Tokens de renda fixa oferecem retorno de até 1,5% ao mês; como funcionam e quais são os riscos?

Ativos digitais atrelados a recebíveis surgem como novas alternativas de diversificação de carteira

Paulo Barros

(Getty Images)
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A taxa Selic em alta impulsionou a busca por aplicações de renda fixa que ofereçam retorno acima de 1% ao mês – patamar que é quase um número cabalístico para os investidores brasileiros. Com isso, um novo tipo de produto começa a se destacar: os tokens de renda fixa, que podem entregar até 1,5% de rentabilidade mensal.

O número vem chamando atenção dos investidores. Segundo as empresas brasileiras Liqi e MB Tokens, que atuam no setor, mais de R$ 200 milhões já foram tokenizados e comercializados no País em cerca de dois anos.

Os tokens de renda fixa são versões digitais de ativos financeiros com rentabilidade prefixada. Ou seja, apesar de serem criptoativos, não sofrem com a volatilidade de moedas digitais como o Bitcoin (BTC), e o investidor sabe de antemão quanto vai receber ao final de um determinado prazo, assim como na renda fixa convencional.

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Há, no entanto, diferenças fundamentais entre a renda fixa tokenizada e a tradicional. Confira, a seguir, tudo o que é precisa saber sobre esse novo tipo de investimento.

O que são tokens de ativos financeiros

Para entender essa novidade, é preciso antes saber como funciona a tokenização – que, em outras palavras, é o processo de criação de representação digital de outros ativos, sejam financeiros ou não financeiros, dentro de uma blockchain.

Blockchain é uma tecnologia de rede de dados auditáveis e imutáveis, protegidos com criptografia. Usada por criptomoedas, a solução passou a ser adotada também por empresas do mercado financeiro pela capacidade de personalização: quando estão em blockchain, os ativos financeiros podem ser tratados como programas de computador.

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“O token representa um ativo fungível ou não fungível. Os fungíveis são ativos como as ações, que você pode trocar um por outro. E não fungível é um ativo que não pode ser trocado por outro, como um [título de propriedade de um] imóvel ou um carro”, explica Cristian Bohn, cofundador e diretor de estratégia da Parfin.

“Todos esses ativos podem ser representados em uma blockchain e, com isso, é possível ter automação da liquidação dos ativos. Um participante pode mandar esse ativo para outro – os clientes de um banco, por exemplo – sem precisar de intermediários”, explica.

No futuro, prevê Bohn, haverá fintechs ou bancos dando acesso a esses protocolos de compra e venda, de empréstimo, derivativos e de seguros, por exemplo, diretamente para o cliente final, executados de forma autônoma.

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Como funcionam os tokens de renda fixa

Os tokens de renda fixa têm origem nesse conceito. Eles são produtos financeiros já conhecidos por boa parte dos investidores, mas totalmente digitais. Os mais comuns são os de recebíveis, em que uma empresa que tem um valor a receber transforma esse direito em um ativo digital, e o disponibiliza no mercado para compra por qualquer investidor interessado – inclusive pessoa física.

Pela antecipação, a empresa emissora oferece um desconto sobre o valor a receber, que é repassado aos compradores dos tokens.

No mercado financeiro, esse tipo de operação é normalmente intermediado pelos FIDCs (fundos de investimentos em direitos creditórios), que compram créditos de empresas que precisam antecipar pagamentos, transformam em títulos e os repassam a investidores, a uma taxa prefixada.

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Os FIDCs, no entanto, seguem disponíveis apenas para investidores qualificados, na maior parte dos casos, e para profissionais (com mais de R$ 10 milhões em aplicações financeiras), no caso de FIDCs não-padronizados. Os chamados investidores de varejo só poderão ter acesso a esses instrumentos a partir de outubro, quando entra em vigor uma nova resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Quais são os benefícios para o investidor?

Uma vez que os ativos financeiros estão tokenizados, é possível usar protocolos para automatizar serviços que hoje os bancos oferecem, eliminando intermediários e reduzindo custos da operação.

Os tokens buscam repassar esse ganho para as duas pontas: o emissor, que é a empresa que busca levantar capital antecipando recebíveis com um desconto menor; e o investidor, que consegue ter acesso a uma rentabilidade mais alta do que na renda fixa tradicional.

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Desse modo, mesmo após os FIDCs serem liberados para o investidor pessoa física, os tokens de renda fixa podem seguir atrativos por sua estrutura mais barata.

