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SÃO PAULO – Análise rigorosa das empresas, cautela na captação de recursos e gestão ativa do portfólio. Em linhas gerais, esses foram os ingredientes para o sucesso dos três fundos de crédito privado premiados pelo ranking InfoMoney-Ibmec 2020.
Classificados pelo histórico de rendimentos ajustado ao risco nos últimos três anos, os fundos AF Invest Geraes, JGP Corporate e XP Top geraram um retorno de pelo menos 27% no período, contra um CDI de 24,2% (veja os primeiros colocados em outras categorias aqui).
O caminho, no entanto, não foi livre de obstáculos. O ajuste nas taxas pagas por títulos corporativos, por exemplo, balançou o mercado de crédito privado no último trimestre de 2019.
Os gestores dos fundos apontam que a capacidade de avaliar momentos em que riscos e prêmios ficam desalinhados é o que permite proteger o patrimônio dos cotistas. Mesmo assim, volatilidade faz parte da classe: por melhor que sejam conduzidos, os três fundos rodaram abaixo do CDI em outubro e novembro.
Para reduzir o impacto de eventos como esse, Pedro Sternick, sócio responsável pela gestão da AF Invest, afirma que a casa não hesita em fechar para captação quando o mercado de dívida apresenta emissões de títulos de qualidade ou preços não considerados satisfatórios.
“Ficamos fechados no início de 2019 porque não houve melhoria de balanços das empresas que justificasse o baixo nível de prêmio que estava sendo pago”, aponta. “Vimos uma demanda exagerada e não tínhamos necessidade de captar a qualquer custo para alocar a qualquer preço. Sofremos, mas muito menos em relação a outros fundos.”
Fora do eixo Rio-SP
A AF Invest foi criada em 2006 como um braço de gestão da boutique de investimentos Araújo Fontes, fundada há 30 anos e com sede em Belo Horizonte.
O nascimento da gestora e o desenvolvimento dos fundos está relacionado a ramos mais antigos da Araújo Fontes. Depois de a parte de fusões e aquisições assessorar um empresário na venda da sua companhia, a AF Invest foi montada para gerir os recursos dele, surgindo no formato de um single family office.
“Após o negócio da gestão já estar constituído, optamos por explorar esse mercado. E hoje estamos com R$ 5,2 bilhões sob gestão”, conta Sternick. O AF Invest Geraes, campeão na sua categoria, foi criado em 2008 e é um dos três fundos abertos na casa atualmente.
Nos três anos considerados pelo ranking, o fundo registrou um retorno de 27,34%, o que equivale a 113% do CDI. E os bons resultados não passaram despercebidos. O patrimônio do fundo foi em média de R$ 3,3 bilhões durante 2019, ano em que terminou com cerca de 14 mil cotistas.
A liquidez diária que o fundo oferece diferencia o Geraes dos outros premiados, que exigem períodos de carência. Por conta dessa característica, o fundo carrega um caixa maior – terminou o ano passado com um terço da alocação em títulos públicos. Para quem deseja um produto mais dedicado aos títulos corporativos, a gestora oferece uma versão do fundo com carência de um mês.
“Nossa expansão veio com o advento das plataformas de investimento, que permitiu que uma gestora de fora do eixo Rio-São Paulo conseguisse alcançar investidores ao redor do Brasil”, diz o gestor. “Sempre tivemos um cuidado muito grande com o crescimento. Poderíamos estar com um patrimônio maior, mas talvez não tivéssemos o mesmo resultado de hoje”, explica.
A estratégia calcada em análise e monitoramento rigorosos dos ativos é o principal componente responsável pelo sucesso do fundo, avalia Sternick, que lidera um time integrado por mais 22 pessoas.
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Com filosofia parecida, o acompanhamento do mercado levou o fundo XP Top, segundo colocado no ranking, a fechar para captação no início do ano passado.
“Avaliamos que o mercado estava cometendo excessos, começou a desembolsar dívidas para emissores que, apesar do bom risco de crédito, estavam se apropriando de um momento de muita liquidez, emitindo dívidas longas e muito baratas. Preferimos então ficar fora e extrair retornos de posições em que tínhamos mais convicções”, afirma Fausto Filho, que gere R$ 14 bilhões em fundos de renda fixa na XP Asset.
O XP Top tem patrimônio de R$ 1,4 bilhão e supera a marca de 13 mil cotistas. O resgate do fundo demora 15 dias corridos para ser processado e um dia útil para ser liquidado, e o retorno em três anos foi de 27,09%.
