Usuário de Bitcoin chega a pagar R$ 250 para mandar R$ 1 em BTC — e culpa é das memecoins

Nova "febre" de criptomoedas meme congestiona Bitcoin e preocupa usuários; moeda digital está em perigo?

Paulo Barros

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Não é de hoje que o Bitcoin (BTC) é alvo de previsões apocalípticas como as de Jamie Dimon, CEO do JPMorgan, que já falou algumas vezes que a criptomoeda não tem futuro — em janeiro, por exemplo, ele afirmou que se trata de uma “fraude cheia de hype”.

A ameaça da vez, no entanto, vem de dentro da própria criptomoeda: uma avalanche de tokens sem sentido inspirados em memes vem congestionando a rede da moeda digital. Na semana passada, a Binance foi até mesmo obrigada a congelar saques de Bitcoin para lidar com a situação.

O fenômeno ganhou força no último mês, quando o Bitcoin começou a ter dificuldades para processar certas transações, e as taxas pagas para operar na rede dispararam para a casa dos R$ 250, seja para enviar R$ 1 ou R$ 1 milhão em BTC. Imediatamente, o problema acendeu o alerta de quem defende que a criptomoeda pode substituir empresas como Visa e Mastercard no processamento de pagamentos. Afinal, o que será do Bitcoin se tiver problemas para liberar transferências?

O que aconteceu?

Tudo começou com o surgimento em massa de memecoins na esteira do sucesso da Pepe Coin (PEPE), token da rede Ethereum (ETH) que disparou 5.000.000% entre abril e o começo de maio. O movimento acabou inspirando especuladores a tentarem o mesmo feito, só que na rede do Bitcoin, lançando mão de uma nova função para criação de tokens.

Uma das culpadas pelo congestionamento foi a criptomoeda Ordi, que estreou há duas semanas e viu seu valor de mercado subir para até US$ 900 milhões — só de sexta-feira (12) para cá, ela já valorizou 116%, mesmo com o Bitcoin enfraquecido. O token foi criado em referência ao protocolo Ordinals, que explora novas funções do BTC.

“[O protocolo Ordinals foi] lançado no final do ano passado e permite registrar mais coisas na blockchain do Bitcoin”, explicou o cientista da computação e professor de segurança da informação Edilson Osorio, fundador e CEO da startup OriginalMy, em entrevista ao Cripto+ (assista à íntegra acima).

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“A partir daí, surgiram duas aplicações: uma foram os inscriptions, para NFTs; e na sequência criaram o BRC-20, [padrão] para geração de tokens no Bitcoin”.

Congestionamento

O Bitcoin é capaz de processar apenas 7 transações por segundo, o que se tornou insuficiente com o aumento repentino de operações com memecoins — cada criação e envio desses ativos entre carteiras equivale a uma operação de BTC.

Com o aumento da demanda, verificadores de transações (os mineradores) começaram a cobrar mais alto pelo trabalho, gerando um efeito em cascata que resultou em uma fila de operações não processadas: quem não topou pagar alto para finalizar uma transferência acabou indo para as últimas posições.

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Osorio, no entanto, minimiza o problema. No final das contas, explica, quem saiu perdendo foram principalmente os operadores dessas memecoins, e não o usuário real de Bitcoin.

“Tecnicamente, o Bitcoin não parou, continua funcionando da mesma maneira em que foi projetado. O Bitcoin tem uma lógica em que o minerador escolhe as transações para processar, então se tem uma fila muito grande de transações, ele vai pegar as transações que tem um fee (taxa) maior, como se fosse um leilão”, detalha o especialista.

Quando há uma fila na ordem de 500 mil transações, conta, não cabem todas em um único bloco de verificação, que tem tamanho limitado. Com isso, usuários optam por voluntariamente pagar mais para o minerador para passar na frente. “Na prática, o Bitcoin continua processando um bloco a cada 10 minutos”.

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Bitcoin sob possível ataque

Não é a primeira vez que o Bitcoin enfrenta problemas para processar transações. Situação parecida aconteceu em 2017, quando os empresários Wu Jihan, fundador da mineradora Bitmain, e Roger Ver teriam patrocinado um ataque coordenado contra o Bitcoin. Amplamente acusados do malfeito pela comunidade cripto, eles acabaram saindo ilesos porque as criptos não são reguladas.

Ver e Jihan teriam supostamente desembolsado cerca de US$ 1 bilhão para afogar a rede do Bitcoin em um alto volume de transações, com o objetivo de fazer usuários migrarem para a alternativa chamada Bitcoin Cash (BCH), que havia acabado de surgir com a chancela da dupla.

Para Osorio, algo similar pode estar acontecendo mais uma vez. “[O problema atual] tem características do ataque que aconteceu em 2017, em que a rede teve um volume muito alto de transações, mais do que caberiam em um bloco [de verificação], então o fee de transação acabou aumentando”, disse o professor.

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Criptomoeda sob ameaça?

Apesar dos preços para operar no Bitcoin terem aumentado, e que alguns usuários tenham tido atrasos reais para enviar BTC, especialistas têm poucas preocupações com o futuro da criptomoeda por conta da avalanche de memecoins.

“É um movimento natural de acomodação de uma nova funcionalidade dentro de uma rede estabelecida. Obviamente não pode se tornar algo frequente, mas é bastante natural acontecer isso no início”, comentou, Vivian Satie, head de investimentos alternativos da Eleven. “[A situação] deve se normalizar ao longo do tempo. Para a rede do Bitcoin é muito positivo, porque atrai novos usuários e investidores”.

Mesmo considerando um cenário em que as memecoins persistam e sigam congestionando a rede do Bitcoin, Osorio aposta que a tecnologia se sairá ilesa graças a soluções paralelas que já estão ajudando a moeda digital a ganhar escala.

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“O Bitcoin foi construído para fazer 7 transações por segundo, então é impossível competir [sozinho] com uma Mastercard, que faz 30 mil transações por segundo. Por isso foram criadas redes como a Lightning Network. Uma vez que o Bitcoin está nessa rede, é possível transacionar por taxas irrisórias, com capacidade de fazer 1 milhão de transações por segundo”.

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Paulo Barros

Jornalista pela Universidade da Amazônia, com especialização em Comunicação Digital pela ECA-USP. Tem trabalhos publicados em veículos brasileiros, como CNN Brasil, e internacionais, como CoinDesk. No InfoMoney, é editor com foco em investimentos e criptomoedas