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SÃO PAULO – A dois meses do primeiro turno das eleições argentinas e após iniciar a precificação de uma provável vitória do candidato da oposição Alberto Fernández contra o atual presidente Mauricio Macri, o mercado busca novas pistas sobre o que esperar de uma volta da esquerda à Casa Rosada.
As PASO (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias) em agosto – realidade que passou ao largo das principais pesquisas eleitorais – trouxeram de volta a preocupação dos agentes econômicos com uma gestão mais intervencionista no país vizinho, causado sobretudo pela presença da ex-presidente Cristina Kirchner como vice da chapa.
O novo cenário provocou uma deterioração na confiança dos investidores, evidenciada pela disparada do dólar e por um tombo no mercado de ações. Diante da nova crise em função de seu fracasso no primeiro grande teste eleitoral, o governo Mauricio Macri decidiu anunciar, na última quinta-feira (29), um plano de renegociação de vencimentos da dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e com credores privados.
Como efeito colateral, a palavra “default” rapidamente voltou ao vocabulário dos que acompanham economia argentina e ampliou a percepção de risco sobre outros mercados emergentes, como o brasileiro. O agravamento da crise levou a atual gestão, tida como mais pró-mercado, a adotar uma das medidas que criticava no kirchnerismo. Preocupado com uma nova depreciação do peso, o presidente anunciou, no último domingo (1), um decreto que restringe a compra de dólares por empresas, bancos e cidadãos argentinos.
Enquanto sinais claros não são dados sobre a provável volta da esquerda ao poder e o quadro de deterioração econômica se agrava, uma pergunta comum feita entre os brasileiros que acompanham a situação no país vizinho é: Alberto Fernández estaria mais próximo de Lula I ou Dilma II?
Para o analista político argentino Tomás Arias, especialista em América Latina na XP Investimentos, com as informações atuais sobre a disputa argentina, há mais indícios de que a primeira indicação representa o quadro mais provável, embora comparações sejam complexas, dadas as diferenças de contexto e perfil dos atores envolvidos.
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“Acredito que o governo Alberto Fernández deverá ser mais parecido com Lula I. Ele precisa de um governo forte, equilibrado de poder com diferentes governadores, com espaços para os sindicatos e grêmios, os setores sociais, para demonstrar não apenas ao país, mas ao mundo, o trabalho que quer realizar”, observa.
As expectativas são de que o opositor confirme o perfil mais moderado do que sua vice, demonstrado em sua participação no governo de Néstor Kirchner como chefe de gabinete do presidente e sua capacidade de interlocução com diferentes setores da sociedade. A preocupação de parte dos analistas, contudo, seria o poder de influência da ex-presidente Cristina Kirchner sobre a administração, dado seu elevado poder político.
“O que posso dizer é que Argentina tem um sistema presidencialista, e, em um sistema presidencialista, quem tem o poder é seu presidente. Obviamente, restará esperar e ver qual será o resultado final das eleições e como será o gabinete que vai assumir o próximo governo”, argumenta Tomás Arias.
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Comparações à parte, o analista chama atenção para a importância da resolução de questões prévias às eleições sobre o futuro da argentina. “Falta o último desembolso do FMI. Falta conhecer as posturas da oposição. Quais novas decisões o governo vai tomar?”, questiona. Da mesma forma, será importante monitorar a correlação de forças dos grupos que compõem a coalizão opositora, a relação com governadores e com o próprio parlamento, além do próprio ambiente internacional – ao que tudo indica, mais adverso.
A Argentina é hoje o terceiro maior parceiro comercial brasileiro, sendo o primeiro na região. O país é o maior comprador dos nossos manufaturados, com o setor automotivo respondendo à maior fatia: cerca de 30%. Atualmente, mais de 60% dos carros comprados por eles vêm do Brasil, mas dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) indicam um desabamento de 41,5% nas vendas do setor no primeiro semestre.
Do lado do Mercosul, a aposta de Arias é de relações conturbadas do provável sucessor de Mauricio Macri com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PSL). Por outro lado, os próximos anos podem ser marcados por um aprimoramento da institucionalidade do bloco.
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“É verdade que Bolsonaro e Macri mantêm uma relação política e também ideológica, compartilham uma ideologia, e ambos foram muito fortes publicamente a apoiar suas candidaturas. Certamente, vamos falar de um governo argentino progressista e que vai ter uma relação difícil com Bolsonaro, mas acreditamos que possa seguir um caminho institucional”, pontua.
Além disso, o analista aponta para a possibilidade de um equilíbrio do bloco entre governos de esquerda e direita, em se confirmado a eleição de Fernández na Argentina e uma nova vitória da Frente Ampla no Uruguai. Nesse sentido, sob o prisma ideológico, a divisão seria entre: Brasil e Paraguai (à direita) e Argentina e Uruguai (à esquerda). É neste contexto em que deverão se desenhar os próximos passos do conturbado acordo firmado entre Mercosul e União Europeia.
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