SÃO PAULO – O investidor pessoa física se vê às voltas com um imbróglio que tem repercutido no mercado de fundos imobiliários e que pode levar boa parte dos mais de 10 mil cotistas de um fundo conhecido a ser obrigada a vender sua participação no ativo – e por um preço abaixo do desejado.
Isso porque o TB Office, proprietário de 100% do edifício Tower Bridge Corporate, na região da Berrini, em São Paulo, é alvo agora de duas propostas de venda de seu único ativo para outro fundo. A operação está sendo contestada por parte dos acionistas, diante da acusação de existência de conflito de interesses em um dos casos e também pela intenção em si das propostas.
Um dos potenciais compradores do TB Office (responsável pela primeira oferta) corresponde ao fundo imobiliário Hedge AAA, administrado pela Hedge Investments e ainda em fase pré-operacional, a ser destinado a até 50 investidores profissionais em oferta restrita. A mesma Hedge é acionista do TB Office por meio de seus fundos de fundos Hedge Top FOFII FII 1, 2 e 3. Desta forma, a casa seria ao mesmo tempo vendedora e compradora na operação.
O valor a ser pago também recebeu críticas. A Tower Bridge Corporate foi avaliada em R$ 995,2 milhões no último laudo, elaborado pela CBRE, mas recebeu proposta para ser vendida por aproximadamente R$ 909,5 milhões (correspondente a um metro quadrado avaliado em torno de R$ 16,1 mil). Na Bolsa, o valor de mercado do TB Office era de R$ 906,5 milhões ao fim de outubro.
O TB Office é administrado pelo BTG Pactual. O fundo Hedge AAA, que ainda não saiu do papel, pagaria pelo ativo a partir de emissão primária de cotas e uma respectiva oferta pública, além de uma captação por meio da securitização dos recebíveis imobiliários previstos na transação.
A polêmica atingiu novas proporções na noite de terça-feira (12), quando uma nova proposta foi colocada na mesa, desta vez da BlueMacaw, gestora que tem à frente Marcelo Fedak, ex-Blackstone. O valor oferecido pela casa, que partiria do fundo BlueMacaw Office Fund (também a ser constituído, porém a ser listado na B3), foi de R$ 924,6 milhões, apenas 1,7% acima da proposta do fundo Hedge AAA.
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Segundo uma fonte próxima à BlueMacaw, pesou na decisão da gestora o descontentamento mostrado por alguns cotistas do TBOF11 com a proposta da Hedge, que a fez enxergar uma oportunidade e rapidamente desenhar uma negociação mais “democrática”, que poderá incluir, a depender de conversas com o órgão regulador, um direito de subscrição aos cotistas do TB Office para integrar o novo fundo com o edifício.
A estratégia da BlueMacaw é contar com 20% a 60% do valor de compra do edifício a partir da emissão de dívida. A proporção restante seria levantada com uma oferta pública.
A gestora espera, de acordo com a fonte, que os cotistas agora rejeitem a propostas da Hedge, ou decidam adiar a assembleia geral extraordinária do TB Office, marcada para a próxima segunda-feira (18), de modo a incluir a nova proposta na votação.
Ao InfoMoney, André Freitas, sócio e responsável pelas carteiras de FIIs da Hedge Investments, disse que ainda precisa avaliar a oferta da BlueMacaw para conferir se ela é “válida e suportável”, e defendeu sua oferta inicial: “Isso não é um jogo de pingue pongue”.
Cotistas questionam
Para Ricardo Orihuela, membro do Grupo de Investidores de Fundos Imobiliários (Grifi) e cotista do TB Office, a nova oferta é melhor do que a feita pela Hedge, mas segue depreciada em relação ao valor do imóvel. “Continua um péssimo negócio, o melhor seria continuar como está. Ninguém solicitou que o prédio fosse vendido. Isso é uma oferta hostil, um takeover [aquisição] que a CVM não deveria deixar acontecer. Todos os minoritários e a indústria sairão machucados se esse evento se concretizar”, afirmou, em conversa com o InfoMoney.
