Verde Asset vê queda de ações de tecnologia nos EUA como correção “saudável” e descarta bolha de preços

Em entrevista, João Julião, gestor da estratégia de ações globais, disse que papéis do setor não estão caros e que fundamentos das "big techs" são sólidos

Beatriz Cutait

(Getty Images)
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SÃO PAULO – O movimento recente de forte queda das ações de tecnologia, que arrastou as bolsas americanas para baixo, não deve assustar o investidor. Pode, inclusive, ser uma oportunidade para reforçar posições consistentes da carteira.

Essa foi a tática adotada pela Verde Asset, conta João Julião, gestor da estratégia de ações globais da casa comandada por Luis Stuhlberger.

Com uma visão de que o movimento foi um ajuste técnico e de que os fundamentos de grandes empresas como Apple, Amazon, Facebook, Microsoft e Google são sólidos, Julião descarta a visão de uma “bolha” de preços no mercado americano, em comparação ao que foi visto cerca de 20 anos atrás com as ações de empresas de internet.

“Vemos que o fundamento está lá, diferentemente da bolha de 2000, e os preços/lucros estão bem justificados, pela estabilidade dessas empresas, que são “Triple A”, de muita qualidade”, afirmou o gestor, em entrevista ao InfoMoney. “Nossa conclusão, por ora, é que não é uma bolha.”

A gestora reduziu no mês passado a exposição ao mercado internacional por uma visão tática, sem mudanças estruturais, até pelo fato de a avaliação positiva ter virado consenso.

O fundo Verde, o mais conhecido da casa, tem em torno de 4% de ações estrangeiras, bem abaixo da alocação máxima do ano, de 40%.

Mas pensando na estratégia de fundos dedicados ao exterior, que responde por R$ 1,8 bilhão sob gestão, a asset ainda gosta da tese de tecnologia, assim como de empresas ligadas a novas tendências geradas pela epidemia de coronavírus, vinculadas a imóveis e internet.

Atualmente, cerca de 30% do portfólio estrangeiro da gestora está fora dos Estados Unidos, em mercados da Europa e da Ásia.

Na conversa, Julião ainda apontou os riscos a serem monitorados de perto, referentes principalmente às eleições presidenciais americanas, em que a vitória do candidato democrata Joe Biden é hoje parte do cenário base da Verde Asset. Ainda que não seja um tema para o curto prazo, a inflação também vem sendo acompanhada pela casa.

Acompanhe a seguir a entrevista completa.

InfoMoney: O que provocou o movimento de forte queda das ações de tecnologia ao longo da última semana?

João Julião: Já vínhamos monitorando a alta. O que mais nos preocupava era a velocidade de subida, principalmente no mês de gosto. Viemos de uma temporada de resultados boa no segundo trimestre. Se olharmos os resultados de Apple, Amazon, Microsoft, Google e Facebook, foram muito bons e puxaram muito a performance das ações no mês de agosto. Vimos que os fundamentos estavam lá, mas o que preocupou foi a velocidade de alguns movimentos, como da Tesla, e a posição técnica.

Observamos que pessoas físicas começaram a comprar muitas opções de compra dessas empresas. Vimos quase US$ 300 bilhões de contratos em aberto, que é um patamar muito alto.

São pessoas físicas principalmente especulando, comprando opções com a cabeça de ganhar muito dinheiro em um curto espaço de tempo. Então gostamos de muitas dessas ações, vemos que os fundamentos estão bons, mas a parte técnica piorou por conta dessa questão de opções.

Vemos que essa correção é saudável, vai limpar um pouco essa parte de opções. Passando isso, achamos que a volatilidade das ações começa a baixar.

IM: Com essa visão e as questões técnicas mencionadas, podemos descartar a existência de uma bolha no mercado de ações?

Julião: Esse tem virado um tema recorrente das nossas reuniões na Verde. O Luis [Stuhlebrger] ficou bem preocupado e é inevitável comparar o período atual com o da bolha de tecnologia no final dos anos 1990, começo dos anos 2000.

Tem algumas similaridades, como as ações de tecnologia performando muito bem, semelhante ao que foi naquela época, e com o S&P 500 com uma participação enorme do setor.

