SÃO PAULO – Uma das estratégias adotadas por quem quer viver de rendimentos ou complementar a renda após a aposentadoria é investir em ações que pagam bons dividendos. Mas há quem duvide dela, por considerar que seria preciso ter um volume muito grande alocado para obter proventos suficientes.
Afinal, quanto é necessário investir em ações para tornar a estratégia viável?
Um levantamento realizado pela plataforma de research Investmind, a pedido do InfoMoney, procurou responder essa pergunta. O estudo estimou quanto o investidor precisaria juntar em ações para obter uma renda média de R$ 1 mil por mês com a distribuição de proventos pelas empresas que compõem o IDIV, Índice de Dividendos da B3.
Segundo a Investmind, o valor necessário para alcançar essa renda varia – e muito – segundo a ação escolhida. Para fazer a conta, o estudo considerou o dividend yield de todos os papéis incluídos no IDIV.
O dividend yield é calculado dividindo o valor dos proventos que a empresa paga pela cotação da sua ação, e representa a taxa de retorno que o investidor teria apenas com a distribuição de dividendos. No caso do levantamento da Investmind, foi considerado o dividend yield médio dos últimos cinco anos e o preço médio dos papéis no mesmo período, terminado em abril de 2021.
Nos últimos cinco anos, os campeões em dividend yield – com uma taxa de 10,4% ao ano – foram os papéis da Smiles, programa de fidelidade da companhia aérea Gol. Assim, supondo que tudo se mantivesse inalterado e se repetisse no futuro, um investidor teria que comprar R$ 115,4 mil em ações da Smiles para que esses dividendos lhe proporcionassem uma renda de R$ 1 mil por mês.
Trata-se de uma simulação, uma vez que supõe que a empresa teria o mesmo lucro, distribuiria sempre o mesmo percentual dos ganhos – o chamado payout – aos acionistas e que os preços das ações se manteriam inalterados. O valor mensal de R$ 1 mil também é uma aproximação, já que grande parte das empresas paga os dividendos em bases anuais ou trimestrais.
No caso da Smiles, já se sabe que isso não será mais possível a partir do dia 7 de junho. A empresa está sendo incorporada pela Gol e, nessa data, seus papéis deixarão de ser negociados no pregão da B3. Os acionistas da Smiles passarão a ser acionistas da Gol, recebendo R$ 5,11 mais 0,66 ação preferencial da companhia aérea para cada ação ordinária que possuírem.
Na ponta oposta, segundo o levantamento, estão as ações da Trisul, com um dividend yield médio de 3,1% nos últimos cinco anos. Assim, um investidor que quisesse obter R$ 1 mil mensais com dividendos dessa empresa teria que aplicar cerca R$ 381 mil – mantida a suposição de estabilidade nos lucros, preços e distribuições.
Esse exercício mostra a disparidade dos valores que o investidor precisa juntar para obter a mesma renda com dividendos e evidencia pontos de atenção. O primeiro é a importância de analisar nos detalhes as melhores ações para que a estratégia dê bons resultados. O segundo é ter a clareza de que a distribuição de dividendos pode oscilar – e não é pouco.
“Ainda que as empresas no topo do ranking de dividend yield tenham uma distribuição de proventos mais estável, os dividendos não são um relógio, como são os rendimentos da renda fixa”, afirma Leonardo Alvarenga, diretor da Investmind.
Os valores necessários conseguir uma renda significativa com dividendos podem assustar e afastar possíveis interessados em viver de dividendos. No entanto, os especialistas explicam que não é bem assim. Isso porque, lembram eles, o montante pode ser acumulado aos poucos e que os próprios proventos, se reinvestidos nas ações, ajudam a fazer a carteira crescer.
Vale a pena para quem?
Há dois modos de ganhar dinheiro com ações, lembra Werner Roger, CIO da Trígono Capital: por meio do ganho de capital e pelo recebimento de dividendos. “Quando se espera ganhar com a valorização de uma ação, depende-se do mercado – que sempre está sujeito a crises – para que esse lucro se materialize. Quando se espera ganhar com dividendos, depende-se do desempenho das empresas”, afirma.
Para Roger, como nunca se sabe quando as crises eclodirão, a estratégia de ganhar com dividendos se mostra defensiva. As ações de companhias que pagam bons proventos oscilam menos nas crises. Por isso, ele acredita que carteiras de dividendos são apropriadas para todos os tipos de investidores. “Quanto antes o investidor começar, melhor, porque o efeito do pagamento de dividendos se intensifica no longo prazo”.
