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SÃO PAULO – Durante a pandemia, muita gente teve de se virar para dar conta de honrar com todas as obrigações financeiras no fim do mês. Em meio à paralisação econômica provocada pela Covid, empréstimos bancários desvantajosos e até a reserva guardada para a aposentadoria acabaram entrando na jogada para tapar buracos.
Dados levantados pela seguradora Icatu mostram que, do total de pedidos de resgate que chegaram nos últimos meses de clientes com reserva de previdência, cerca de 65%, em média, partiu de uma necessidade de liquidez imediata de caráter temporário, pela perda de emprego ou alguma emergência de curto prazo.
Para atender a esse público e se valendo de mudanças recentes na legislação de mercado, seguradoras e bancos como Itaú Unibanco, Icatu, SulAmerica e XP Seguros passaram a oferecer desde o fim do ano passado aos clientes a possibilidade de utilizarem parte da reserva que têm aplicada em previdência como garantia para a tomada de empréstimos, a taxas mais competitivas em comparação à média de mercado.
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Os juros cobrados na modalidade de garantia com previdência oscilam entre 0,75% ao mês, no caso do Itaú Unibanco, até 1,5% mensais, na SulAmerica. Na Icatu, a taxa é de 1,09% ao mês, enquanto, na XP Seguros, os juros cobrados são, em média, de 3% ao ano, além da variação do CDI.
Dados do Banco Central (BC) mostram que a taxa média de juros do total de operações de crédito contratadas em junho foi de 19,9% ao ano, ou 1,65% ao mês. Mas quando considerado somente o crédito livre às famílias, isto é, sem destinação específica (como recursos direcionados ao financiamento de habitação popular ou produção rural), a taxa chegava a 39,9% em junho, ou 3,3% ao mês.
Há diferença também nos critérios adotados para que o cliente seja elegível ao empréstimo. Icatu e SulAmerica têm os menores valores de acesso, de R$ 1 mil e R$ 2 mil, respectivamente. No Itaú, apenas clientes Personallité com R$ 49 mil em previdência podem acessar o serviço. Na XP, o valor necessário é de R$ 5 milhões em investimentos, sendo R$ 1 milhão em previdência.
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“A previdência normalmente é um dos primeiros investimentos que uma pessoa faz quando começa a pensar em seu futuro, e, ao mesmo tempo, não é vantajoso fazer o resgate dos planos no caso de uma necessidade”, afirma Flavio Iglesias, diretor de produtos para pessoa física do Itaú Unibanco.
Um dos grandes chamarizes da previdência é o benefício da redução da tributação, caso o investidor opte pelo regime regressivo do Imposto de Renda (IR), com possibilidade de obter uma alíquota de 10% após uma década de aplicação. Se o saque ocorrer em menos de dois anos, a taxação é de 35%.
Henrique Diniz, diretor de produtos de previdência da Icatu, afirma que a oferta visa oferecer uma alternativa para que o cliente não seja obrigado a resgatar o valor em previdência por conta de algum evento imprevisto pontual, e acabe incorrendo na cobrança de uma alíquota de IR mais elevada do que se mantivesse o dinheiro aplicado.
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Taxas de juros
A SulAmerica foi quem deu o pontapé inicial na nova oferta, em agosto de 2020, poucos dias depois de a Susep, órgão regulador do mercado segurador, editar a Circular nº 600, que prevê a concessão de assistência financeira por seguradoras, bem como sua atuação como correspondentes de instituições financeiras.
“Aproveitamos o período no qual a circular esteve em audiência pública para preparar a solução, e, quando entrou em vigor, já estávamos com o produto pronto”, diz Marcelo Mello, vice-presidente de investimentos, vida e previdência da SulAmerica, em referência ao produto batizado como “SOS Prev”. Os recursos para oferecer o empréstimo são oriundos do caixa da seguradora.
Na instituição, o cliente precisa ter pelo menos R$ 2 mil em previdência para solicitar o empréstimo, que pode chegar a 50% do volume acumulado. A taxa de juros é de 1,5% ao mês, independentemente do valor solicitado, com prazo para pagamento em até 120 meses.
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A renda de quem tem solicitado o empréstimo à SulAmerica oscila ao redor de R$ 150 mil, com um percentual tomado perto de 10% do total. O vice-presidente da seguradora destaca ainda que a idade média fica entre os 35 e 40 anos. “Estamos falando em muitos casos de profissionais autônomos, que acabaram sofrendo por conta da pandemia”, afirma.
Na Icatu, os juros são de 1,09% ao mês. Diniz assinala que as “taxas são dinâmicas” e podem oscilar a depender do cenário de mercado e do perfil do cliente. A seguradora firmou parceria com a fintech Creditas para fazer a oferta do crédito, iniciada em maio. Para se tornar elegível ao empréstimo, com prazos que variam usualmente de 12 a 24 meses, o cliente da seguradora precisa ter pelo menos R$ 1 mil em fundos de previdência, com o valor a ser tomado variando de 50% a 80% da reserva, a depender da análise de risco.