Estudamos isso bastante e a nossa conclusão é que são os fundamentos que justificam os preços, não vemos as empresas tão caras. Principalmente as “big 5”, que têm hoje quase 25% do S&P 500 e uma relação preço/lucro em torno de 25 vezes.

Esse valuation vem subindo ao longo dos últimos anos, mas não é tão caro. Na época da bolha, a relação P/L era acima de 50 vezes.

Hoje enxergamos que essas empresas estão mais consolidadas, com receitas mais previsíveis. Já vinham passando por bons momentos, por tendências seculares em que cada uma delas estava navegando quase que individualmente, e a pandemia criou ainda mais oportunidade.

A maioria dessas empresas está crescendo lucro, enquanto todo o resto do mercado está caindo. O sucesso delas, que obviamente tem muito mérito próprio, acaba sendo um pouco da destruição de outras empresas pequenas prejudicadas pela pandemia.

Vemos que o fundamento está lá, diferentemente da bolha de 2000, e os preços/lucros estão bem justificados, pela estabilidade dessas empresas, que são “Triple A”, de muita qualidade. E, querendo ou não, com a taxa de juros atual, em um mundo de juros reais negativos, é um investimento muito mais atrativo que qualquer outro no mercado.

Nossa conclusão, por ora, é que não é uma bolha. Os valuations são justificados pelos fundamentos, mas tecnicamente existe um exagero. No agregado, não vemos bolhas, mas existem algumas bolhas no mercado? Acredito que sim. Algumas empresas nós não conseguimos justificar [os preços], mas isso é exceção.

IM: Na última carta a investidores do fundo Verde, a gestora decidiu reduzir a posição em ações globais para o menor nível desde fevereiro. Vocês mencionaram que enxergavam exageros incipientes no mercado, com uma relação de risco-retorno pior. Qual a representação do mercado internacional na carteira do fundo hoje?

Julião: Vínhamos de uma posição muito otimista, que era muito contrária ao pensamento comum por volta de março, abril. Falamos muito, principalmente o Luis, da visão de que o mercado voltaria, subiria bastante, mas não achávamos que seria tão rápido.

E isso foi acontecendo, as coisas foram melhorando, a situação ficou bem mais clara, a vacina ficou para sair e até um pouco dessa economia em “K” que a gente chama. A economia digital melhorou muito, acelerou tendências, mas muito da economia real caiu bastante e ainda não voltou.

Nossa opinião, que era muito contrária, passou a ser um pouco mais aceita e agora, de uma forma ou outra, vemos que não é mais uma posição diferente, até um pouco de consenso. Por isso, taticamente resolvemos reduzir. Hoje em dia, o Verde tem em torno de 3% a 4% de ações lá fora. Tinha mais de 40% no high, por volta de abril.

Tínhamos uma preocupação técnica sobre o Nasdaq e o S&P 500 e tem eleição à frente, que sempre traz volatilidade. Vemos que é uma eleição ainda muito dividida, Biden tem a liderança, mas o cenário tem mudado tanto e tão rápido que pode trazer volatilidade para o mercado.

E como será uma eleição diferente, predominantemente por correio, será um processo mais trabalhoso para apuração e pode ter uma judicialização dos resultados. Então vai ser um período mais turbulento.

Achamos melhor reduzir taticamente, esperar a poeira baixar e pegar um preço melhor para poder aumentar.

IM: Hoje onde vocês estão alocados no mercado internacional?

Julião: Gostamos muito do setor de tecnologia, é um tema muito relevante. Reduzimos um pouco no mês passado e temos voltado aos poucos a recomprar nesta queda. Principalmente Amazon e Facebook, empresas relevantes no portfólio.

E alguns setores estão sendo beneficiados por essa mudança. Não é o “novo normal”, mas as pessoas estão ficando e trabalhando mais de casa, tem havido uma tendência a melhorar suas casas.

Temos uma posição em Lowe’s, de departamento, como uma empresa de material de construção americana, que tem crescido muito na pandemia.

Gostamos muito do setor de internet a cabo, que foi de certa forma beneficiado, com todo mundo mais conectado. É um setor que virou quase serviço essencial. Você precisa de eletricidade, água e internet funcionando bem e confiável. Investimos na empresa americana Charter.

