Ao assumir BNDES, Mercadante nega retorno ao passado e defende mudanças na TLP

Em discurso de posse, Mercadante prometeu constituir um "Eximbank" para financiar o comércio exterior e disse que não disputará mercado com setor privado

Marcos Mortari

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

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O novo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante (PT), afirmou, nesta segunda-feira (6), não ter interesse em debater decisões do passado, mas construir a instituição “do futuro”, com olhar especial para empresas de menor porte, para o meio ambiente e a competitividade da indústria brasileira no plano internacional.

“Estamos aqui não para debater o BNDES do passado, mas construir o BNDES do futuro, que será verde, inclusivo, tecnológico, digital e industrializante”, afirmou.

Em seu discurso de posse, Mercadante apontou para a intenção de constituir um “Eximbank”, para financiar operações de comércio exterior de empresas brasileiras. O político também indicou que o BNDES não disputará mercado com instituições privadas e que atuará como parceiro estratégico na redução de riscos, na abertura de novos mercados e na elaboração de projetos de investimentos.

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“Para sermos competitivos, as empresas brasileiras precisam disputar esse mercado, ganhar escala, ganhar competitividade, ganhar eficiência. Essa é uma pauta fundamental para o futuro do BNDES, da indústria e do Brasil”, afirmou.

“O BNDES deve apoiar o pré-embarque e o pós-embarque das exportações de bens e produtos”, defendeu. “Estamos desenvolvendo um projeto para a constituição de um Eximbank no BNDES, a exemplo do que já existe nas principais economias do mundo”.

E prometeu atenção especial para as micro, pequenas e médias empresas, inclusive apontando para uma reformulação da Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) a partir do governo de Michel Temer (MDB). Além de um olhar diferenciado para a questão ambiental.

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“O grande desafio para o sucesso da agenda modernizante das micro, pequenas e médias empresas será em parceria com o Congresso Nacional e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Debateremos para ajustar a Taxa de Longo Prazo que o BNDES utiliza hoje”, disse.

“Não queremos e não estamos reivindicando o padrão de subsídios do Orçamento como ocorreu no passado, mas uma taxa de juros mais competitiva, sobretudo para micro, pequenas e médias empresas”, prosseguiu.

“Atualmente a TLP apresenta enorme volatilidade e representa um custo financeiro acima do custo da dívida pública federal, o que penaliza de forma desnecessária as micro, pequenas e médias empresas”, criticou o novo presidente do banco público.

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Ainda no campo das micro, pequenas e médias empresas, Mercadante apontou para a criação de um mecanismo de apoio de R$ 65 bilhões por meio de crédito indireto.

A cerimônia, realizada na sede do banco público, no Rio de Janeiro, contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), que também comanda o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, além de diversos integrantes do ministério do governo, como Rui Costa (Casa Civil), Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima).

Uma das presentes no palco foi a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Ao saudá-la, Mercadante prometeu que mulheres e pessoas negras “farão parte da história do BNDES”. “Nunca mais vamos ter um palco sem negras e negros”, disse.

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Segundo ele, o enfrentamento às desigualdades de gênero e de raça será compromisso do BNDES na nova gestão. O banco público também pretende criar um programa de estágio para negros e retomar concursos públicos com cotas, além de financiar a criação de um museu sobre a escravidão no Brasil.

“A agenda de gênero e de enfrentamento do racismo estrutural será parte da estratégia de negócios do BNDES. Seremos promotores de uma sociedade mais justa e inclusiva, por meio de nossas linhas de crédito e das ações de fomento que empoderem economicamente mulheres, negros e negras neste país”, prometeu.

No palco, também estavam a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), o governador Cláudio Castro (PL), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.

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Em sua fala, Mercadante prometeu um ambiente aberto a ideias divergentes no BNDES e disse que a pluralidade faz parte da história e do êxito da instituição.

“O BNDES foi construído por servidores desenvolvimentistas, como Ignácio Rangel e Celso Furtado, e por liberais, como Roberto Campos, entre tantos outros. Esta dialética entre diferentes pensamentos, feitos com debate qualificado e civilizado, contribuiu muito para o sucesso do BNDES”, disse.

“Não haverá perseguição às pessoas nem censura ao debate. Partimos do entendimento de que a atenção criativa entre escolas diferentes do pensamento é a base para uma rigorosa avaliação e o aprimoramento constante de nossas políticas. Queremos uma equipe de pensadores em um ambiente de completa liberdade”, continuou.

