Dos 20% de IR no JCP ao “pente-fino” no INSS: o pacote para compensar as desonerações

Após embate no STF e longas negociações entre governo e Congresso Nacional, tema pode ser votado pelo Senado Federal nesta quinta-feira

Marcos Mortari

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O plenário do Senado Federal retoma, na manhã desta quinta-feira (15), sessão suspensa na véspera para votar as pautas remanescentes da semana. O principal tema da lista é o projeto de lei (PL 1.847/2024) que trata de um regime de transição para o fim da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores econômicos e milhares de municípios e é considerado politicamente sensível (sobretudo em ano eleitoral).

A matéria está sob relatoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), que também é líder do governo na casa legislativa. Ele apresentou um substitutivo ao texto, incorporando à matéria acordo celebrado entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional, após exigência do Supremo Tribunal Federal (STF) para que as partes construíssem um caminho para compensar as perdas de arrecadação com o benefício concedido.

Conforme o projeto, a reoneração gradual da folha de pagamento terá duração de três anos (2025 a 2027). O texto mantém a desoneração integral em 2024 e estabelece a retomada gradual da tributação a partir de 2025 (com alíquota de 5% sobre a folha de pagamento). Em 2026 serão cobrados 10% e, em 2027, 20%, quando ocorreria o fim da desoneração. Durante toda a transição, a folha de pagamento do 13º salário continuará integralmente desonerada.

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Por outro lado, o projeto de lei também reduz gradualmente o adicional de 1% existente sobre a Cofins-Importação em proporção similar à reoneração da cobrança sobre a folha. Tal aumento havia sido originalmente instituído justamente durante a desoneração. Pelo texto, o acréscimo percentual nas alíquotas do tributo para os bens referenciados cairia a 0,8% em 2025, depois a 0,6% no ano seguinte e a 0,4% em 2027.

Do lado dos municípios, o texto também traz uma previsão de reoneração gradual. No ano passado, o Congresso Nacional usou o mesmo projeto de lei de desoneração dos 17 setores econômicos para reduzir de 20% para 8% a alíquota cobrada de contribuição patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre a folha de pagamentos de municípios enquadrados em coeficientes abaixo de 4,0 da tabela de faixas de habitantes observada na distribuição do Fundo de Participação dos dos Municípios (FPM) − o que equivale a um teto de 156.216 habitantes.

Considerando dados do Censo Demográfico de 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 5.377 municípios estariam abaixo do teto de habitantes indicado na legislação. O número representa 96% de todas as cidades do país. Nos cálculos do Ministério da Fazenda, o impacto fiscal da medida seria de R$ 4 bilhões.

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Em nenhum dos casos de desoneração (17 setores e milhares de municípios), o Congresso Nacional indicou fontes de compensação para a frustração de receitas à União. Por isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a vetar o projeto de forma integral, mas acabou derrotado pelos parlamentares. Depois disso, o governo federal ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as regras e obteve decisões favoráveis, nas quais a Corte determinou que fossem apresentadas medidas compensatórias dentro de um prazo − do contrário, os benefícios seriam extintos.

No relatório protocolado ontem (14), Jaques Wagner também trouxe regras para uma reonergação gradual para os municípios. Pelo texto, a alíquota de 8% seria cobrada até 31 de dezembro de 2024. Depois, subiria para 12% por todo ano de 2025, aumentando novamente para 16% no ano seguinte, e, finalmente, retornando a 20% a partir de 1º de janeiro de 2027.

O parlamentar apresentou, ainda, 8 medidas de compensação para a renúncia de receitas durante o período em que houver desoneração − o que significa que elas precisarão ser maiores hoje e cairiam ao longo do tempo, com a retomada da cobrança regular. Algumas delas já eram conhecidas e vinham sendo discutidas há mais de um mês pelos parlamentares. Outas ainda serão objeto de discussão.

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1. Atualização de bens imóveis

Uma delas é a atualização de bens imóveis para valor de mercado. No caso de pessoas físicas, é cobrado Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a uma alíquota reduzida definitiva de 4%. Já para pessoas jurídicas, será cobrado IR à alíquota de 6% acrescida de 4% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em ambos os casos, a necessidade de pagamento é de 90 dias a contar da vigência da lei.

2. Repatriação de ativos

O substitutivo também traz regras para um Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). Neste caso, abre-se uma janela de 90 dias para a declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados com omissão ou incorreção em relação a dados essenciais, mantidos no Brasil ou no exterior, ou repatriados por residentes ou domiciliados no País.

O rol de bens e direitos que poderão ser contemplados no programa inclui:

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  1. depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão;
  2. operação de empréstimo com pessoa física ou jurídica; recursos, bens ou direitos de qualquer natureza decorrentes de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas;
  3. recursos, bens ou direitos de qualquer natureza decorrentes de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas;
  4. recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, integralizados em empresas brasileiras ou estrangeiras sob a forma de ações, integralização de capital, contribuição de capital ou qualquer outra forma de participação societária ou direito de participação no capital de pessoas jurídicas com ou sem personalidade jurídica;
  5. ativos intangíveis disponíveis no Brasil ou no exterior de qualquer natureza, como marcas, copyright, software, know-how, patentes e todo e qualquer direito submetido ao regime de royalties;
  6. bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis;
  7. veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.

Pela regra, o montante dos ativos objeto de regularização será considerado acréscimo patrimonial adquirido em dezembro de 2023, ainda que nessa data não exista saldo ou título de propriedade, e o contribuinte estará sujeito ao pagamento do imposto de renda sobre ele, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%. A arrecadação será compartilhada com estados e municípios.

