SÃO PAULO – Milhares de manifestantes simpáticos ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deverão se reunir, nesta terça-feira (7), feriado do Dia da Independência, nas ruas de algumas das principais capitais do país. Os atos são tratados como decisivos por grupos apoiadores do mandatário e são acompanhados com atenção por diversos atores políticos.
O evento ocorre em um contexto de tensão institucional, concentrada sobretudo nas relações entre Bolsonaro e o Poder Judiciário. O momento também marca dificuldades para o governo tanto no plano político, com a perda de popularidade presidencial, quanto no plano econômico, com os impactos da inflação, do desemprego elevado e dos juros em alta.
Estes, inclusive, são pontos usados por críticos de Bolsonaro para manifestações contrárias ao governo também marcadas para hoje em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. As expectativas, porém, são de que os atos da oposição desta vez sejam menores do que os observados nos últimos meses.
Para o bolsonarismo, o desafio tem sido dividir esforços entre uma postura reativa de defender o presidente do movimento de insatisfação crescente e mobilizar a tropa para os protestos, em uma tentativa de demonstração de força política.
Nos dias que antecederam os atos, Bolsonaro e lideranças de grupos aliados adotaram discursos ambíguos para convocar apoiadores. Inicialmente, os atos contavam com mensagens similares às dos chamados “atos antidemocráticos” realizados no ano passado, com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional e a defesa das Forças Armadas como uma espécie de Poder Moderador.
Mas, com o tempo, o mote “liberdade” passou a ganhar mais espaço nas convocações para os atos. O uso estratégico de uma bandeira ampla, com múltiplos significados e, de certa forma, consensual na sociedade funcionaria como instrumento para atingir grupos dentro e fora da base tradicional do bolsonarismo.
De um lado, o presidente disse que “ninguém precisa temer o 7 de setembro”. De outro, afirmou que os atos serão “um ultimato” a dois ministros do STF – em referência a Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, sem citá-los nominalmente.
No fim de semana, sob gritos de “fora, Alexandre” de apoiadores, Bolsonaro disse que há possibilidade real de ruptura institucional e que “210 milhões de pessoas não serão reféns de uma ou duas”. Nas palavras do presidente, o país tem um “encontro com o destino neste 7 de setembro.
O tom reforçou o alerta de atores políticos às vésperas dos atos. Na última noite, após forte pressão, bolsonaristas romperam o cerco policial na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e ficaram a 500 metros da Praça dos Três Poderes.
Veja sete pontos fundamentais para monitorar nessas manifestações:
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1. Adesão. Como em todo protesto, o tamanho da mobilização é aspecto relevante a ser considerado do ponto de vista político. Bolsonaro tem trabalhado fortemente para ter uma fotografia com centenas de milhares de pessoas na Esplanada dos Ministérios, na Avenida Paulista e em cartões postais de outras capitais do país.
2. Grupos presentes. O evento busca reunir diversos grupos que compuseram a coalizão que alçou Bolsonaro à presidência. A expectativa é que estejam presentes evangélicos, ruralistas, caminhoneiros e até policiais e militares ‒ ingredientes adicionais de tensão política. Mas o desafio também passa por romper a bolha do bolsonarismo e atingir outras faixas da sociedade. Caso a percepção dos atores políticos seja de que o presidente foi capaz de ampliar sua base, a demonstração de força seria maior. Pelo comportamento nas redes sociais até a véspera, não havia claras indicações de que movimento neste sentido seria bem-sucedido.
3. Pautas e bandeiras. As convocações iniciais para as manifestações contavam com um tom similar ao dos chamados “atos antidemocráticos” do ano passado, que estão sob investigação no Supremo Tribunal Federal. Mensagens pelo fechamento do STF, intimidações a magistrados e pedidos de intervenção militar apareciam com frequência nas redes, embalados por decisões judiciais recentes contrárias a personagens do bolsonarismo.
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Com o tempo, o termo “liberdade” passou a ganhar espaço, dialogando com o elemento simbólico do feriado de 7 de setembro (Dia da Independência). Trata-se de conceito com múltiplos significados e que permite adaptação de mensagem a distintos grupos – estratégia do bolsonarismo para conquistar adesão de grupos próximos.
Na defensiva, os apoiadores do governo tiveram que fazer uma escolha por menos controle objetivo sobre a pauta das manifestações. Isso facilitaria o alcance a outros segmentos em um momento de maior isolamento e perda de popularidade do governo e seu uso para o eventual apoio a bandeiras mais drásticas.
“Na última semana, houve tentativa de alargar a pauta, passando das críticas diretas ao Supremo à defesa da “liberdade”, em tentativa de ampliar a adesão aos atos. Nesse sentido, o sucesso do bolsonarismo terá o sido o de conseguir levar às ruas público além de seus apoiadores mais convictos”, observam os analistas da XP Política.