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João Lux, analista de produtos da CM Capital, concorda que a carteira de dividendos é adequada para vários perfis. Para investidores arrojados, ela agrega estabilidade ao restante do portfólio. Ele não recomenda esse tipo de investimento apenas para quem busca lucros no curto prazo. “Carteiras de dividendos demoram um pouco para maturar”.
Mas há visões diferentes. Alvarenga, da Investmind, por exemplo, considera que jovens, que têm muito tempo para acumular recursos, podem se beneficiar mais das empresas com elevado potencial de valorização, que não costumam ser generosas na distribuição de proventos.
As companhias em fase acelerada de crescimento precisam investir muito, o que faz com que lucrem pouco (ou tenham prejuízo) e distribuam poucos ganhos aos acionistas. A contrapartida é que suas ações podem ter maior potencial de alta. “É a expectativa de pagamento futuro de dividendos que faz com que essas companhias valorizem. Daqui a muitos anos, quando elas precisarem investir menos e seus negócios estiverem maduros, poderão pagar bons dividendos”, afirma Alvarenga.
Um ponto importante é o momento adequado para se apropriar desses ganhos. Rafael Antunes, sócio da Inove Investimentos, explica que também vale comprar ações com dividend yield baixo ou médio, mas de empresas que investem em bons projetos, porque o investidor poderá capturar os ganhos quando o projeto finalmente começar a gerar caixa. “É necessário olhar não só para o momento da companhia, mas também para a capacidade de execução do time de executivos”, afirma.
Como montar uma carteira de dividendos
O dividend yield é apenas um dos indicadores avaliados para montar uma carteira de dividendos. Genericamente, quanto mais barata a ação e maior o percentual de distribuição de dividendos, melhor, diz Roger.
Mas a questão é mais complexa do que isso. Nem sempre as companhias que pagaram os melhores dividendos voltarão para o topo da lista – uma empresa que teve lucros não-recorrentes em um exercício talvez não distribua mais tantos proventos nos anos seguintes. É preciso analisar se uma companhia está distribuindo menos dividendos porque vem lucrando menos ou porque tem outros projetos que justifiquem investimentos.
E a mudança dos cenários competitivos adiciona outras camadas para a análise. As chamadas cash cows – empresas que pagam dividendos com estabilidade, como as elétricas, as seguradoras e os bancos – podem mudar.
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Atualmente, os setores elétrico e financeiro são os mais representativos do IDIV, respondendo por 53% da carteira, porque as empresas geram caixa e têm necessidade de investimentos baixa. Mas ambos vêm sofrendo mudanças rápidas.
Segundo Roger, as instituições financeiras agora enfrentam a concorrência das fintechs e devem ter os negócios afetados por conta da inadimplência e da necessidade de aumentar as provisões contra devedores duvidosos decorrente da crise. Já o setor de energia pode ser afetado pela seca e pela transição para fontes de energia limpa, o que deve aumentar a necessidade de investimentos e reduzir os lucros das geradoras e distribuidoras.
Há que se considerar não apenas os aspectos estruturais, relacionados ao ambiente competitivo, mas também os fatores conjunturais. No ano passado, por exemplo, a pandemia fez com que muitas empresas reduzissem ou suspendessem o pagamento de proventos para preservar o caixa, antevendo um 2021 mais arriscado.
Outro ponto que o investidor deve analisar é a taxa de juros. Alvarenga diz que na carteira de dividendos da Investmind só entram ações com um patamar mínimo de dividend yield de 6% ao ano, dado que os juros básicos estão em 3,5% ao ano. O percentual acima da taxa Selic é uma espécie de compensação pelos riscos mais elevados das ações, em relação a títulos públicos. A casa analisa também o potencial de ganho de capital da ação: não basta distribuir proventos, é preciso também ter perspectiva de valorização.
Também é importante que a gestão da carteira seja dinâmica: “A mentalidade de buy and hold é comum quando se trata de dividendos, mas não se pode comprar os papéis e esquecê-los”, diz Antunes, da Inove Investimentos. “É preciso saber o valor que se deseja capturar de cada ativo e analisar constantemente se vale a pena continuar com ele”. Pela dedicação exigida, avalia o especialista, o investidor deve avaliar se tem tempo, conhecimento e disposição para gerir a própria carteira ou se é melhor colocar seus recursos num fundo de dividendos.