Woelz, da Kapitalo: BC usou projeção de inflação “não crível” ao elevar Selic; hora de vender Bolsa “já passou”

Em tom crítico, sócio-diretor viu problemas na comunicação do último Copom, que deveria trabalhar para convergir expectativas e não "fazer apostas"

Bruna Furlani

Carlos Woelz (Foto: Germano Lüders)
Carlos Woelz (Foto: Germano Lüders)

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Com o cenário inflacionário persistente, um dos trechos que mais chamaram a atenção do mercado no comunicado da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) – na última quarta-feira (3), quando a Selic foi elevada para 13,75% ao ano – foi o que destacou que a autoridade passou a considerar em seus modelos a projeção para a inflação em 12 meses no primeiro trimestre de 2024. Com essa frase, indicou que o prazo passou a fazer parte do horizonte relevante de definição da política monetária.

Ao fazer isso, o colegiado mostrou que está “se apoiando em uma projeção não crível, longe do Focus [relatório semanal do Banco Central que agrega expectativas para as principais variáveis macroeconômicas] e longe do mercado, que é a projeção de 2024”. A avaliação é de Carlos Woelz, sócio-diretor e um dos fundadores da gestora Kapitalo Investimentos, que concedeu entrevista exclusiva ao InfoMoney.

No comunicado da semana passada, o Copom disse esperar que a inflação termine este ano em 6,8%, que alcance 4,6% em 2023 e 2,7% em 2024. A ata do encontro, com mais detalhes sobre a decisão, será divulgada pelo Banco Central nesta terça-feira (9).

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Segundo Woelz, o Banco Central fez é uma “aposta” no comunicado – que pode dar certo, mas é difícil saber neste momento. Em tom crítico, Woelz viu problemas na comunicação da autoridade monetária, já que sua principal função é convergir as expectativas, e não realizar apostas.

Falhas na comunicação, porém, não são exclusividade aqui da política monetária brasileira. O sócio-diretor da Kapitalo teceu críticas também ao Federal Reserve (Fed, banco central americano), ao alegar que o discurso adotado recentemente pela autoridade monetária está confuso.

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Ainda que seja difícil fazer uma leitura do Fed neste momento, o executivo mostrou-se bastante confiante de que será preciso colocar os Estados Unidos em recessão para que a inflação seja controlada. Se isso não ocorrer, afirmou, será “pior para os mercados”.

Com a perspectiva de desaceleração global, possível recessão nos Estados Unidos e eleições no Brasil, o gestor afirma que possui hoje apenas uma posição moderada em Bolsa brasileira, mas ressalta que o “momento de vender já passou”.

“Existem boas apostas de recessão no mundo, mas o Brasil não é uma delas na Bolsa, justamente por causa do preço. Vender Bolsa brasileira para apostar na recessão global não é uma boa escolha”, resume Woelz. Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

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InfoMoney: Como viu a decisão do Copom de semana passada?

Carlos Woelz: A previsão para 2024 não é crível. Tem um risco fiscal significativo no primeiro ano. Há poucas semanas, o BC disse que não iria alongar o horizonte e agora alongou de maneira implícita, porque o primeiro trimestre de um ano é onde há uma concentração de inflação em um ano. Ao pegar essa previsão e usar o principal ponto dela, que é o primeiro trimestre, ele está colocando 2024 na política monetária curta. Achei uma decisão muito ruim. Ele está se apoiando em uma projeção não crível, longe do Focus e longe do mercado.

IM: Por que ele está fazendo isso?

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Woelz: É uma aposta, que pode dar certo. Agora, se ele não fosse apostar, ele teria que se comprometer a elevar os juros até resolver. Poderia ter que ir até 2025, em um ritmo mais baixo. Isso traria as expectativas para baixo. O BC não está aí para apostar. Ele está aí para convergir as expectativas. Ele está apostando na desaceleração global e na eficiência da política monetária, o que ainda não aconteceu. Acredito que são apostas razoáveis, boas, mas ele tem projeções de crescimento que são incompatíveis com uma desaceleração tão forte de inflação.