3. Renegociação de multas aplicadas por agências

Há ainda a instituição de um “Desenrola” junto a agências reguladoras, conforme sugerido pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O texto permite a renegociação de multas aplicadas pelas agências reguladoras e não pagas pelos punidos. Pelo substitutivo, será instituída uma Central de Cobrança e Regularização de Dívidas Federais Não Tributárias, que ficará responsável por realizar acordos para resolver os litígios e cobrar os débitos passíveis de inscrição em dívida ativa.

Essa central também terá a função de “praticar atos destinados à tentativa de recebimento ou negociação de débitos de natureza não tributária”, segundo o texto proposto por Wagner. O Poder Executivo precisará indicar, em até 90 dias, o “responsável pelos custos de desenvolvimento, disponibilização, manutenção, atualização e gestão administrativa de sistema unificado de constituição, gestão e cobrança de créditos não tributários em fase administrativa das autarquias e fundações públicas federais”.

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O texto diz ainda que a Procuradoria-Geral Federal (PGR) poderá propor aos devedores transação na cobrança da dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais, “quando houver relevante interesse regulatório previamente reconhecido por ato do Advogado-Geral da União”. No caso das agências reguladoras, a manifestação dos dirigentes será proferida em até 180 dias, após provocação da Procuradoria.

4. Pente-fino no INSS e programas sociais

O projeto de lei prevê que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderá adotar medidas para conter prejuízos de pagamentos de benefícios decorrentes de fraudes e irregularidades. No substitutivo fala-se em “assegurar a efetividade dos direitos sociais e a sustentabilidade financeira da previdência e da assistência social”.

O texto também estabelece regras para adesão e regularização no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que registrou um crescimento significativo de concessões neste ano.

O governo já previu uma economia de R$ 9,05 bilhões no orçamento neste ano por meio do grupo de trabalho do INSS, criado para otimizar os custos com Previdência. Uma das frentes do GT prevê justamente a contenção de fraudes previdenciárias e apuração de irregularidade de benefícios.

5. Uso de depósitos judiciais e extrajudiciais

Outra medida consiste na possibilidade de a Caixa Econômica Federal depositar diretamente na conta do Tesouro Nacional recursos provenientes de depósitos judiciais e extrajudiciais referentes a tributos e contribuições federais.

Após a ordem judicial ou extrajudicial, haverá conclusão da conta de depósito sem a incidência de remuneração quando os valores forem destinados à administração pública ou levantamento dos valores por seu titular, acrescidos de “correção monetária por índice oficial que reflita a inflação”.

Neste último caso, os valores devem ser entregues pela instituição financeira no prazo máximo de 24 horas de sua notificação e debitados com correção à conta do Tesouro Nacional a título de restituição.

6. Programa de cadastro dos benefícios fiscais concedidos pelo governo

O relatório determina que as empresas que usufruem de benefícios fiscais informem à Receita Federal, por meio de uma declaração eletrônica em formato simplificado, todos os incentivos que recebem do governo.

Esse mapeamento, de acordo com a equipe econômica, é considerado importante para dimensionar a qualidade desse gasto e verificar possíveis brechas para a concessão de benefícios não estratégicos.

De acordo com o texto, a empresa que deixar de entregar ou entregar em atraso a declaração estará sujeita a multas e penalidades.

Neste caso, há 3 faixas de sanções: 1) 0,5% sobre o valor da receita bruta de até R$ 1 milhão; 2) 1% sobre o valor intermediário até R$ 10 milhões; e 3) 1,5% sobre a receita bruta acima de R$ 10 milhões. A penalidade será limitada a 30% do valor dos benefícios fiscais. Também será aplicada multa de 3% ou R$ 500,00 (o que for maior), sobre o valor omitido, inexato ou incorreto.

7. Dinheiro “esquecido”

O texto estabelece que os recursos esquecidos nas contas de depósitos somente poderão ser reclamados, junto às instituições depositárias, até 31 de agosto de 2024. Depois desse prazo, os saldos passarão para União e serão apropriados pelo Tesouro Nacional como receita orçamentária primária.

Depois que os recursos forem apropriados pelo Tesouro, o Ministério da Fazenda fará a publicação no Diário Oficial da União e os titulares terão 30 dias para contestarem o recolhimento efetuado.

8. Aumento de imposto sobre JCP

Além dessas medidas, que já vinham sendo discutidas, o relator incluiu no texto, como alternativa de compensação, a proposta de aumento da alíquota do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) nos Juros sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 20%. A mudança não encontra consenso entre os parlamentares, mas pode representar incremento de arrecadação relevante para o governo federal no futuro.

Mesmo que seja aprovada, a medida só traria impactos no ano que vem, já que o aumento de imposto precisaria respeitar o princípio constitucional da noventena (ou seja, o cumprimento de prazo de 90 dias para acontecer). Ainda que não haja acordo, o dispositivo foi mantido em substitutivo protocolado ontem por Jaques Wagner. Caso as divergências persistam, existe a possibilidade de o tema ser votado em separado através de um destaque apresentado por algum partido.

Outras pautas previstas

Além das desonerações, consta da pauta do plenário do Senado Federal projeto que trata da identificação de produtos alimentícios artesanais de origem vegetal (PL 5.516/2020). Também deve ser discutida a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impõe aos partidos políticos a obrigatoriedade da aplicação de recursos financeiros para as candidaturas de pessoas pretas e pardas. A PEC 9/2023 ainda estabelece parâmetros e condições para a regularização de débitos de partidos políticos.

Outras duas matérias devem ser incluídas no rol de votação desta quinta: o projeto que trata da Lei Geral dos Concursos (PL 2.258/2022) e um requerimento que pede uma sessão especial para celebrar o Dia do Administrador (RQS 24/2024).

(com Agência Estado e Agência Senado)

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.