“Queremos ajudar o investidor a ter o planejamento financeiro mais eficiente possível, podendo se apropriar do benefício fiscal da previdência, mesmo que com momentos de volatilidade no meio do caminho”, afirma o diretor da Icatu.
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Acesso (ainda) restrito
No caso do Itaú Unibanco, o banco passou a oferecer a possibilidade de utilização da reserva em previdência como garantia em julho de 2021, por enquanto somente para os clientes Personnalité, que são aqueles que têm entre R$ 15 mil e R$ 250 mil em investimentos.
A taxa de empréstimo no Itaú começa em 0,75% ao mês, com possibilidade de pagamento em até 72 vezes. Para contratar o produto, o cliente do banco precisa ter a partir de R$ 49 mil em previdência, com a possibilidade de sacar até 70% da reserva.
Iglesias diz que, durante fase piloto com uma parcela restrita de clientes do banco, foram quase R$ 2 milhões de empréstimos concedidos por meio da operação. “Nossa expectativa de captação é bastante positiva, visto que já havia uma demanda pelo produto e que os planos de previdência contemplados são mais comuns na carteira desse público-alvo – além de serem investimentos cujo resgate não é vantajoso antes da aposentadoria”, afirma o diretor. Ele acrescenta que o banco estuda ampliar a oferta para os clientes Uniclass, com R$ 4 mil a R$ 15 mil em investimentos.
Já a XP Seguros iniciou a oferta em janeiro, por enquanto apenas para clientes mais abonados – com R$ 5 milhões em investimentos, sendo R$ 1 milhão em previdência –, com juros de 3% ao ano, em média, mais o CDI. Até aqui, foram R$ 200 milhões concedidos pela seguradora da XP na operação, com um valor médio de R$ 5 milhões e cinco anos de prazo.
Roberto Teixeira, sócio responsável pela XP Seguros, diz que a oferta teve início após a integração com o Banco XP, responsável pelo funding para as operações. O executivo afirma que os planos passam por uma redução nos valores de acesso. A ideia é que o mínimo caia para R$ 1 milhão em investimentos e R$ 250 mil em previdência.
“A princípio, o investidor pode usar até 100% da reserva como garantia para a tomada do empréstimo, caso o fundo de investimento em que o dinheiro estiver aplicado seja de baixa volatilidade, como de renda fixa pós-fixada”, afirma Teixeira. Se as estratégias forem de ações ou multimercados, o percentual desce para uma faixa de 70% a 80%, de modo a acomodar a volatilidade esperada.
Vale a pena?
Francisco Levy, diretor de investimentos da gestora de patrimônio Allea Wealth Management, avalia que a alternativa de previdência como garantia pode fazer sentido, a depender do perfil de cada investidor. “Vejo como um produto que não deve estar dentro de um planejamento de longo prazo, mas para algo esporádico, que surpreendeu.”
Para entender se a estratégia vale a pena, o tempo em que o dinheiro já está aplicado em previdência é um ponto importante a ser considerado, diz Levy, vis-à-vis as alíquotas correspondentes de IR, bem como o prazo em que o investidor pretende quitar a dívida.
“A sacada está em o investidor fazer a conta de qual benefício teria em não resgatar agora para não incorrer na cobrança de um imposto mais alto, em comparação com o custo total do empréstimo”, diz o diretor da Allea. Ele avalia que, de modo geral, se o dinheiro for para uma necessidade de curto prazo apenas, como algumas semanas ou poucos meses, o empréstimo tende a valer a pena, em face aos níveis elevados de alíquota do IR.
Ele alerta, contudo que, se a necessidade financeira for se estender por um prazo maior, de um ano ou mais, a opção perde bastante da atratividade, frente ao acúmulo de juros. Neste caso, então pode fazer mais sentido resgatar o valor e aguardar um melhor momento financeiro para iniciar a formação de uma poupança que mire o longo prazo, defende Levy.
Mariana Monte Alegre de Paiva, sócia da área de previdência do escritório Pinheiro Neto, lembra que há um projeto de lei em tramitação no Congresso, o PL 6.723, de 2013, que trata do mesmo tema de regulamentação da reserva de previdência como garantia abordado pela circular da Susep.
Embora a circular já dê o respaldo necessário para os bancos e seguradoras, a aprovação de uma lei tende a trazer mais agentes interessados para o negócio, prevê a advogada. “Em acréscimo à circular, o PL defende que o valor em previdência utilizado como garantia não possa ser penhorado em caso de processo judicial, o que pode ajudar na atratividade de investidores”, diz Mariana.
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