Segundo ele, o grupo e demais cotistas já estão se organizando para solicitar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) um adiamento da assembleia. O Grifi é um grupo independente de cotistas de fundos imobiliários criado em 2012 que tem cerca de 50 membros com participação ativa em assembleias e em discussões sobre investimentos no mercado.
Além de questionarem a venda, esses investidores contestam o valor da proposta, quase 10% abaixo da avaliação mais recente feita pelo BTG Pactual com a CBRE, que avalia o imóvel em R$ 995,2 milhões – valor que não embute o potencial de valorização futura, segundo o banco.
“O valor [da oferta da Hedge] voltou a perto de R$ 1 bilhão, que foi o preço pago lá em 2014. Isso já causa estranheza, porque o laudo [da Hedge] não leva em consideração obviedades, como as renovatórias que vão acontecer daqui para frente, em que quase 70% dos contratos no prédio serão renovados nos próximos meses, e o momento virtuoso do mercado imobiliário para os proprietários”, critica Orihuela.
O próprio BTG afirmou, em documento sobre a proposta da Hedge, que, caso a intenção da maioria seja por seguir com a venda, que fosse feita uma concorrência para contratar uma empresa especializada na busca por potenciais compradores para o ativo, com o “intuito de gerar o melhor resultado de venda para os cotistas”. A instituição ressaltou ainda que o valor proposto estava abaixo do último laudo.
A administradora citou também que, em um ambiente de juros baixos, reformas e retomada da economia, a expectativa é de que o mercado de escritórios seria beneficiado, elevando o preço médio pedido de aluguel por metro quadrado nas novas locações e revisionais – o que teria impacto positivo para o TB Office.
Entenda o caso
As discussões envolvendo o TB Office tiveram início em 15 de outubro, quando o BTG Pactual comunicou que recebeu a proposta para compra do ativo e, a pedido da Hedge e da Paladin FII Investors, titulares de mais de 5% da totalidade das cotas do TB Office, foi convocada uma assembleia geral extraordinária para discutir a oferta no dia 12 de novembro.
Com uma elevada participação (30,5%) dos cotistas em assembleia realizada na segunda-feira (11), os investidores dos fundos de fundos da Hedge (Hedge Top FOFII FII 1, 2 e 3) deram o aval para a gestora votar em seu nome na venda do imóvel detido pelo TB Office.
Uma parte dos cotistas do TBOF11, contudo, não está satisfeita com a oferta e se mobilizou contra a iniciativa, com reclamações enviadas à CVM, caso do Grifi. O grupo criticou um possível conflito de interesses, que favoreceria apenas uma parcela dos investidores do TB Office que também pretende ser cotista do futuro Hedge AAA, assinala Orihuela. A autarquia pediu, então, o adiamento de assembleia geral extraordinária de 12 para 18 de novembro.
Tiago Reis, fundador da Suno Research, defende que a Hedge explique exatamente quais são as partes que estão comprando o empreendimento para afastar acusações de conflito de interesse. Ainda assim, ele avalia que a venda do ativo pelo preço oferecido não é favorável aos cotistas do TB Office, pois perderiam a renda do ativo justamente quando poderiam ter uma melhora da rentabilidade.
“Recomendo que os cotistas se manifestem na assembleia contra essa venda, que prejudica seu patrimônio”, afirma. “Sempre acompanhamos os fundos da Hedge, mas agora excluímos todos os fundos da gestora de nossas análises. Enquanto a situação não for esclarecida, não achamos que faz sentido para o investidor de longo prazo.”
Para que a proposta de venda do ativo seja aprovada no dia 18, basta que haja aprovação por maioria de votos dos cotistas presentes em assembleia geral, que representem ao menos 25% das cotas emitidas do fundo.
Procurada na terça-feira e novamente nesta quarta-feira, a CVM informou que, “por se tratar de um caso específico em andamento, a autarquia não fará comentários adicionais, inclusive para não afetar negativamente trabalhos de análise ou apuração que entenda cabíveis”.
O outro lado
Em entrevista ao InfoMoney antes da contraoferta da BlueMacaw, Freitas, da Hedge Investments, não negou que exista conflito de interesse no caso e afirmou que quem precisa decidir é o cotista. “Saindo ou não [do fundo], o cotista do TB Office ganhou, porque o produto se valorizou, está em um novo patamar de preço e, sem dúvida alguma, se não tiver venda, vai receber uma oferta maior”, disse, já se antecipando ao fato consumado na noite de terça-feira.