“Tem muito menos intermediário, muito menos custo em uma operação de tokenização versus uma de FIDC, então o retorno tende a ser melhor para o investidor. Sobra dinheiro dentro da estrutura, e isso acaba sendo repassado para o investidor e para o dono do ativo”, ressalta Daniel Coquieri, CEO da empresa tokenizadora de ativos Liqi.

Além disso, destaca o executivo, os tokens de renda fixa permitem começar com pouco, a partir de R$ 25.

Tipos de tokens de renda fixa

Entre os tokens de recebíveis, os mais encontrados são de:

Nos tokens de risco sacado, por exemplo, um fornecedor de uma varejista que tem valores a receber transforma o crédito em tokens e os distribui a investidores que topam esperar mais tempo em troca de uma remuneração prefixada.

Dessa forma, o dono do crédito recebe o valor descontado com antecedência, e o valor cheio cai na conta do investidor ao final de um prazo pré-estabelecido, na proporção dos tokens adquiridos.

Qual é a rentabilidade e quanto é possível investir?

Os tokens de renda fixa têm sempre rentabilidade prefixada, portanto não são atrelados a índices como a taxa do CDI, tão comum na renda fixa tradicional.

Os retornos variam de 1,3% a 1,5% ao mês, a depender da oferta – alcançando, portanto, retornos anualizados entre 15,6% e 18%. Dessa forma, eles superam a taxa Selic, atualmente estacionada em 13,75% ao ano.

Os tokens também não costumam ter limite de compra. Na tokenizadora Liqi, por exemplo, um único investidor pode adquirir uma oferta inteira, que no passado já chegou na casa dos R$ 800 mil.

“Acho difícil isso acontecer, porque [o cliente] tem que ter o caixa inteiro da oferta na carteira e precisa apertar o botão antes de todo mundo”, explica Coquieri. “Isso nunca aconteceu. Temos mais de 7.500 na plataforma, então sempre quando lançamos uma nova oferta, algumas dezenas ou centenas de pessoas acabam comprando”.

Um exemplo: os tokens emitidos pela financeira SB Crédito são recebíveis de risco sacado comercializados na plataforma Liqi com retorno de 1,3% ao mês (ou 16,77% ao ano). Investidores de uma oferta desses ativos realizada na última quinta-feira (30) receberão o valor acrescido dos juros no dia 3 de maio. Na prática, quem investiu R$ 1.000 vai receber R$ 1.014,30.

Se a oferta inteira de R$ 135.578,84 fosse adquirida por um só investidor, ele receberia no vencimento R$ 139.337,03 – um ganho de quase R$ 4 mil em cerca de um mês.

Como comprar tokens de renda fixa

As plataformas que oferecem os tokens de renda fixa funcionam de forma parecida com corretoras de investimentos tradicionais. O interessado precisa criar uma conta, transferir recursos e usar o saldo para aplicar nos ativos disponíveis.

Após receber os pagamentos, os valores caem na conta do usuário na plataforma, e podem ser transferidos para qualquer banco.

Os tokens ficam custodiados na corretora e não podem ser transferidos para carteiras digitais, como acontece com demais criptoativos.

É preciso esperar até o vencimento?

Apesar de terem tecnologia para isso, os tokens de renda fixa ainda não contam com mercados secundários desenvolvidos. Por esse motivo, o investidor não pode se desfazer do ativo adquirido antes do vencimento – é preciso, obrigatoriamente, esperar o fim do contrato para receber de volta o valor aportado e os juros prometidos.

Para driblar esse ponto fraco, corretoras costumam oferecer ativos com vencimentos curtos, entre um e três meses.

“O prazo curto de muitos tokens de renda fixa é um contrapeso interessante em relação aos maiores riscos do emissor e à qualidade do crédito. É muito diferente de quando avaliamos riscos de prazos maiores, como anos ou décadas”, diz Vivian Satie, head de investimentos alternativos da Eleven Financial Research.

É permitido por lei?

Tokens de renda fixa não são regulados no Brasil, mas também não são proibidos. Empresas que atuam no ramo operam em uma zona regulatória cinzenta, e ultimamente estão em contato mais próximo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para evitar infrações.

A CVM está ciente das ofertas disponíveis, que não podem ser promovidas nas redes sociais ou outros canais: a única forma de ficar sabendo é se cadastrando nas plataformas para ser avisado.