IM: Qual é o maior problema?

Woelz: Discordo menos da decisão do BC e mais da comunicação. Eu acho que ele tem que abrir mão de grau de liberdade para parar. Ele tem que se comprometer mais forte, fazer uma projeção de 2024 mais crível. Pode ser até abaixo do Focus [Relatório Focus]. Ele pode usar o modelo dele. Acredito que 2,7% com o crescimento que ele coloca não é crível. Houve uma surpresa de hiato muito forte nos últimos meses, ele está muito mais apertado. Precisaria de uma ‘distensão’ maior para trazer a inflação para a meta.

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Na hora que pensamos de maneira desagregada, o cenário piorou muito mais do que de forma agregada. No desagregado, o desemprego caiu muito. O Caged [Cadastro Geral de Empregados e Desempregados] está muito forte. O desafio aumentou muito em relação ao visto quatro meses atrás e o nível de juros terminal mudou pouco. Mudou 100 bps [1 ponto percentual].

IM: Como ele deveria ter feito?

Woelz: Eu teria menos problema se ele explicitasse a aposta que está fazendo. Ao não explicitar, ele acaba desancorando as expectativas. Semanas atrás [declarações feitas anteriormente por membros do BC], ele disse que não ia alongar o horizonte. Eu acredito na desaceleração da atividade, acredito na desaceleração da inflação. A diferença entre a projeção dele e a do Focus é uma das maiores da história e a diferença pro mercado é maior ainda.

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O que vem acontecendo nos últimos meses é que o ponto de partida em termos de hiato piorou e o Banco Central não mudou o tamanho do ciclo. Ele dá seguidas indicações de que deseja conter o tamanho do ciclo. Isso é incompatível com o ‘whatever it takes’ [o que for necessário] que foi usado anteriormente. Isso gera uma expectativa de inflação menos ancorada.

IM: A Selic deveria ir até qual percentual, na avaliação da casa?

Woelz: Provavelmente, ele deve dar mais uma alta de 0,25 ponto percentual e parar, porque é o que ele está dizendo. Acho que vai ter uma desaceleração global que ajudaria nesse cenário deles.

Estamos em um ambiente muito mais nebuloso do que o comum. Há uma recessão global no radar, há eleições no caminho e não sabemos ainda qual será a política econômica do próximo governo. Não sabemos o grau de estímulo. Dois fatores que apontam para direções contrárias. Eu acho que ele deveria mirar num cenário central entre essas diferentes coisas.

IM: Como assim?

Woelz: Acho que ele deveria olhar para as expectativas de inflação, ver qual é a opinião média. O BC do Ilan [Goldfajn, ex-presidente do BC] dizia que olhava muito para preços de mercado, como o spread. O Bruno Serra [atual diretor de política monetária] quando entrou falava muito de inflação implícita. O BC parou de falar de inflação implícita. Agora que a inflação implícita está alta e muito além da meta, ele parou de falar.

Em algum momento, o BC tem que tomar as rédeas dessa disfuncionalidade e levar para o mercado algum medo de que a inflação vai cair. Hoje, o mercado não tem medo de que a inflação vai cair. Somando a recessão global com a eleição, o mercado equilibra essa inflação lá em cima.

IM: Qual seria o caminho mais correto então?

Woelz: A trajetória não é tanto o problema. O problema é a comunicação. Em vários momentos, o BC abre mão de dizer que vai fazer o que for necessário. Uma alternativa era pegar um pace [velocidade] mais lento e falar que vai subir até convergir a expectativa. É o que eu faria. Isso seria um choque na comunicação, mas provavelmente iria fazer a expectativa convergir. Talvez custasse muito pouco.

