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Taxação de investimentos no exterior: ainda vai valer a pena criar um “trust” para aplicar lá fora?

Especialistas defendem que tais instrumentos continuam atrativos para o planejamento sucessório e que o foco nunca foi ter benefícios tributários

Bruna Furlani

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A Medida Provisória 1171/2023 publicada pelo Governo no último domingo (30) promete alterar, de forma significativa, a tributação de rendimentos recebidos no exterior por pessoas físicas, entidades controladas e por trusts – espécie de empresa no exterior que permite ao investidor terceirizar a administração de seu patrimônio para um gestor.

Para investidores que já possuem um trust, é preciso ter atenção. O texto da MP prevê que, quando a offshore ou outra instituição que detiver os ativos fizer o seu balanço anual, os lucros apurados sejam tributados imediatamente na pessoa física que é residente no Brasil, conforme explica o sócio do Mauler Advogados, Igor Mauler Santiago.

Atualmente, a tributação só ocorre no momento em que os valores forem recebidos pelos investidores – por meio de uma distribuição de dividendos, por exemplo. Esse diferimento fiscal deixaria de existir.

Outra mudança está nas alíquotas de Imposto de Renda que serão cobradas – as mesmas que passarão a ser aplicadas para as pessoas físicas que investem diretamente no exterior por meio de contas internacionais, acrescenta Santiago.

Segundo o texto, os rendimentos auferidos a partir de 2024 em aplicações financeiras no exterior por pessoas físicas residentes no País passarão a ser tributados com alíquotas que podem variar de zero a 22,5%, a depender do valor dos ganhos obtidos.

Se o rendimento for menor do que R$ 6.000 no ano, não haverá incidência de tributação. Já para ganhos acima de R$ 6.000 e abaixo de R$ 50.000, a alíquota cobrada será de 15%. Ganhos acima de R$ 50.000, por sua vez, serão tributados em 22,5%.

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Embora as mudanças, em certa medida, aproximem a tributação de trusts ao tratamento dado a pessoas físicas que investem diretamente por meio de uma conta internacional, especialistas ouvidos pelo InfoMoney afirmam que tais instrumentos continuam atrativos para o planejamento sucessório.

“A utilização dos trusts nunca teve foco tributário. Sempre foi para fins de governança e planejamento sucessório. Trust é um veículo caro, são estruturas sofisticadas”, pondera a sócia do i2a Advogados, Ana Carolina Monguilod.

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A especialista afirma que trusts podem ser interessantes porque conseguem oferecer algumas condições de sucessão que não são permitidas pela legislação brasileira atual. Ela cita como exemplo o caso de uma família que deseja que os filhos tenham acesso à herança quando cumprirem certas etapas da vida, como a finalização da faculdade, o que poderia ser feito por meio desses instrumentos.

“Eles permitem colocar travas. São uma figura maravilhosa para planejamento sucessório, pois o patriarca consegue proteger o patrimônio para ele se mantenha depois de sua partida”, acrescenta a sócia do i2a advogados.

Ana Cláudia Utumi, advogada tributarista e sócia-fundadora do escritório Utumi Advogados, também lembra da possibilidade de estabelecer uma idade mínima diferente para que os filhos tenham acesso aos recursos.

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A profissional observa que, no Brasil, a partir dos 18 anos, considera-se que os herdeiros têm plena capacidade civil. Por isso, não seria permitido criar qualquer restrição sobre o patrimônio legítimo. Já se optassem por um trust, os familiares poderiam escolher idades específicas para que seus sucessores recebessem os valores.

Outro exemplo envolve famílias que possuem algum membro com necessidades especiais que demandem tratamentos médicos, diz Ana Cláudia. Segundo ela, na falta dos pais, os recursos do trustee – pessoa física ou entidade jurídica que administra os bens em favor dos beneficiários – poderiam garantir o pagamento. “Quem vai regular isso mês a mês é o trustee“, diz.

Alessandro Fonseca, sócio da prática de gestão patrimonial, família e sucessões do escritório Mattos Filho, também destaca a possibilidade de fazer custódia de ativos lá fora, o que não é permitido no Brasil.

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Para ele, a medida provisória é positiva porque não há legislação atual que trate sobre o tema dos trusts, ao contrário do que ocorre em outros países. Atualmente, há dois projetos de lei em tramitação pelo Congresso que tratam sobre o tema.

Embora veja a medida como importante, Fonseca pondera que há um “equívoco” no trecho da MP em que considera os trusts “transparentes”, ou seja, que permite considerar que o patrimônio segue pertencendo ao instituidor do Brasil.

“Isso está errado. O patrimônio já foi transferido para um terceiro [o trustee]. É uma confusão na aplicação do conceito”, afirma o sócio do Mattos Filho. A expectativa do profissional é de que o trecho seja revisto durante a tramitação, já que não estaria respeitando o conceito de transferência de patrimônio previsto na lei.

Entenda o que muda na tributação

Um dos pontos de maior mudança no texto proposto pela MP está na forma de tributar os trusts, como explica Santiago, do Mauler Advogados.

O especialista lembra que, atualmente, um investidor pessoa física cria um trust e institui uma offshore, por exemplo, para fazer os investimentos. Quando um investimento vence e é reaplicado, esse valor não é tributado na pessoa física no Brasil.

Com isso, diz, os investidores podem adiar indefinidamente a tributação do investimento, caso optem por reaplicar o valor sucessivamente. Santiago explica que a tributação só ocorre quando o investimento fosse resgatado da offshore para a pessoa física e houvesse a distribuição de dividendos. É o que se chama tecnicamente de “diferimento”.

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A MP, no entanto, prevê que, quando a offshore fizer o seu balanço anual, os lucros apurados sejam tributados imediatamente na pessoa física residente no Brasil, com base em alíquotas que poderão variar de zero a 22,5%, a depender do volume de ganhos.

Apesar das alterações, Ana Carolina, do i2a Advogados, afirma que a regra só será aplicada a partir de janeiro de 2024. Ou seja, não haverá cobrança retroativa sobre rendimentos obtidos no passado.

Nesse caso, diz a advogada, uma opção que o investidor pode analisar é se valerá a pena atualizar os valores dos bens e direitos detidos no exterior pelo valor de mercado em 31 de dezembro de 2022, já que o Governo está oferecendo uma alíquota reduzida, de 10%, para quem desejar fazer essa atualização.

A profissional lembra que a medida pode ser vantajosa, a depender do tamanho do patrimônio e das circunstâncias do investidor. Apesar disso, ela afirma que projetos de lei anteriores ofereceram alíquotas menores para atualizar os valores, como de 6%.

“Há uma expectativa de que talvez essa alíquota seja reduzida”, observa, fazendo referência ao fato de que o Congresso poderia tentar diminuir a taxa ao longo da tramitação da MP na Câmara e no Senado.