Eventualmente, a autarquia também pode interferir para impedir ofertas que podem configurar valores mobiliários. Mas, até aqui, essas medidas não afetaram investidores.

A certa altura, a Liqi chegou a comercializar tokens de recebíveis de cartão de crédito, que representam a antecipação de um lojista que tem valores parcelados a receber de clientes. No entanto, por orientação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), esse tipo de oferta foi suspensa.

A tokenização é vista como benéfica pela autoridade do mercado de capitais. A CVM está testando ofertas de tokens de valores mobiliários em regimes especiais, e está atenta à possibilidade de aplicação no mercado da economia verde.

“Imagina criar, por meio da tokenização, a possibilidade de pessoas de diferentes países investirem em créditos de carbono brasileiros, emitidos por empresas brasileiras”, comentou o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, em evento do grupo empresarial Lide realizado em março em São Paulo.

Quanto se paga de imposto

Os tokens de renda fixa seguem as mesmas regras de tributação dos criptoativos, portanto são isentos de IR se o ganho mensal em todas as operações somadas ficar em até R$ 35 mil.

Se o lucro ultrapassar esse patamar em um mês, incidem as regras gerais de ganhos de capital, que acompanha a tabela de tributação anual progressiva a seguir:

Ganhos Tributo
Abaixo de R$ 5 milhões 15%
Entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões 17,50%
Entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões 20%
Acima de R$ 30 milhões 22,50%

No caso de necessidade de pagamento de imposto, o tributo deve ser recolhido até o último dia do mês subsequente ao ganho de capital, por meio de um Darf, usando código de receita 4600.

Quais são os riscos envolvidos

Embora sejam inovadores do ponto de vista tecnológico, os tokens de renda fixa trazem alguns elementos similares a instrumentos tradicionais, mas sem as mesmas proteções. O investimento não é coberto pelo FGC (Fundo Garantidor de Créditos), por exemplo.

“Quando avaliamos os ativos em si, estamos olhando para estruturas financeiras voltadas para antecipação de recebíveis ou até mesmo estruturação de dívidas corporativas de empresas não listadas”, destaca Satie, da Eleven.

Segundo ela, investidores devem estar atentos à saúde financeira do emissor, garantias envolvidas, risco do negócio e riscos de crédito, incluindo a qualidade e percentual de inadimplência, assim como fatores externos, como inflação e aumento de juros.

Investidores também devem ficar de olho nos riscos de liquidez, alerta a especialista, já que esses ativos ainda não têm um mercado secundário amadurecido.

Outro ponto de atenção é o desenho da oferta digital: embora o retorno seja maior, os tokens de recebíveis não trazem proteções próprias dos FIDCs, que têm cotas especiais que precisam ser adquiridas pelo emissor como uma espécie de “seguro” contra fraquezas na qualidade do crédito.

“Este ponto pode afetar a liquidez do fundo no mercado secundário e trazer dificuldades, por exemplo, para um investidor que queira vender suas cotas antes do vencimento. Desta forma, o investidor precisa entender seu perfil de risco e definir percentuais de investimento que acomodem tais riscos em seu portfólio como um todo”, alerta Satie.

Para qual perfil de investidor os tokens de renda fixa são adequados?

Embora prometam uma rentabilidade prefixada, o risco inerente a uma tecnologia nova e ainda pouco testada fazem com que os tokens de renda fixa sejam destinados a um investidor com perfil de risco distinto.

“Quando avaliamos a rentabilidade, o investidor deve entender que, dados os riscos maiores, o emissor oferece um prêmio maior, e é este conjunto de fatores que devem ser considerados para definir o percentual de alocação em tokens de renda fixa”, avalia a analista da Eleven. “De maneira geral, o perfil do investidor, neste caso, deve tolerar maior risco em sua cesta de ativos”.

Confira um resumo sobre os tokens de renda fixa:

Rentabilidade Entre 1,3% e 1,5% ao mês
Prazos de vencimento Curtos, geralmente entre 1 e 3 meses
Tipos disponíveis De recebíveis: consórcios, aluguéis e risco sacado
São regulados? Não, mas também não são proibidos no Brasil
Perfil indicado Mais tolerante a tomar risco (por ser muito novo)
Paga imposto? Isento até R$ 35 mil de lucro por mês
Pontos fracos Requerem gestão contínua da carteira (prazos curtos), pouca oferta, falta de mercado secundário (precisa ficar até o vencimento), corretoras muito novas

Paulo Barros

Editor de Investimentos