Em seu discurso, Mercadante também criticou as devoluções de recursos do BNDES ao Tesouro Nacional, que somaram R$ 678 bilhões, e disse que é preciso pensar um banco público “mais presente e atuante”. A recuperação da estrutura do banco foi um dos motes da campanha de Lula ao Palácio do Planalto, mas gera dúvidas sobretudo diante do ambiente de restrições fiscais do país.

“Esses R$ 678 bilhões são 54% maiores do que as transferências que o Tesouro deu ao BNDES de 2008 a 2014. Portanto, estamos pagando quase o dobro ao Tesouro Nacional do que o banco recebeu no passado recente. Essa página precisa ser virada”, disse Mercadante.

“Se quisermos ter futuro, precisamos de um BNDES mais presente e atuante e de uma relação de equilíbrio com o Tesouro Nacional. Mas não pretendemos ficar disputando mercado com o sistema financeiro privado. Isso não é papel do BNDES. Precisamos de parceria. E o BNDES pode contribuir para reduzir risco, abrir novos mercados, alongar prazos e elaborar bons projetos para os investimentos privados”, afirmou.

Para ele, o trabalho complementar dos setores público e privado será fundamental na superação de um hiato estimado em R$ 226 bilhões em infraestrutura. “O investimento privado em infraestrutura, que foi em 2002 de R$ 131 bilhões, precisa ser alavancado, fortalecido, e o BNDES pode dar suporte para melhorarmos esses investimentos indispensáveis para o país”, declarou.

Ao falar sobre parcerias com o setor privado, o político manifestou interesse em fazer com que a instituição faça parte da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), como já acontece com Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.

No discurso de Mercadante, também sobraram críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PL). O novo presidente do BNDES disse que, ao longo dos últimos quatro anos, “o Brasil sofreu a ameaça mais grave ao Estado democrático de direito desde o fim da ditadura militar”.

Do lado do meio ambiente, Mercadante disse que é fundamental “enterrar de vez o obtuso negacionismo climático que nos tornou o grande vilão ambiental do planeta”.

“Nosso planeta não tem chance de sobreviver e de prosperar se o sistema econômico e financeiro não mudar radicalmente para enfrentar a emergência climática e social. Estamos muito perto de uma catástrofe ambiental sem retorno, e a tragédia social está por toda parte”, salientou.

Para ele, é papel do BNDES apoiar a transição para uma economia de baixo carbono com empregos verdes, bem como promover a inclusão produtiva e a reurbanização inteligente. Mercadante disse, ainda, que o banco público será presente na preservação da Amazônia e outros biomas – e lembrou a reativação do Fundo Amazônia, que agora passará à gestão do banco público.

“Não existirá futuro sem preservar a Amazônia e outros biomas. Esta será a prioridade do BNDES do futuro”, afirmou.

A reindustrialização do país é outra missão assumida pela nova gestão do BNDES, que deverá ser conduzida em acordo com as demandas do desenvolvimento sustentável.

“Não se trata da velha indústria, mas da nova indústria digital, descarbonizada, baseada em circularidade e intensiva em conhecimento”, disse Mercadante.

“Este país precisa se reindustrializar. A participação da indústrias nos desembolsos do BNDES era de 56% em 2006. Caiu para 16% em 2021. Temos que reverter, é uma coisa que não pode continuar”, prosseguiu.

Por fim, o novo presidente do BNDES defendeu a importância das relações internacionais da instituição, promovendo fomento ao desenvolvimento regional e a parcerias estratégicas alinhadas à política externa estabelecida pelo governo.

“A grande liderança internacional do presidente Lula reposicionou o Brasil no mundo e abriu uma janela de oportunidades para explorarmos a nova configuração geopolítica planetária. Saímos da condição de pária, herdada do governo anterior. Voltaremos a ser uma grande liderança ambiental e mundial e o país respeitado que fomos no passado”, declarou.

“O nosso desenvolvimento passa necessariamente pela integração da América Latina e pela parceria com países do sul global”, disse.

“O presidente Lula tem toda razão quando diz que o BNDES tem que ser um banco parceiro do desenvolvimento e da integração regional. O Brasil é mais da metade do território, do PIB e da população da América do Sul. Estamos irrevogavelmente inseridos neste contexto geográfico e histórico, nosso destino está, portanto, indissoluvelmente ligado ao destino da nossa região. O Brasil é grande, mas será ainda maior quando atuar em conjunto com seus vizinhos”, completou.

As declarações ocorrem duas semanas após a visita de Lula à Argentina, onde prometeu parceria para financiar, por meio do BNDES, a um gasoduto saindo de Vaca Muerta, segunda maior reserva do mundo de gás de xisto e a quarta de petróleo não convencional, localizado na província de Neuquén, na Patagônia argentina, até o Brasil.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.