Petróleo está entre as principais apostas da Kinea, mas eclosão de conflito Rússia x Ucrânia poderia levar a mudança de posição

Mercado espera disparada de preços, mas gestor Marcos Freire diz que dependência da economia russa em relação à commodity impediria interrupção na produção

Mariana Segala

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A disparada dos preços do petróleo em janeiro, a arrancada das ações brasileiras e as indicações cada vez mais claras de elevação dos juros nos Estados Unidos a partir de março chegaram em boa hora para os fundos multimercado da Kinea, gestora que pertence ao Itaú.

A alocação das carteiras virou o ano posicionada para capturar os ganhos desses três grandes movimentos ao longo de 2022 – e acabou assegurando aos dez multimercados da casa (incluindo os previdenciários) retornos entre 1,05% e 2,78% já no mês passado.

“Estávamos fora do setor de tecnologia, e por isso a queda dessas ações não nos machucou”, explica Marco Freire, gestor de multimercados da Kinea. Em compensação, os fundos estavam comprados em petróleo e posicionados em mercados emergentes, como o Brasil, que avançaram com força – só o Ibovespa terminou o mês com uma alta de quase 7%.

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O investimento em energia, notadamente no petróleo, é uma das teses mais consolidadas na estratégia da Kinea desde o ano passado. Por trás da aposta está a visão de que a demanda já supera a oferta, o que não deve mudar tão cedo. “Duas fontes de energia sustentaram o crescimento do mundo nas últimas décadas: carvão e petróleo de xisto”, diz Freire. Nenhuma das duas, no entanto, tem recebido investimentos suficientes para que se mantenham nessa posição.

Pelo contrário. “O carvão é uma fonte suja de energia, e a China vem tentando controlar [seu uso]”, diz. Ao longo dos últimos anos, o país restringiu o desenvolvimento de projetos à base de carvão, considerado um dos insumos mais poluidores. Já ao petróleo de xisto, cuja exploração se popularizou nos Estados Unidos, as empresas têm destinado cada vez menos recursos. “Muitas tiveram problemas financeiros. Hoje, o que os investidores querem são os dividendos, e não novos investimentos”, explica Freire.

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A avaliação da Kinea é de que se a produção global de energia não aumentar, haverá novos problemas de fornecimento – o que pode jogar os preços ainda mais para cima.

“No final de 2021, com a disseminação da Ômicron [variante do coronavírus], tivemos um ponto de entrada no petróleo”, explica Freire.

Preços do petróleo Brent derreteram

Os preços do petróleo tipo Brent, que derreteram até perto de US$ 20 o barril com a eclosão da pandemia de coronavírus, vinham subindo desde meados de 2020. A cotação alcançou US$ 85 em outubro de 2021, mas o soluço causado pela Ômicron devolveu os preços para a faixa dos US$ 70 em dezembro – exatamente o ponto em que a Kinea aumentou a posição. Nas últimas semanas, o combustível passou dos US$ 90, voltando a patamares que não eram vistos desde 2014.

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Parte da disparada dos preços reflete as tensões entre Rússia e Ucrânia, que se agravaram entre janeiro e fevereiro. A Rússia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, pressiona a Ucrânia para que não passe a integrar a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), enquanto países ocidentais – especialmente os Estados Unidos – insistem no caminho contrário. No meio, estão as nações europeias, onde pelo menos um terço do abastecimento de gás natural vem das exportações russas.

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O mercado precifica que a eclosão de um conflito de fato entre Rússia e Ucrânia respingaria sobre o fornecimento de petróleo e gás. Mas esse, na visão Freire, parece ser o menor dos problemas para os preços dos dois insumos ao longo do tempo.

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“As pessoas supõem que a Rússia diminuiria a produção, mas isso não deve acontecer”, diz Freire. Ainda que um repique nos preços seja inevitável ao deflagrar de um eventual embate, a dependência da economia russa em relação ao petróleo – e a necessidade que os países europeus têm do seu gás natural – seriam razões suficientes para manter o complexo de hidrocarbonetos fora de eventuais sanções. Por isso, na visão do gestor, os preços não se manteriam num patamar exorbitante por muito tempo.