Criado em 2001, o fundo é um dos mais antigos da classe e já passou pelas mãos de gestores da Mercatto e da Bozano, antes de ser reinventado pela equipe da XP, há três anos.
“Promovemos uma readequação da carteira do fundo assim que assumimos. Vislumbrando uma Selic mais baixa, preferimos diminuir a exposição a papéis atrelados a percentual do CDI”, afirma o gestor.
Ele acrescenta que, para aumentar as possibilidades de investimentos do mandato, a equipe optou por tirar o fundo do enquadramento que permitia receber aportes de fundos de pensão.
O gestor destaca ainda o ativismo na gestão como um vetor importante de ganhos e cita o exemplo de uma emissão de 2010, da concessionária Rota das Bandeiras, que pertencia à Odebrecht.
“Era a dívida mais longa lançada pelo mercado de capitais à época. Quando veio a Lava Jato, muita gente entrou em pânico e vendeu o papel a qualquer preço, sem fazer a análise financeira da empresa. Vimos como uma oportunidade e começamos a aumentar exposição”, afirma. “Compramos esses papéis descontados e, no ano passado, a concessão foi vendida. A troca de controle aumentou o fôlego financeiro da companhia e trouxe muito ganho para quem já era credor.”
Ele diz que o ambiente de juros baixos vai desafiar os gestores que quiserem entregar retornos satisfatórios. “Acreditamos em um alongamento saudável da carteira, em setores e nomes que estão remunerando o investidor para isso. E com uma atuação forte no mercado secundário: dificilmente alguém vai entregar retorno carregando os títulos até o vencimento.”
Custos da liquidez
Para Alexandre Muller, gestor da JGP, com o atual desenvolvimento do mercado secundário, outro fator que vai permitir ganhos do segmento no longo prazo é a carência dos fundos.
Produtos de crédito privado com ativos de vencimento alongado, mas que oferecem liquidez imediata ou diária terão que se desfazer de papéis a preços piores durante momentos de estresse, em que muitos cotistas resgatam seus recursos. “A liquidez em um momento de ajuste é prejudicial para o investidor, não tem almoço grátis.”
Já os fundos de menor liquidez terão capacidade de esperar momentos melhores para honrar as retiradas, diz Muller, à frente da gestão de R$ 3,6 bilhões em renda fixa na JGP, fundada por nomes como André Jakurski e Paulo Guedes, hoje ministro da Economia.
O JGP Corporate foi lançado em 2014 e o resgate pode demorar até um mês e meio. “Se ficássemos preocupados em honrar passivos do dia para a noite, isso tiraria o foco da gestão dos investimentos e prejudicaria aqueles com disposição de investir a médio e longo prazo”, conta.
Para se ter ideia da diversificação desse tipo de produto, o fundo detinha em dezembro 135 papéis de 78 emissores diferentes.
Os três fundos que compram cotas do fundo master do JGP Corporate somam quase 400 cotistas, com um patrimônio total de R$ 450 milhões (o fundo premiado está fechado, mas há um fundo espelho aberto). Há ainda R$ 550 milhões de fundos exclusivos aplicados na mesma estratégia.
Muller recorda que o caminho até a consolidação do fundo foi árduo. Após o lançamento dele, em meio à perda do grau de investimento do Brasil, ninguém se interessava pela classe. “Passamos nove meses sem captar recursos”, lembra. A mudança aconteceu com o recuo dos subsídios públicos do BNDES, que abriu espaço para financiamentos privados via mercado de capitas.
O gestor acredita que o mercado de crédito conta com boas oportunidades de investimentos em 2020. Ele aponta que o setor saiu de uma mínima de 0,69% de spread (prêmio pago acima do CDI) e chegou até 1,36%, abertura que provocou perdas no ano passado. Agora, o movimento contrário pode gerar bons retornos.
“Meu cenário base é que o spread, que hoje está em 1,30%, vai ficar estável na casa de 1,10%. Esse fechamento deve gerar um retorno de 1,70 ponto percentual acima do CDI, antes dos custos. É um bom retorno para o nível de risco de empresas com boas notas”, explica.
Mas, à medida que os retornos dos fundos continuem sólidos, diz Muller, mais dinheiro deve entrar, empurrando o mercado a projetos ou empresas sem muita consistência. Isso pode provocar os chamados “eventos de crédito”, como calotes ou renegociações, que fazem o mercado se retrair.
Os gestores da área, porém, ainda estão longe de tomar riscos exagerados, avalia o gestor. “Estamos na fase inicial do ciclo. O nível de risco que o mercado como um todo esta tomando ainda é moderado.”