A história de alguns executivos se mistura com a das empresas que eles comandam. Este é o caso de Bobby Kottick e da Activision. O executivo assumiu a principal cadeira da empresa na década de 1990, depois de se tornar acionista da companhia. Ele foi o responsável por resgatar a Activision de uma falência iminente e a colocar no caminho para a maior negociação do mundo dos games, em outubro de 2023, quando, após um embate que durou quase dois anos, a companhia liderada por Kottick foi adquirida pela Microsoft pof US$ 69 bilhões.
O valor – o maior de uma transação do tipo – se justifica com o fato de a Activision Blizzard ter desenvolvido e lançado alguns dos games mais populares (e rentáveis) da história, como Call of Duty, Crash Bandicoot, Guitar Hero, Tony Hawk’s Pro Skater, Warcraft, Starcraft, Diablo e Candy Crush, que passou a fazer parte da desenvolvedora após a compra da King.
De olho neste catálogo, a Microsoft anunciou em janeiro de 2022 a intenção de comprar a desenvolvedora. O negócio, contudo, demorou para ser concluído. Isto porque, depois da aprovação dos acionistas, a fusão foi analisada por diversos órgãos de concorrência pelo mundo – e o FTC, dos EUA, e o CMA, do Reino Unido, contestaram o negócio. O sinal verde só viria em outubro de 2023.
Apesar de contar, agora, com novos proprietários, Kotick permanecerá no negócio até o final de 2023 para auxiliar na transição, atendendo a um pedido de Phil Spencer, diretor executivo da Microsoft Gaming. “Phil me pediu que permanecesse como CEO e que me reportasse a ele, e concordamos que farei isso até o final de 2023. Ambos estamos ansiosos para trabalhar juntos na integração harmoniosa de nossas equipes e jogadores”, declarou Kotick em um e-mail enviado aos funcionários no dia do anúncio da aquisição.
A Activision deve a Kotick a reviravolta que a permitiu se reinventar para continuar relevante em um mercado que evoluía rapidamente. No entanto, os mais de 30 anos dedicados à desenvolvedora não estão isentos de controvérsias, incluindo denúncias e processos por assédio.
O início da Activision
A origem da Activision está diretamente relacionada à famosa fabricante de videogames do final dos anos 1970: a Atari. Naquela época, os fliperamas começavam a ser substituídos pelos consoles domésticos, e a empresa foi a primeira líder desse novo setor.
A Atari crescia rapidamente, com vários lançamentos quase simultâneos de hardwares e softwares que foram bem aceitos pelo mercado. O sucesso de vendas chamou a atenção da Warner Communications, que comprou a empresa diretamente de seu fundador, Nolan Bushnell.
Após divergências sobre os novos rumos da gestão, Bushnell deixou a Atari. Logo depois, vários programadores seguiram seus passos, insatisfeitos com a política de remuneração que não pagava bônus nem dava créditos pela criação dos jogos. Os profissionais consideravam isso injusto, já que muitos games eram desenvolvidos desde a concepção até a programação por uma única pessoa.
Essa insatisfação uniu quatro programadores e ex-colegas da Atari: Alan Miller, Bob Whitehead, David Crane e Larry Kaplan. Em outubro de 1979, eles fundaram a Activision (inicialmente, e por um breve período, chamada Computer Arts) para desenvolver jogos eletrônicos. Dois outros sócios se juntaram à equipe: Jim Levy, um executivo da indústria da música, e Carol Shaw, ex-programadora da Atari que criou o River Raid, um dos jogos de maior sucesso no início dos anos 1980.
A Activision foi a primeira empresa a criar jogos que rodavam em plataformas de outras marcas. Seus primeiros jogos foram lançados em meados de 1980, todos com capas muito coloridas que destacavam sua marca, em vez de destacar o console, como era comum na época.
Desde o início de suas operações, as vendas da Activision cresceram ano após ano, o que fez a desenvolvedora abrir seu capital em 1983. No entanto, esse também foi o ano em que a bolha da indústria de jogos nos Estados Unidos estourou, pois muitas empresas pequenas tentaram seguir os passos da Activision. O resultado foi um excesso de oferta de jogos que derrubou os preços e desorganizou o mercado.
Depois de algumas mudanças, a empresa conseguiu sobreviver ao impacto imediato do colapso, chegando a mudar de nome para Mediagenic. A nova estrutura, contudo, pouco se assemelhava às origens da empresa, o que tornava difícil traçar uma estratégia consistente.
A reestruturação e a chegada de Bobby Kotick
Em 1991, Bobby Kotick e um grupo de sócios adquiriram a Mediagenic por cerca de US$ 500 mil. Isso deu início a uma nova reestruturação, mais lenta, com uma transformação completa do perfil do negócio. A primeira ação da nova gestão foi sair da falência e rebatizar a empresa como Activision.
No início dos anos 2000, a desenvolvedora começou a adquirir diversos estúdios menores para expandir seu portfólio. Foi nessa época que ela adquiriu a Infinity Ward, a Treyarch, a Vicarious, a Beenox Studios e outras marcas famosas, que foram fundamentais para o desenvolvimento de jogos distribuídos pela Activision.
Em 2007, a fusão com o conglomerado Vivendi, proprietário da Blizzard, resultou na formação da Activision Blizzard, tornando-a a distribuidora de jogos de console mais lucrativa daquela época.
Nos anos seguintes, a estratégia de crescimento por meio de aquisições continuou, culminando em outra grande negociação em 2016: a compra da King, desenvolvedora do Candy Crush, por quase US$ 6 bilhões.
Acusações de assédio e discriminação na empresa
A habilidade que Bobby Kotick demonstrou na reconstrução da marca Activision não se traduziu na gestão do clima organizacional da empresa. À medida que novas aquisições eram realizadas, aumentavam as queixas dos funcionários em relação a abusos de todo tipo, especialmente discriminação, disparidades salariais e assédio sexual contra mulheres.
Em julho de 2021, as denúncias vieram à tona quando o Departamento de Trabalho Justo e Habitação (DFEH) do estado americano da Califórnia processou a Activision após anos de investigação sobre uma cultura de trabalho supostamente tóxica que prejudicava principalmente as mulheres. Inicialmente, a Activision negou as acusações, o que gerou uma imediata reação entre os funcionários. Mais de duas mil pessoas assinaram uma petição que exigia dos executivos a criação de um ambiente seguro e que eles encarassem as denúncias com seriedade.
Rapidamente, Bobby Kotick admitiu que a Activision não havia respondido adequadamente e pediu desculpas em um comunicado, após os funcionários organizarem uma paralisação como protesto.
No entanto, os problemas persistiram. Em setembro do mesmo ano, um novo processo foi movido contra a Activision. Dessa vez, o Conselho de Relações Trabalhistas da Califórnia recebeu denúncias de coação de funcionários, alegando que a empresa os havia ameaçado para que não discutissem publicamente seus salários, carga horária e condições de trabalho.
Pouco tempo depois, a Activision anunciou a criação de um fundo de indenização no valor de US$ 18 milhões. Segundo a empresa, parte dos recursos seria destinada a instituições focadas em combater o assédio, promover a igualdade de gênero e a inclusão nas empresas.
Desde o primeiro processo, a Activision nunca deixou de estar envolvida em escândalos relacionados a assédio entre os colaboradores. No final de 2021, Bobby Kotick foi alvo de um relatório que o acusava diretamente de ter omitido informações quando as denúncias começaram a surgir na empresa. Em resposta, o CEO classificou o documento de “mentiroso” e contou com o apoio do conselho de diretores, que reiterou sua “confiança em sua liderança, compromisso e capacidade”.