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No dia 1º de janeiro de 1995, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso subia a rampa do Palácio do Planalto para assumir a Presidência da República, três meses após derrotar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já no primeiro turno das eleições, com 54,28% dos votos válidos. Fundado em 1988, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) alcançava o degrau mais alto da República com menos de uma década de existência.
Eleito na esteira do sucesso do Plano Real, que pôs fim à hiperinflação, FHC conquistaria um segundo mandato em 1998, após uma mudança constitucional (em votação cercada de polêmicas no Congresso Nacional) que criou o instituto da reeleição para prefeitos, governadores e presidente. Mesmo diante de um cenário de desaquecimento da economia e aumento do desemprego, o tucano voltou a bater Lula no primeiro turno − desta vez, com 53,06% dos votos.
Em 1994, o PSDB elegeu 63 deputados federais e contava com 18 senadores. Quatro anos depois, na reeleição de FHC, o partido teve 99 representantes na Câmara dos Deputados e 23 no Senado Federal (a maior bancada de sua história). A partir das eleições de 2002, quando Lula chegou ao poder e os tucanos foram para a oposição, os números foram minguando gradativamente. Passados 20 anos, a federação partidária formada entre PSDB e Cidadania elegeu apenas 18 deputados (dos quais 13 tucanos) e nenhum senador − o que fez com que a sigla ficasse com apenas 2 representantes no Senado (e um deles, o senador Izalci Lucas, já comunicou migração para o PL nos próximos dias). Foi o pior resultado da história do partido.
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Trinta anos depois do Plano Real e de sua primeira vitória presidencial, o PSDB amarga a maior crise desde a fundação. Após polarizar com o PT todas as eleições presidenciais entre 1994 e 2014 (venceu 2 e foi derrotado em 4), a legenda perdeu relevância nacional e ficou fora do segundo turno da disputa pelo Palácio do Planalto em 2018. Na ocasião, o ainda tucano Geraldo Alckmin (hoje no PSB e vice-presidente da República) obteve pouco mais de 5 milhões de votos (4,76%), em um discreto quarto lugar. Em 2022, após uma guerra fratricida entre João Doria (ex-governador de São Paulo) e Eduardo Leite (hoje governador do Rio Grande do Sul), o PSDB nem sequer lançou candidatura própria. O partido apoiou Simone Tebet (MDB), terceira colocada, com 4,9 milhões de votos (4,16%), que hoje ocupa o Ministério do Planejamento e Orçamento no governo Lula.
Em São Paulo, maior estado do país e reduto político do PSDB por 27 anos (de 1995 a 2022), o embate entre o grupo de Doria e figuras históricas do partido levou à “implosão” do ninho tucano (relembre aqui). Mesmo no exercício do cargo de governador do estado, Rodrigo Garcia ficou fora do segundo turno, superado por Tarcísio de Freitas, que venceria o segundo turno contra o petista Fernando Haddad − hoje no comando do Ministério da Fazenda.
“Ao ser jogado para a direita, para se adaptar às circunstâncias do cenário político nacional, o PSDB perdeu sua identidade inicial”, avalia Kleber Carrilho, professor e pesquisador em Ciência Política na Universidade de Helsinque (Finlândia). “Quando o PT assume o papel de líder da centro-esquerda, principalmente a partir da eleição de 2002, o PSDB começa a se perder como partido ideológico. Tudo isso foi jogando o PSDB em um lugar em que ele não sabia jogar”, diz o analista.
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Debandada e o fator Bolsonaro
O tamanho do buraco em que o PSDB mergulhou pode ser medido pela quantidade de lideranças importantes que abandonaram o partido nos últimos tempos. Desde 2018, ano que marcou consolidação de Jair Bolsonaro como maior antagonista do PT, deixaram o partido nomes como Geraldo Alckmin, Arthur Virgílio Neto (ex-líder do PSDB no Senado, ex-ministro de FHC e ex-prefeito de Manaus) e Xico Graziano (fundador da sigla, ligado a FHC e José Serra).