Freitas disse que não votou na assembleia dos fundos de fundos da Hedge, realizada na terça-feira (11), e que a aprovação da venda pelos cotistas dos FOFs da Hedge, que possuem participação no TBOF11, se deve à confiança em sua gestão.
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Sobre o valor da proposta feita pelo ativo, Freitas defendeu que ele está acima do avaliado em mercado e também do valor contábil considerado na análise. O executivo argumentou que o relatório do BTG Pactual com a nova avaliação (de R$ 995,2 milhões) foi apresentado apenas depois da oferta, ressaltando que o mesmo ainda não foi auditado nem está disponível ao mercado. “A proposta é excelente para o momento em que foi formulada [em 15 de outubro] e continua muito competitiva.”
Questionado sobre o fundo Hedge AAA, que está em fase pré-operacional, Freitas apontou que seu futuro está atrelado à aprovação da venda do ativo do TB Office. “[O fundo] não captou recursos, nem começou a oferta 476, que vai ser iniciada só se a venda do ativo for aprovada.”
Avaliação jurídica
Renato Vilela Faria, sócio do Peixoto & Cury Advogados, destaca que a venda do ativo precisa passar pelo crivo da assembleia para ser efetuada. E, caso o regulamento do fundo seja respeitado, uma decisão pela venda do edifício tende a prevalecer sobre recursos dos minoritários na Justiça. “A assembleia faz a lei entre os cotistas, vale a decisão se o quórum mínimo for respeitado. Mas é preciso uma deliberação, porque justamente agora o mercado está retomando e o cotista de longo prazo desejaria manter o ativo”, diz.
Para Faria, há indícios de conflitos de interesse no caso que, se confirmados, podem levar a uma intervenção maior da CVM. “Quando se assume uma posição de decisão dos dois lados, tanto no comprador quanto no vendedor, uma parte envolvida passa a ter informações privilegiadas que podem ser usadas em prejuízo dos minoritários”, explica o advogado, mestre em Direito Financeiro.
Carlos Ferrari, sócio fundador do NFA Advogados, lembra, contudo, que a CVM não costuma se posicionar em casos como o em questão e que é muito difícil impugnar a realização de uma assembleia, com a necessidade de comprovação do efeito de dano. “Os controles de governança têm algum tipo de freio para evitar abusos e coibir algum tipo de prejuízo financeiro para o minoritário, mas o prêmio do majoritário é ser majoritário”, destaca.
Apesar da saia justa criada com o caso, especialmente para o lado do administrador, Ferrari não vê irregularidade jurídica no caso. “Não tem ilegalidade patente, tem ilegalidade subliminar, de extensão dos deveres de administração e gestão.”
Quem recomendou a cota?
As cotas do TB Office foram recomendadas pela equipe da Santander Corretora para novembro, com peso de 10% na carteira. Em relatório assinado por Felipe Vaz, a casa destacou como pontos positivos o potencial de redução de vacância e incremento real da receita de aluguéis nos próximos anos, destacando que seu cenário-base considera que o preço por metro quadrado na região da Berrini possa atingir R$ 20 mil em um horizonte de dois a três anos, 25% acima dos R$ 16 mil atuais do ativo.
A proposta para venda do ativo e sua posterior liquidação foram mencionados como principais riscos para a tese de investimento.
Com recomendação de compra para as cotas do TB Office, a Eleven Financial está orientando investidores a rejeitarem a venda do imóvel, dada a potencial valorização do ativo. A casa projeta que o edifício vai alcançar 100% de ocupação (ante os 91,5% esperados para fevereiro de 2020) até o fim de 2020, junto com o encerramento dos períodos de descontos.
“Como as nossas expectativas para o segmento imobiliário Triple A em São Paulo são otimistas no curto e médio prazo, devido à redução da taxa de vacância e ao possível poder de barganha do proprietário, entendemos que ainda há possibilidade de valorização das cotas”, escreveram os analistas da Eleven, em relatório publicado ao fim de outubro.
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