“Amargura leva humor para terreno da maldade”, diz Gustavo Franco

Na próxima terça-feira, 17, será lançado oficialmente, no Rio de Janeiro, "Antologia da Maldade - Um dicionário de citações, associações ilícitas e ligações perigosas", livro organizado por Gustavo Franco e Fabio Giambiagi

Estadão Conteúdo

(Divulgação / B3)
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Na próxima terça-feira, 17, será lançado oficialmente, no Rio de Janeiro, “Antologia da Maldade – Um dicionário de citações, associações ilícitas e ligações perigosas”. O livro foi organizado por dois economistas cuja marca pessoal é o senso de humor ferino, herdado de berço: Gustavo Franco, um carioca de humor refinado – mas carioca – e Fabio Giambiagi, filho de argentinos que cultiva a ironia.

O livro é feito de citações. Algumas são recentes, ditas por políticos, economistas, criminosos confessos, que foram destaque nos noticiários. Outras são clássicos centenários de imortais da literatura, da ciência, da filosofia. O que há de peculiar – e maldoso – é como foram organizadas.

Estão reunidas em verbetes, não porque tratam do mesmo tema, como ocorre nas obras do gênero, mas para criar associações maliciosas capazes de traduzir o Brasil e seus personagens. Dentro do espírito do livro, o Estado propôs que a entrevista fosse uma conversa mais solta. Alegando não ter agenda, Giambiagi passou a incumbência a Gustavo. Foi maldade? Abaixo os principais trechos. 

De onde veio inspiração para o livro? O Brasil está num momento maldoso ou precisa de mais humor?

O Brasil nunca perdeu essa característica: o humor. E o humor esteve presente desde a concepção do livro. O Fábio me ligou e disse: “olha eu tenho aqui um acervo que colecionei a vida inteira”. O que eu acho de mais legal é que metade das coisas eram citações argentinas muito boas, com um conteúdo auto ridicularizador. O resto são coletâneas de citações clássicas. Mas o charme do negócio é que quando a gente sentou para organizar, decidimos que, ao invés de fazer mais uma coletânea, faríamos uma com verbetes mal intencionados: você põe fora do contexto – em um contexto mais safado – e a coisa flui. A história do verbete descola a citação para outro contexto e ela ganha um outro jeito. O Fábio, primeiro, ficou em pânico com a ideia, mas depois topou.

Várias citações antigas têm mesmo relação com o Brasil atual. Chama a atenção a do gângster Al Capone…

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Essa é muito boa! A frase é: “Uma vez na mutreta, você estará sempre no rolo.”

É uma tradução meio livre. Essa veio da coletânea da Oxford. É um clássico. Tem uma verdade de grande profundidade: uma vez que você entrou no lado sombrio da força, você numa mais volta.

Se aplica a alguém?

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Acho que tem uma aplicação maravilhosa, como de resto tudo no livro. Em cada uma das associações ilícitas entre verbete e frase, há um comentário. Não estamos fazendo uma antologia ou listagem de grande sabedoria. Al Capone está ali como um comentário à realidade brasileira, sim. Ele está no verbete Crime, mas poderia estar em Política.

Poderia estar em Economia…

Podia! Foi um divertimento brincar com a escolha do verbete. A consideração aqui foi: bom, na Economia já tem muita coisa; em Partido dos Trabalhadores também. Dentro de cada verbete tentamos compor um mosaico que fizesse sentido. Por exemplo: a nossa presidente fez muitas frases de efeito. Depois de uma certa altura, na minha modesta opinião, eu acho que foi de propósito.

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De propósito?

É. Acho que, a partir de certo momento, os marqueteiros tenham chamado a tenção dela. Avisaram que ela estava criando um personagem. Quando ela falou a frase maravilhosa sobre o ET de Varginha, ela estava em Varginha. Claramente, fez uma brincadeira em que saudou o ET de Varginha: “Primeiro, queria te dizer que tenho muito respeito pelo ET de Varginha. E eu sei que, aqui, quem não viu conhece alguém que viu, ou tem alguém na família que viu, mas, de qualquer jeito, eu começo dizendo que esse respeito pelo ET de Varginha está garantido.” É fantástico! É como se ela tivesse ido para a uma cidade do interior e falasse de um político local, falecido: “ahhh, o coronel ET, que todo mundo aqui conheceu! Eu queria saudar o coronel ET.” Foi um achado isso. Estou elogiando a presidente.