Agora, ele precisaria se comprometer. Ao não dar esse sinal de forma mais clara, ele está subindo [os juros] e sem gerar esse efeito. Sem gerar esse medo de que a inflação vai cair.

IM: Como estão as posições hoje em Brasil?

Woelz: Estamos com posições moderadas em Bolsa brasileira por causa do cenário. Achamos que pode ter um respiro bem negativo dos mercados, principalmente se tiver uma revisão do tamanho do ciclo total do Fed e uma desaceleração da atividade. Se esse nível de juros gerar uma desaceleração global, vai ser excelente para mercados. No final, vai ter uma taxa de desconto que será baixa porque os BCs subiriam menos os juros, com a desaceleração. O nível atual de Bolsa em termos nominais não é barato, mas como a taxa de desconto seria colocada para baixo, o preço ficaria mais factível e talvez com uma capacidade de sustentar uma desaceleração mais forte.

O cenário ruim é uma combinação de uma recessão maior na cabeça das pessoas, com uma expectativa de juros maior. Algo que acho bem possível. Mais provável que haja ou uma recessão mais forte do que o mercado espera, ou mais juros. Mas pode ser que sejam os dois. Fizemos uma redução olhando esse cenário.

Porém, ao olhar para as empresas brasileiras, elas não têm risco financeiro significativo e estão desalavancadas [com baixo endividamento]. É tudo muito barato. O momento de vender já passou. Há outras Bolsas de países emergentes, como México e Índia, que possuem prêmio de risco muito baixo. Dá para vender. Existem boas apostas de recessão no mundo, mas o Brasil não é uma delas na Bolsa, justamente por causa do preço. Vender Bolsa brasileira para apostar na recessão global não é uma boa escolha.

IM: Houve alguma mudança recente na carteira?

Woelz: Ficamos um pouco mais vendidos em inflação [operações em que os gestores ganham quando a expectativa de inflação recua ao longo do tempo]. A inflação implícita para frente está um pouco incompatível com o juro real. Estamos com 6,5% de inflação implícita e 5,5% de juro real. Achamos que se a inflação for 6,5% mesmo, vai ter que ter mais juros. É normal que, em ciclos de queda, o recuo ocorra um pouco a reboque da inflação.

A posição vendida em inflação implícita é maior do que a tomada [se beneficia da alta] em juro real. A inflação implícita está em 6,5%. Se for para 8%, vai ficar muito longe da meta. O preço de mercado em relação à meta é muito alto, mas o mercado precifica uma queda enorme. Achamos que isso é incompatível. Ou a inflação cai, ou os juros de baixa não são esses.

IM: E com relação ao Fed? Qual deve ser a postura adotada pela autoridade monetária americana? 

Woelz: No começo do ciclo, o Fed vinha com uma postura bastante regular ao ficar num ritmo mais ou menos conhecido e ir ajustando o ponto final da alta dele. Primeiro, para levar os juros para o neutro, depois para o restritivo e em seguida, para o fortemente restritivo. Esse era o padrão do Fed. Quando houve a alta surpresa de 75 bps [0,75 ponto percentual], com uma comunicação [publicação de artigo] por meio do Wall Street Journal, isso causou uma confusão.

IM: Como assim? 

Woelz: Ao fazer uma surpresa de curto prazo e não comunicada, o Fed liberou um pouco a parte curta [da curva] para mexer para cima e para baixo. As narrativas do mercado começaram a ficar malucas. O próprio Fed gerou essa volatilidade. Ele vinha numa discussão de subir até ser o suficiente, usando a precificação do mercado como instrumento de política monetária. As condições financeiras foram apertando. A Bolsa caiu e o crédito apertou. Era uma tática que estava funcionando. Acredito que não precisava mudar. Ele mudou para fazer essa surpresa e liberou toda essa discussão.

Acho que está confuso. Estou com dificuldade de fazer uma leitura dele neste momento em que ele quebrou um padrão de comunicação. Não é à toa que a George [Esther L. George, dirigente do BC americano] votou contra e isso ocorreu por causa da comunicação. Não foi pela decisão.