Em tecnologia, gostamos muito de e-commerce, em que a Amazon é a dominante. Apesar de já ser uma empresa enorme, ainda consegue crescer e mais que a concorrência. Tomou participação no mercado, apesar do seu tamanho.

IM: Na carteira global, vocês têm posições em outras regiões, como Europa e Ásia? Como estão encarando as perspectivas para esses outros mercados?

Julião: Com o Fed [banco central americano] sendo mais dovish, com essa mudança de política monetária, muito mais frouxa do que a imaginávamos há alguns anos, e perdurando durante muito tempo, a taxa de juros pode ficar baixa durante alguns anos. Mesmo se a inflação subir, estão tranquilos em deixá-la correr um pouco para compensar a inflação baixa dos últimos anos.

O dólar tinha um diferencial de juro real importante, mas agora já vemos juro real negativo nos EUA. Com isso, começamos a fazer alocação fora dos EUA também.

Hoje em dia, mais ou menos 30% da carteira está fora dos EUA, pensando nesse tema de dólar um pouco mais fraco e se beneficiando de juros baixos no mundo inteiro.

Uma posição que temos há algum tempo é em ações de imóveis na Alemanha, de casas residenciais, que se beneficiam dos juros menores. É um ótimo carrego para ter no mundo de juros negativos e ainda mais com o euro com risco de cauda a favor agora, com praticamente todos os bancos centrais imprimindo dinheiro.

Compramos também um pouco de ações na Ásia, temos posição em Taiwan, em empresas que fabricam semicondutores, que também se beneficiam da moeda.

E vemos que, se o Biden realmente for eleito como as pesquisas apontam, teremos um ambiente comercial no mundo muito mais favorável do que na era Trump. Ele tende a ser muito mais diplomático e pode ser muito bom para empresas de países emergentes, principalmente da China e ao redor na Ásia.

IM: A Vitória de Joe Biden está no cenário base da Verde?

Julião: A princípio, sim. Pelo que acompanhamos nas pesquisas e no mercado de probabilidade, e até pelo mercado de ações, Biden sai como vencedor.

Trump tinha a liderança até o começo de junho, mas foi perdendo popularidade depois do “Black Lives Matter”, um pouco com a aceleração dos casos de Covid. Sua popularidade foi caindo e chegou a níveis de aprovação muito baixas e parecidos com os de outros presidentes que não foram reeleitos.

O cenário ainda é muito fluido, talvez com uma vacina, a reabertura rápida da economia. Tem uma série de fatores que podem mudar o jogo, mas, falando hoje, ainda vemos o Biden como favorito.

IM: Em relação aos riscos no horizonte, que outros fatores podem atrapalhar a tese da Verde?

Julião: O grande risco seria haver uma alta muito forte na inflação e nas expectativas futuras de inflação. Esse ambiente de inflação controlada e baixa tem permitido tanto aos governos darem mais incentivos fiscais quanto os bancos centrais darem muitos estímulos monetários, sem afetar a inflação e as expectativas futuras.

Mas se tivermos uma desancoragem por conta de todo esse dinheiro que foi colocado na economia, ela poderia causar uma forte queda dos mercados, porque as taxas de juros futuros teriam que subir e seria necessário descontar o valor das empresas com uma taxa de juros maior. Os bancos centrais ainda teriam que subir os juros de alguma forma para corrigir as expectativas.

Mas isso é um evento de baixa probabilidade, que seria um grande driver de queda.

E além da eleição, tem a dinâmica da eleição. Trump ainda está tentando ganhar e, para isso, está construindo a narrativa de um inimigo. A economia entrou em crise, o desemprego está alto, aparentemente não tem um inimigo, mas ele está culpando a China como a causa do coronavírus. Dessa forma, se cria uma narrativa de guerra. Ele começou a subir o tom e proibir empresas chinesas de comprarem equipamentos de americanas.

Isso afeta não só a economia chinesa, mas a própria economia americana. Companhias como a Apple têm 20% das receitas na China. Se houver muita retaliação de um lado ou de outro, pode causar uma queda no mercado.

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Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.