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Economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) por nove anos, presidente do Goldman Sachs no Brasil por quase quatro anos e, atualmente, professor residente de Finanças da Universidade de Miami e chairman do Comitê Global de Alocação de Ativos da XP Advisory. Estas são as credenciais de Paulo Leme, que criticou a política econômica proposta por Donald Trump e sua equipe em painel no Onde Investir 2025, evento promovido entre os dias 13 e 16 de janeiro pelo InfoMoney.
Um dos aspectos que mais preocupa o especialista é o protecionismo, espelhado no fechamento de fronteiras para a imigração e pela ameaça de aumento de tarifas de importação. “Parece que estão lendo coisas do século XIX”, disse, sobre a equipe econômica do republicano.
Henrique Esteter, coordenador multiplataformas do InfoMoney, e Artur Wichmann, CIO da XP e presidente do Comitê de Alocação da XP Advisory Brasil, conduziram o painel com Leme. Veja os argumentos do economista ao justificar sua preocupação com a economia dos Estados Unidos:
Henrique Esteter: Como você enxerga o cenário norte-americano às vésperas da posse de Trump?
Paulo Leme: Vejo três pontos importantes. O primeiro é que o ponto de partida da economia é excelente, com crescimento real em torno de 2,5% e 3% no ano passado, taxa de desemprego muito baixa e situação patrimonial das famílias e empresas muito sólida. Então, Trump entra em campo muito bem.
O segundo ponto é que essa parte da economia será turbinada por um dos pilares mais importantes do programa Trump (do qual eu não gosto): o corte daquilo que eles não têm, os impostos e arrecadação, um programa grande de corte de impostos para pessoas jurídicas e físicas. Isto vai turbinar uma demanda doméstica já bastante aquecida em uma economia que tem uma posição patrimonial de receita e renda líquida muito sólidas.
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Esse segundo aspecto tem coisas positivas e negativas. O que é difícil antecipar é qual será o ritmo de implementação e defasagens das coisas que ele fará. A princípio, é um programa que vai estimular ainda mais o crescimento econômico, o que vai ser bom para os lucros e a perspectiva para a Bolsa segue muito positiva, com ganhos entre 10% e 15%.
O terceiro ponto é que nada será fácil e a trajetória será muito volátil porque nem mesmo o Trump sabe exatamente o que vai fazer no fim de semana, muito menos na segunda-feira e menos ainda em julho deste ano. Existe um certo grau de imprevisibilidade na dosagem que ele vai aplicar desses remédios, inclusive na parte fiscal.
Um aspecto que me preocupa é o aumento de tarifas de importação, sobre como isto vai atuar com as forças positivas do estímulo fiscal. Agora, parece que será algo gradual. É uma loucura total fechar completamente as fronteiras de uma grande economia, como a dos EUA, ao comércio internacional junto com a mobilidade do fator trabalho (imigração), seu substituto.
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Artur Wicchmann: Temos uma situação inicial ótima da economia norte-americana. Por outro lado, tem uma situação fiscal ruim. O ponto inicial já é ruim, imagina cortando impostos a partir disso. Em que momento o fiscal começa a impactar a dinâmica do Treasurie de 10 anos?
PL: O mercado já acordou, está com os instintos corretos, mas sem saber o motivo. Quando entender por que estão reagindo, essa correção no prêmio da parte longa da curva deve aumentar. Não sei até onde a equipe econômica quer ir, mas eles me assustam. Parece que perderam 125 anos de história e estão lendo coisas do século XIX.
Vamos supor que eles sejam radicais e têm convicção absoluta de suas políticas econômicas. Nesse caso, os efeitos serão mais rápidos. Se desistirem da parte de tarifas de importação, tem um risco muito menor cobrado na parte fiscal, mas se mexerem com essa parte, você acha que a turma [outros países] vai ficar quieta? Não! Haverá retaliação e este é um dos piores truques do receituário de política econômica, que levou o mundo a uma grande depressão em 1930.
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Mas o secretário do Tesouro ou o Trump não sabem quanto e quando vão fazer. Acredito que, no dia a dia, vão acabar recuando. Com a realidade do problema entre administrar o teto da dívida, risco de fechamento do governo e queda de receita, talvez acordem e quando fizerem o orçamento para 2027, no fim deste ano, vejam que não têm margem para corte de impostos.
HE: Temos uma forte pressão de juros no Brasil, todos esperavam um alívio vindo do exterior. O que o Fed deve fazer após mudar de ideia sobre cortes?
PL: Há uma diferença entre o que acho que o Fed deveria fazer e o que ele vai fazer. Acho que não deveria cortar mais a taxa de juros e esperar para ver se Trump será mais comedido na política econômica. Aí, sim, nos daríamos o luxo de mais um corte de 25 pontos-base.
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Mas o que o Fed vai fazer é, talvez, mais um corte de 25 pb em março, principalmente se os números de inflação não chatearem tanto.
A inflação de hoje, que é resultado de decisões tomadas nos últimos cinco anos, não me preocupa. É a inflação que viria com esse mix expansionista fiscal, tarifas de exportação e fechamento de fronteiras para imigração que me preocupa porque é inflacionário. Na dúvida, para quê cortar? A economia está crescendo, a taxa de desemprego em nível recorde.
HE: Temos algumas situações acontecendo na geopolítica, com debates sobre o Canadá, Groenlândia e Canal do Panamá, e parece que o mercado não está ligando muito. Algum desses fatores pode fazer barulho no mercado em algum momento?
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PL: O padrão geral do Trump é gerar muito ruído, desestabilizar e, então, entrar em uma negociação rápida com as contrapartes meio atordoadas para conseguir tirar a carteira das outras pessoas na sala de reunião. Espero que não seja séria [a discussão sobre anexar a Groenlândia, que pertence à Dinamarca], não acredito em uma aventura dessa magnitude, com esse tipo de estupidez do ponto de vista geopolítico.
O mercado teve um mega rali (Trump trade), mas realidade pesou quando o Fed disse que não conseguiria fazer quatro cortes de 25 pb e agentes acordaram para o fato de que haverá aumento de tarifas e loucuras fiscais. Com Trump, haverá retorno em renda variável, mas isso se traduz em volatilidade e há risco de cauda.