A frase do cachorro também foi de propósito? “Sempre que você olha uma criança, há sempre uma figura oculta, que é um cachorro atrás”…

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Pois é: essa do Dia das Crianças, eu não sei. Mas acho que as outras foram uma tentativa de salvar a coisa do cachorro. Foi depois dessa que ela começou a série. Cogitamos fazer um verbete Dilma ou Dilmês. Algo assim. Nele poderia caber todo o acervo. Tem muitas frases dela.

Dilma teria a qualidade da ironia?

Ahhh sim! Sem dúvida, tem. E quando não tem, pouco interessa para alguém fazendo uma coletânea. No final das contas, as palavras deixam de ser suas no momento em que elas saem. A partir daí, qualquer um põe em qualquer contexto que for possível. Você não tem direito de propriedade sobre isso.

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A citação do Paulo Roberto Costa, delator do Petrolão, vem com um clássico no mundos das finanças: “Não existe almoço grátis.”

Pois é, para você ver. Até o Paulinho é capaz de uma frase muito boa: “Não existe almoço grátis. Não existe doação que depois a empresa não queira recuperar.” Em alguns casos, nós fizemos boas narrativas. Eu e o Fabio gostamos muito do resultado com o verbete Inflação. Pegamos uma sequência de frases, começando com a do ex-ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen, em 1976. Todos falam que vão resolver a inflação: Delfim Netto, Franco Montoro, João Sayad, Orestes Quércia, Mailson da Nóbrega, Fernando Collor, Ibrahim Eris, Marcílio Marques Moreira, Paulo Haddad.

Vamos ser maldosos aqui. Qual frase define o PT?

Tem uma boa do ex-presidente americano John F. Kennedy: “A fórmula do sucesso não existe, mas a do fracasso é tentar agradar a todos.” E estamos sendo muito gentis.

Sobre o Lula?

Uma frase do historiador Marco Antonio Villas: “Se Lula fosse primeiro-ministro da Inglaterra em 1939, teria convidado Hitler para assistir a um jogo de futebol.”

Essa é muita maldade! E o PSDB?

Deixe ver. A gente tinha o verbete Dúvida, mas mudou (pega o livro, folheia. Não acha. Cita o político Ulisses Guimarães e lembra depois). Tem uma do Samuel Goldwyn, produtor americano, bem boa para o PSDB. Depois que um cara fez uma pergunta e insistiu muito em ter a resposta, ele respondeu assim: “Vou lhe dar um talvez definitivo!”

E qual seria o verbete de FHC?

Ele tem um comentário muito irônico para falar de si mesmo (minutos folheando). Está difícil achar…

…está difícil ser maldoso com ele?

Não. A gente foi maldoso com ele. Só estou procurando. Bom, se vou fazer maldade com o Fernando Henrique, eu tenho de ir no quesito Vaidade. Machado de Assis: “Só há uma coisa mais forte que o amor materno: é o amor de si próprio.”

O Brasil não está de bom humor, as discussões são contaminadas pelo politicamente correto e até parece certo controlar as aspas. Como um livro sobre maldades vai ser recebido?

Pois é, nós temos o verbete Politicamente Correto, com uma citação da ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. O interessante é que foi dita no contexto do voto sobre as biografias, onde ela teve um voto liberal sobre a utilização das biografias, a despeito do biografado. Segundo ela, o politicamente correto passou a constituir “um forma de censura”. O politicamente correto é uma pequena doença com a qual a gente precisa lidar. Somos um povo bem humorado e a amargura que pode haver, apenas, talvez leve o humor para esse terreno da maldade – a maldade de um ponto de vista irônico. A receptividade ao livro pode ser boa ou ele pode ser ultrajante para alguns que se sintam ofendidos. Paciência. Até a realidade ofende algumas pessoas.

Antologia da maldade

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