Também se desfiliaram do PSDB os ex-governadores João Doria e Rodrigo Garcia, além do deputado federal Carlos Sampaio (SP) e da senadora Mara Gabrilli (SP), ambos com destino ao PSD de Gilberto Kassab. Cobiçado pelo PL, de Bolsonaro, para disputar a prefeitura de Curitiba, o ex-governador do Paraná e deputado federal Beto Richa esteve a um passo de deixar o partido, mas recuou após ameaças da direção nacional do PSDB de que reivindicaria seu mandato em caso de saída.
“O PSDB cometeu erros que envolveram uma leitura equivocada da conjuntura política”, afirma Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice. “Eles interpretaram que a Lava Jato seria uma operação contra o PT. O que vimos foi que a Lava Jato se constituiu em uma operação contra o sistema político como um todo. O partido que era o polo antagônico do PT e do Lula acabou removido dessa polarização, já que o PSDB também foi duramente atingido pela Lava Jato”, explica.
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Confirmando o bordão de que não existe vácuo na política, o PSDB foi perdendo a capacidade de vocalizar a oposição ao petismo e assistiu, passivamente, ao preenchimento de um espaço vazio. “Ao não saber jogar nesse campo, o PSDB foi se esvaziando e deixando acontecer uma crítica ao PT a partir de uma direita que ele nunca conseguiu trazer para dentro de si, por mais que tenha tentado algumas vezes. Ao fim e ao cabo, esse vazio tornou possível a ascensão do Bolsonaro”, observa Kleber Carrilho.
O ex-senador José Aníbal, figura histórica da sigla e hoje presidente do diretório municipal do PSDB de São Paulo, entende que a legenda “perdeu o pé” a partir das eleições de 2018. “Parte do nosso eleitorado, depois de várias derrotas consecutivas para o PT, estava insatisfeito com o nosso desempenho. E houve casos de envolvimento de pessoas do PSDB em situações desabonadoras, ainda que depois tenha havido absolvição. Tudo isso gerou um desgaste”, afirma, sem citar expressamente o nome do deputado federal Aécio Neves (MG), que teve uma investigação por corrupção passiva recentemente arquivada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Indefinição em São Paulo
A tentativa do PSDB de voltar ao palco principal da política brasileira passa, necessariamente, por um bom desempenho nas eleições municipais deste ano – especialmente na maior cidade do país, que hoje é governada por Ricardo Nunes (MDB), eleito vice-prefeito na chapa encabeçada por Bruno Covas (PSDB), em 2020, e que assumiu a cadeira após a morte do tucano, em 2021.
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Hoje, o PSDB paulistano está dividido entre três alternativas para o pleito de outubro. A primeira corrente, capitaneada por secretários tucanos do atual governo e pelo Cidadania (partido parceiro de federação), é apoiar a reeleição de Nunes, sob o argumento de que se trata da continuidade da gestão Covas – opção defendida inclusive pelo filho do ex-prefeito, Tomás Covas, mas que enfrenta resistência de Aníbal e outros tucanos mais veteranos, que repudiam a aproximação entre o prefeito e o bolsonarismo. Outra possibilidade é um eventual apoio à candidatura da deputada federal Tabata Amaral (PSB), que está em terceiro lugar nas pesquisas. Por fim, engrossou nas últimas semanas o coro dos que defendem que o PSDB lance uma candidatura própria, atraindo de volta ao partido o ex-vereador Andrea Matarazzo – em 2020, ele foi candidato a prefeito pelo PSD e obteve apenas 1,55% dos votos (82.743). Caso não tenha candidato à prefeitura, será a primeira vez que isso ocorre em São Paulo desde que o PSDB foi fundado.
“O desgaste nacional do PSDB se reflete também na capital de São Paulo, que era um dos grandes redutos da legenda. Outro aspecto importante foi a morte precoce do Bruno Covas, que abalou muito o PSDB. Ele era o grande líder tucano projetado para o futuro, neto de Mário Covas, um tucano histórico. Hoje, não há nenhuma liderança em São Paulo que seja um candidato natural a liderar o partido”, analisa Borenstein.
“O PSDB quer recuperar seu protagonismo. Não podemos deixar que usem nossa legenda para negociar acordos políticos aqui ou ali e não termos protagonismo no processo. Temos de falar, nos posicionar e dizer o que o partido pensa que seria importante para a cidade de São Paulo. Hoje, acredito que a tendência é uma candidatura própria ou, eventualmente, uma composição com a Tabata”, diz Aníbal.