IM: Qual deve ser a postura agora?

Woelz: O ponto final deve ser a recessão. Pode ser que precise de mais juros, pode ser que precise de menos, mas é preciso apertar as condições financeiras até gerar uma recessão. O mercado financeiro americano não vai ter a contração necessária com o S&P no high [no maior valor] e o crédito no high, porque o mercado de trabalho está muito apertado. Precisa desacelerar housing [mercado de moradia]. Realmente, precisa desse aperto. Há uma discussão sobre o nível de juros que gera isso. Talvez um shift [mudança] de nível já gere uma desaceleração significativa.

IM: O que seria shift de nível?

Woelz: É o que está acontecendo agora. Existe uma ideia razoável que será preciso menos juros. O que eu não acho razoável é que precise de menos recessão. Não acredito no soft landing [pouso suave da economia americana].

IM: Por quê?

Woelz: A aceleração da inflação está acontecendo nos serviços. É preciso dar uma desacelerada forte. O mercado de trabalho está muito apertado, precisa ter desemprego subindo. A ideia de que você vai gerar uma desaceleração de serviços somente diminuindo as vagas em aberto eu acho que é um wishful thinking [algo que o mercado sonha, mas que não parece possível]. Se o Fed não quiser gerar recessão, será pior para os mercados. Provavelmente, vai acelerar bem mais a inflação de médio prazo e voltaremos um pouco pra discussão da década de 1970.

IM: Como assim?

Woelz: Se tentar fazer um soft landing nessas condições, acho que é um cenário horrível. Se olhar o jeito que o Fed estrutura o pensamento, vemos que ele passa por todas as etapas microeconômicas da geração de inflação. Ele passa por atividade, mercado de trabalho, aperto. Eu acho que o Fed não vai tomar esse risco e vai gerar a recessão.

IM: Como investir nesse cenário?

Woelz: Acredito que o Fed vai subir [os juros] até gerar uma recessão. Mas, no momento, não acho bom apostar nisso, porque a atividade global está desacelerando. Pode ser que esse nível de juros somado a outros choques – como mercado imobiliário na China, energia na Europa – já estejam gerando a desaceleração necessária para a recessão. Não acredito nisso, mas pode ser uma possibilidade. Prefiro ficar um pouco de fora enquanto essa desaceleração continua.

IM: Como alocar?

Woelz: Isso gera um certo viés para ter uma posição tomada [apostar na alta dos juros], porém não estou agindo nela. Da mesma forma, eu também não aplicaria [apostando no recuo dos juros] agora. Eu acho que tem que gerar desaceleração. Agora, nessas condições financeiras, eu tenho dúvida se gera. Talvez, tenha que apertar de novo pra gerar essa desaceleração. Não acho que é o momento de aplicar de jeito nenhum, mas saímos das posições tomadas. O nível de juros nos parecia já num patamar que tinha uma chance de gerar essa desaceleração e a atividade global estava apontando para baixo. O preço e a direção global nos fizeram zerar posições [tomadas]. Como acreditamos numa recessão gerada pelo Fed, achamos que a curva na parte média tende a desinclinar. Continuamos carregando essas posições. Ou seja, o Fed vai subindo [os juros] até que ele atinge a recessão e passa a ter que cortar os juros. Temos posições que se aproveitam desse tipo de cenário.

IM: Ou seja, para se aproveitar do corte…

Woelz: Achamos que a probabilidade de recessão é muito forte. Essa posição ganha se isso ocorrer. Por outro lado, essa posição perde se tiver o soft landing, porque o Fed pararia por um tempo e depois teria que voltar a subir os juros. Não vemos o Fed ‘dormindo no ponto’ e gerando esse risco inflacionário muito grande. Achamos que ele vai até resolver o problema da inflação e isso só pode ser resolvido com uma recessão.

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