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4. Participação de Bolsonaro. Bolsonaro anunciou que comparecerá aos atos em Brasília, pela manhã, na Esplanada dos Ministérios, e em São Paulo, à tarde, na Avenida Paulista. Caravanas foram organizadas para encher os atos e render imagens de apoio ao presidente. Em sua live semanal na última quinta-feira (2), o mandatário disse que será uma “manifestação nunca vista no Brasil”.
O tom dos discurso e ações de Bolsonaro durante e após os protestos têm importante significado político e também darão o tom das manifestações e de como elas serão interpretadas pelo mundo político. Caso haja uma percepção de que o presidente “cruzou linhas traçadas no chão”, a crise institucional deve ter nova escalada nos próximos dias.
5. Episódios de violência. A possibilidade de episódios de violência é um dos principais riscos monitorados por analistas políticos e é fator com alto potencial de agravar a crise institucional. Para Cláudio Couto, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), a crise em curso pode desencadear episódios de violência política, em um déjà-vu da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, ocorrida em 6 de janeiro.
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“A gente corre mais o risco de uma onda de violência política do que de um golpe de Estado propriamente dito. O que pode acontecer é esses grupos partirem para o confronto com seus adversários. Agora, isso é diferente de eles conseguirem viabilizar uma ruptura institucional. Para isso, ele tem que ter apoio não só para um ato de violência, mas para se manter no poder depois desse ato”, disse.
“O risco é uma aventura, que produz violência, que não tem condição de se sustentar, mas que faz um baita estrago. A chance de ser [um 6 de janeiro] piorado é muito maior, porque o Brasil é um país muito mais violento do que os EUA”, avaliou.
6. Militares. A provável adesão de grupos ligados às polícias militares e às próprias Forças Armadas é vista como um barril de pólvora para o processo, especialmente no caso de membros da ativa. Reportagem publicada no sábado (4) pelo jornal Folha de S.Paulo mostrou casos de policiais inscritos em caravanas país afora em direção ao Distrito Federal.
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Publicamente, governos estaduais afirmam que não há clima para preocupação, mas nos bastidores monitoram com atenção as movimentações. A participação de oficiais da ativa em manifestações políticas é vedada pela legislação vigente, mas um risco concreto para os atos do próximo 7 de setembro.
“É um dos enormes riscos desta manifestação. Há mobilização desse setor militarizado da sociedade (PMs da ativa e da reserva) fora a parcela que possui armas, até incentivada por Bolsonaro. O incentivo para que esse pessoal participe ativamente traz um risco para isso descambar para algo mais grave, episódios de violência mais explícitos”, alertou Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.
“Quanto mais forte, extrema e violenta, maior o risco de a sociedade e as instituições reagirem a Bolsonaro e entrarmos em um ambiente de possibilidade de desfechos extremos para esse embate. Ou retirada por impeachment ou golpe. O desdobramento é péssimo”, avaliou.
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A presença de grupos armados, sobretudo integrantes da própria estrutura de segurança do Estado, é ponto estratégico para o jogo de forças praticado por Bolsonaro. “A quantidade [de manifestantes] naturalmente é importante, mas o perfil do manifestante é que dá concretude à estratégia de alterar a barganha do jogo político”, pontuou Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria Integrada.
A simultânea militarização da política e politização das organizações armadas são um trunfo usado por Bolsonaro no jogo de equilíbrio de forças. “Ele está flertando com algo que merece o alarme de incêndio. Essa associação altera a barganha, dá uma percepção de que o jogo não é justo, aumenta a percepção de risco, colocando o resultado do jogo político como fundamental para a sobrevivência… Eleição quando vale muito é sinal de perigo, porque você enxerga o resultado eleitoral quase como um destino e um risco muito alto para a sobrevivência de diferentes grupos”, explicou.
“Essas organizações são especiais, representam aquilo que o Estado tem de mais particular, que é o monopólio legítimo do uso da força. Portanto, a maneira como isso vai ser absorvido, o grau de participação, é que vai determinar a leitura do custo dos passos futuros – envolvendo todos os atores”, concluiu.
7. Respostas de atores políticos e instituições. Será extremamente importante para compreender o processo observar qual será o tom da resposta dos mais diversos atores políticos e instituições – especialmente no caso do Poder Judiciário, foco principal das manifestações.
“Se Bolsonaro pretende ter uma grande foto de uma manifestação gigante na Avenida Paulista e em outras cidades, ele vai ter A questão é como ele vai usar esse apoio. Ele claramente está fazendo testes. Fala uma coisa em um dia, vê como as pessoas reagem, fala outra coisa em outro dia, como se fossem improvisações”, pontuou o analista político Thomas Traumann.
Para ele, o evento marcará uma espécie de “ensaio” de Bolsonaro e as principais dúvidas recaem sobre os dias que sucederão as manifestações. “Minha questão é o dia 8 [de setembro]”, disse.