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Operação Planalto
A missão número 1 de Marconi Perillo, ex-governador de Goiás e atual presidente nacional do PSDB, é pacificar o partido e conduzi-lo às eleições de 2024 e 2026, buscando recuperar o protagonismo perdido em tempos de forte polarização política. Há alguns dias, Perillo fez uma intervenção no PSDB de São Paulo e nomeou o prefeito de Santo André (SP), Paulo Serra, para o comando do diretório estadual. O prefeito de Ribeirão Preto (SP), Duarte Nogueira, presidirá a federação PSDB-Cidadania no estado. Com essa decisão, na prática, o PSDB nacional anulou a eleição do ex-deputado estadual Marco Vinholi, antigo aliado de Doria, destituído pela segunda vez do comando do diretório paulista. Paulo Serra é alinhado a Perillo e a Eduardo Leite – este último considerado o nome natural do partido para disputar a sucessão de Lula, em 2026.
“O PSDB cometeu um grande equívoco, em 2022, ao não lançar candidato próprio. Foi a primeira vez que isso ocorreu desde a redemocratização do país. Mas estamos prontos para voltar a ocupar esse papel. Eduardo Leite é o pré-candidato do PSDB à Presidência e eu tenho certeza de que ele vai protagonizar uma competição forte com o PT ou com o Bolsonaro daqui para frente”, promete Perillo. “A direção nacional do partido opera com a perspectiva de termos pelo menos de oito a dez candidaturas robustas a governador em 2026. Todos esperamos ter a candidatura à Presidência da República. Quem encarna isso, hoje, é o Eduardo Leite”, complementa Aníbal.
Em entrevista ao InfoMoney, o governador do Rio Grande do Sul disse que “há muitas lideranças no partido” – como os governadores de Pernambuco, Raquel Lyra, e do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel – e que “a definição do nome se dará mais próximo do processo eleitoral”, mas se apresentou como uma das alternativas para 2026. “Até pela experiência acumulada agora no segundo mandato [no Rio Grande do Sul] e por ter participado intensamente do debate nacional em função das prévias do PSDB, meu nome é lembrado e, naturalmente, isso me deixa muito honrado”, afirmou. “Mas é menos sobre atender a uma aspiração pessoal e mais sobre cumprir com um papel no processo eleitoral. Se ali na frente um outro nome aparecer com melhores condições, não tenho nenhum problema com isso.”
Para Leite, “o PSDB viu seu espaço se estreitar, mas continua vivo”. “A força não vem simplesmente do tamanho de bancadas no Congresso ou pelo número de prefeituras. Ela vem justamente da resiliência. O PSDB governa três estados importantes da federação, tem quadros muito relevantes que dão sua contribuição nos Parlamentos. Tenho a convicção de que o partido deve permanecer assim para ser, ao centro, aquele que oferece o caminho alternativo a essa polarização que está posta”, diz o governador (leia aqui a íntegra da entrevista exclusiva).
Embora seja o nome do PSDB que hoje personifica as ambições nacionais do partido, Eduardo Leite terá de resolver disputas internas e, fundamentalmente, fazer um bom segundo governo à frente do Palácio Piratini para se viabilizar. “Ele tem desafios importantes. É preciso ver como estará sua segunda gestão no Rio Grande do Sul, que é um estado complexo, em que a esquerda ainda tem força e onde o bolsonarismo cresceu muito”, pondera Carlos Eduardo Borenstein.
Uma das incógnitas envolvendo o governador gaúcho é de que forma ele se posicionará na eleição de Porto Alegre. O prefeito Sebastião Melo (MDB), que tentará a reeleição, tem apostado em uma ligação cada vez maior com o bolsonarismo. O PSDB participa do governo municipal, enquanto o MDB é o partido do vice de Leite, Gabriel Souza. Nos bastidores, o tucano tem costurado uma candidatura de “terceira via”, que poderia ser a deputada estadual Delegada Nadine (PSDB) ou a deputada federal Any Ortiz (Cidadania). “Não acredito que Leite faça um movimento muito explícito de apoio ao Sebastião Melo. Ele não deve se envolver com grande engajamento em Porto Alegre, até por causa dos desafios que tem como governador e para não criar atrito com o MDB, que é o seu principal parceiro”, avalia Borenstein.
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