“Se não me falha a memória, a única vez que ocorreu ruptura entre o fluxo de gás e petróleo da Rússia para a Europa Ocidental foi em 1941, quando Hitler invadiu a Rússia”, diz o gestor. “Isso mostra como essa energia é importante para os dois lados. É improvável uma ruptura nesse fluxo”.

Por isso, Freire já traçou a estratégia para o caso da eclosão de um conflito de fato: começar a vender a posição em petróleo.

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Tomado em juros nos EUA, comprado em bolsas emergentes

Para além do call em energia, os multimercados da Kinea vêm apostando em outros temas de repercussão global. Os fundos estão tomados em juros americanos, por exemplo, apostando que as taxas reais – consideradas muito baixas – precisarão subir. “Os juros reais estão negativos em uma economia com taxa de desemprego que que deve chegar a 3%, a menor desde a década de 1950”, afirma.

Considerando que a taxa real de juros americana é o que dá suporte ao dólar, o rumo que ela toma provoca impactos em cascata por outros mercados. “O Fed [banco central americano] ficou atrás da curva. Agora, o mercado precifica uma taxa terminal deste ciclo de aumento de juros de 1,8% ao ano em 2024, o que ainda é muito baixo”, afirma Freire.

Por isso, os fundos da Kinea têm evitado o quanto possível investir nas bolsas dos Estados Unidos.

Na visão do gestor, as cotações das ações americanas subiram ao longo dos últimos anos, enquanto os juros foram mantidos em patamares mínimos, atraindo recursos para a renda variável. “Elas ficaram mais caras, e o lucro das companhias vai crescer menos daqui para frente. É uma combinação que parece perigosa”.

Para Freire, o momento é de “separar o joio do trigo” nos investimentos em ações internacionais, escolhendo a dedo o que comprar. “E tecnologia não é o lugar para estar agora”, diz, referindo-se especialmente às empresas que até aqui focaram na digitalização de atividades. Sua visão é positiva, no longo prazo, para empresas que atuam no que chama de “materialização”, como as de robótica ou biotecnologia.

Calmaria na China?

Por outro lado, o gestor acredita que 2022 promete ser um ano mais tranquilo nos mercados da China. “Em 2021, passamos o primeiro semestre com a regulação das empresas chinesas de tecnologia no radar. No segundo semestre, o assunto foi o setor imobiliário”, diz. A tendência é de que este ano seja de “menos surpresas e mais liquidez”, visto que o país asiático tem indicado um afrouxamento de sua política monetária.

“Vemos um cenário melhor para China e outros emergentes”, diz Freire, incluindo o Brasil na conta. Sua visão é de o mercado precificou os ativos brasileiros em patamares excessivamente baixos na expectativa das eleições presidenciais deste ano. Ele, no entanto, não acredita que o risco seja tão alto quanto o imaginado. “Nenhum candidato vai ter incentivo para promover uma ruptura fiscal no início do mandato”, afirma.

Na Bolsa brasileira, a Kinea tem direcionado os investimentos para setores como serviços de saúde, terceirização de serviços, aluguel de caminhões, portos e até um pouco de energia elétrica. “Não estamos em ações de commodities, nem muito de bancos, nem de tecnologia”, diz. As escolhas estão muito mais focadas em empresas com diferenciais competitivos específicos, como aquelas inseridas em mercados em crescimento, que estão consolidando os setores a que pertencem ou que estão aumentando sua participação neles.

Apesar da aposta pesada em petróleo, a Kinea considera que as ações da Petrobras embutem muito risco – e aqui, sim, os temores quanto às eleições parecem fazer mais sentido. “Ao contrário da questão fiscal, mudanças micro podem acontecer. A Petrobras está indo bem, mas as eleições podem afetar seu desempenho“, explica Freire. O pano de fundo é a política de preços de combustíveis da estatal,  que hoje prevê a paridade com as cotações internacionais do petróleo, mas pode sofrer alterações a depender de decisões tomadas no Palácio do Planalto.

“Estamos diminuindo [a posição em Petrobras]”, diz o gestor. “Prefiro investir no índice russo de ações [formado principalmente por petroleiras] e diretamente no petróleo”.

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Mariana Segala

Diretora de Redação do InfoMoney