“Tempestade perfeita” abala CRAs e afeta Fiagros; gestoras acionam garantias

Casas acreditam na recuperação total dos créditos, mas não negam que processo pode ser demorado

Bruna Furlani

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Uma “tempestade perfeita” abalou o agronegócio brasileiro nos últimos meses com efeitos para diversos ativos que alocam no setor. Quebras de safra, recuo nos preços de algumas commodities e recuperações judiciais de empresas ganharam as páginas dos jornais e preocuparam também investidores pessoas físicas, que demostraram forte interesse por fundos de investimento das cadeias produtivas agroindustriais, os Fiagros, desde sua criação.

Entre os ativos que tiveram problemas há Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), que foram adquiridos por vários credores, como fundos. Um estudo prévio feito pela Uqbar, com base em relatórios gerenciais de janeiro, dá uma dimensão dos atrasos em títulos adquiridos por dois Fiagros-FIIs (produtos que alocam em ativos imobiliários). São eles: Galapagos Recebíveis do Agronegócio (GCRA11) e SFI Investimentos do Agronegócio (IAGR11).

A pesquisa levou em conta 11 relatórios gerenciais apresentados até agora, já que há um atraso na divulgação dos documentos. Os demais devem ser disponibilizados ao longo dos próximos dias. Ao todo, há 45 Fiagros-FIIs em operação atualmente.

No fundo da Galapagos há três companhias com problemas e que fazem parte do portfólio do produto: CRA Três Irmãos, em que o devedor é a Agropecuária Três Irmãos Bergamasco LTDA; CRA Mitre, que tem como devedor a Mitre Agropecuária; e CRA Castilhos, que tem a Agrícola Formosa LTDA como devedor. Os dois primeiros casos envolvem recuperações judiciais (RJs), enquanto o terceiro trata de atrasos no pagamento da amortização.

Atualmente, os CRAs Três Irmãos respondem por 12,2% da carteira do fundo da Galapagos, seguidos pelos títulos da Castilhos, com 10,6%, e Mitre, com 8,8%. Apesar dos problemas, Felipe Solski, gestor à frente do Fiagro da Galapagos, defende ver uma chance de recuperação de todos os créditos devidos e afirma que não vai aceitar qualquer tipo de hair cut (desconto dado a dívidas problemáticas).

Apesar de dois deles envolverem RJs, os CRAs em questão ficaram de fora do processo pelo fato de a casa possuir algumas garantias, como a alienação fiduciária de terras. Na prática, por meio dessas garantias, o devedor (Agropecuária Três Irmãos Bergamasco LTDA, por exemplo) oferece ao credor (Galapagos) um bem ou uma propriedade como garantia da dívida assumida. “Por mais que tenha oscilações, vemos a terra como principal ativo desses devedores. Temos um histórico de valorização desse tipo de ativo no Brasil”, diz.

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Já no caso do CRA Mitre (CRA0220058X), Solski explica que a casa detém avalistas relevantes na operação — com destaque para Jorge Mitre, que faleceu em 2022 e que deixou um espólio (conjunto de bens, direitos e obrigações da pessoa falecida), atualmente sob discussão familiar.

“O aval coloca uma capacidade recuperação maior a esse crédito do CRA, dado que a maior parte das dívidas da companhia não apresenta aval e o espólio possui um patrimônio relevante capaz de quitar toda a dívida”, resume o executivo da Galapagos.

Apesar de estar confiante nas negociações com as empresas e com os demais credores, Solski admite que há um passo a passo processual e que uma RJ coloca prazos para aprovação de um plano, o que pode levar cerca de seis meses.

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Mais CRAs com atrasos

Dentro da SFI Investimentos, há problemas com os mesmos CRAs da carteira do produto da Galapagos (Mitre, Três Irmãos e Castilhos), além de dois títulos da Piva, em que houve o vencimento antecipado. Em relatório gerencial, a SFI afirma já ter dado início ao processo de execução das garantias, que envolvem a alienação fiduciária de imóveis e de uma lavoura, além de um fundo de liquidez. A casa foi procurada para comentar a situação de seu produto, mas não retornou o contato do InfoMoney.

Como fica o investidor?

As notícias envolvendo atrasos em alguns CRAs tiveram reflexo direto em investidores, que viram um recuo nas cotas dos produtos, atualmente negociadas com desconto em relação ao valor patrimonial, como o fundo da Galápagos. A situação também teve efeito negativo sobre os rendimentos entregues por algumas casas, caso da SFI Investimentos.

Guilherme Sharovsky, investment banker da Bloxs Capital Partners, diz que é natural pensar que um “gargalo” em papéis da carteira vai afetar os dividendos mensais, mesmo que seja uma inadimplência temporária. Apesar disso, o profissional destaca que é importante analisar o histórico da casa e entender os ativos que o gestor está investindo. Ele lembra que, se há um título no portfólio do fundo com retorno de CDI+8,50%, por exemplo, é porque ele tende a ter um risco maior.

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“Quando se investe em um fundo mid (médio risco e retorno) e high yield (maior risco e retorno), é possível que haja algum default (calote). É preciso que o investidor adeque as expectativas de retorno com o risco do portfólio”, destaca Sharovsky.

Embora haja riscos, ao analisar os casos, o especialista da Bloxs avalia que todos os CRAs estressados possuem chance de recuperação, já que possuem alguma forma de garantia real e porque o valor de venda das garantias é maior do que o saldo devedor.