicamos e abrimos os números… A MP 1185 era a MP do fim do mundo também. Depois, a 1202 era a MP do fim do mundo. Depois, a MP do Carf era a MP do fim do mundo. Depois, fundos fechados e offshore eram também… Isso tudo tem muito de calor do momento. Isso vai se dissipando na medida em que as pessoas compreenderem”, disse Haddad.
Aos jornalistas, o ministro insistiu na tecla de que a medida provisória vem no sentido de cumprir decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, provocado pelo próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deu prazo de 60 dias para que Executivo e Legislativo construíssem uma solução de compensação para a renúncia fiscal gerada com as desonerações aos 17 setores econômicos e a diversos municípios.
Continua depois da publicidade
Segundo Haddad, em apenas 3 anos, os gastos tributários com PIS/Cofins atacados pela medida provisória saltaram de R$ 5 bilhões para R$ 22 bilhões. O texto encaminhado ao parlamento também determina que empresas que gozem de alguma situação tributária favorecida informem o benefício junto à Receita Federal em um formulário que será lançado nos próximos dias.
“Precisamos saber o que está acontecendo, mas efetivamente tem alguma coisa muito errada acontecendo. E nós vamos sentar com os líderes, como sempre fizemos, em busca de uma compensação para a desoneração, que foi reafirmada pelo Congresso Nacional, e respeitando uma decisão do Supremo Tribunal Federal, já por unanimidade de votos, de que, sem a compensação, volta a ter vigência a liminar. Em 45 dias, vai prejudicar os 17 setores que negociaram conosco os termos da reoneração”, afirmou o ministro.
“Estamos fazendo isso com muita tranquilidade, mas percebi muito mal entendido − em particular, da indústria – sobre esse tema. E aí há certa pressa em responder sem analisar junto à Receita Federal os propósitos da medida. Mas é uma medida saneadora que visa dar transparência para um gasto tributário”, prosseguiu.
Continua depois da publicidade
Questionado sobre a ausência de diálogo prévio com os parlamentares sobre as medidas, Haddad alegou que as medidas não produzem efeito de curto prazo e disse que o espaço para discussões começa neste momento. O ministro também apontou o prazo apertado, de 60 dias dado pelo STF para a aprovação de uma solução para a compensação fiscal às desonerações, como fator a acelerar o envio do texto.
“Essa medida só foi tomada em virtude de uma decisão judicial que mandava recompor o Orçamento deste ano. Então, nós temos tempo para explorar possibilidades e abrir os números para os parlamentares”, disse.
“Campeões nacionais”
Durante a conversa com os jornalistas, Haddad disse que a Receita Federal vai continuar com o mapeamento de gastos tributários na busca pelo equilíbrio das contas públicas, meta estabelecida pela própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024.
Continua depois da publicidade
“Temos que controlar despesa, por um lado, e recuperar a receita que foi perdida ao longo desse tempo. Durante 10 anos, tivemos uma perda de receita muito grande em virtude não de decisões soberanas do Congresso Nacional, mas de uma série de expedientes que foram incluídos na legislação que permitiram essa drenagem”, disse.
“Se ainda fosse em proveito de quem mais precisa, mas não, foi em proveito dos ‘campeões nacionais’, gente que não precisa de subvenção do Estado. Nós temos que subvencionar quem precisa, e não o andar de cima das cadeias políticas. A política de campeão nacional tem que acabar em proveito de uma política de atenção ao micro e pequeno empresário, a quem ganha 2 salários mínimos e não paga Imposto de Renda, a quem precisa de uma transferência de renda”, prosseguiu.
O termo “campeões nacionais” esteve na linha de frente da política econômica adotada nos primeiros governos de Lula e foi aprofundada na gestão de Dilma Rousseff (PT). Por meio desta estratégia, o governo concedida crédito direcionado a empresas consideradas competitivas e estratégicas em determinados segmentos da economia, para que elas liderassem um processo de desenvolvimento industrial do país.