Para vencedor do Nobel Richard Thaler, ganhos com ações em 2020 podem ter criado perigosa ilusão entre investidores

Ter ganhado dinheiro com papéis de tecnologia das bolsas americanas nos últimos meses não significa que você é esperto, assinalou o economista, em congresso

Lucas Bombana

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SÃO PAULO – Um dos fatos mais marcantes para o mercado de capitais brasileiro em 2020 foi a entrada maciça de investidores nas bolsas, mesmo em meio a tantas incertezas causadas pela pandemia.

No cenário doméstico, a taxa Selic na mínima histórica contribuiu sobremaneira para o movimento, que não ficou restrito, contudo, ao Brasil.

Nos Estados Unidos, onde os juros já estão em níveis bastante reduzidos desde a crise de 2008, a compra de ações pelo investidor do varejo também aumentou de maneira expressiva desde meados de março.

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Segundo Richard Thaler, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2017, por seus estudos sobre o comportamento do ser humano aplicado às finanças, parte da empolgação repentina com o mercado acionário americano pode ser atribuída à interrupção dos grandes eventos esportivos.

Presos em casa sem ter com o que gastar, o dinheiro que os americanos costumeiramente direcionavam para apostar na vitória do time do coração pode ter migrado, ao menos em parte, para ações de empresas listadas em bolsa, assinalou Thaler, durante participação no Congresso Brasileiro do Mercado de Capitais realizado pela B3 e pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), na noite desta segunda-feira (23).

Com cerca de US$ 10 bilhões sob gestão na Fuller & Thaler Asset Management, o economista e gestor disse enxergar com alguma preocupação essa entrada expressiva de dinheiro novo no mercado de ações, a qual avalia talvez “descuidada”.

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Sobretudo porque os ganhos dos últimos meses, em uma espécie de profecia autorrealizável, podem ter causado uma perigosa ilusão entre muitos dos entrantes recentes de que serão tão bem-sucedidos como Warren Buffett com suas aplicações financeiras, afirmou o especialista.

Existem muitos motivos para achar que isso está acontecendo, disse Thaler, que citou, como exemplo, a recente alta do setor de tecnologia. São os nomes mais óbvios para se comprar, justamente de empresas mais presentes no dia a dia dos investidores do varejo, assinalou.

Quem comprou ações do grupo apelidado pelo mercado como FAAMG (para se referir a Facebook, Amazon, Apple, Microsoft e Google) certamente ganhou muito dinheiro nos últimos meses, afirmou.

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“Mas isso não significa que você é esperto”, alfinetou o ganhador do Nobel, acrescentando que a comprovação da real capacidade de gestão do investidor pessoa física só acontecerá de fato quando ele mostrar que sabe também a hora de vender.

“As indicações não sugerem que o investidor individual tenha habilidade para superar o mercado.” Mesmo gestores profissionais qualificados, disse Thaler, costumam enfrentar dificuldades para serem bem-sucedidos nessa tarefa.

Ao traçar um paralelo com a bolha da internet nos anos 2000, o especialista disse que a diferença para os dias atuais é que as empresas do Vale do Silício hoje fazem dinheiro. Em sua maioria. “Mas há companhias, como a Tesla, que não estão fazendo tanto dinheiro, e tem um valuation gigantesco.”

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Thaler disse ainda que gasta menos tempo para tentar prever os grandes movimentos do mercado, e mais para identificar quais os erros mais comuns de serem cometidos pelos investidores nos grandes ciclos de mercado.

O economista ainda ressaltou que geralmente prefere as ações de menor porte (small caps), que tendem a receber menos atenção do mercado.

Educação (não) é tudo

O especialista no comportamento econômico humano não enxerga no aumento da educação financeira a bala de prata capaz de transformar a forma como as pessoas lidam com o dinheiro.

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Facilitar os processos e as tomadas de decisões por parte dos investidores pode ter uma serventia muito maior para o sucesso nessa empreitada, ponderou Thaler.

Pesquisas apontam que a formação de uma poupança previdenciária tem maior chance de dar certo se parte do salário do empregado for direcionada para um plano de aposentadoria antes mesmo que o dinheiro pingue na conta do banco, exemplificou o especialista. “Se quer que as pessoas façam algo, make it easy [torne fácil].”

Thaler acredita que a tecnologia e os aplicativos de celular devem ser um importante aliado na indução de boas práticas nos campos econômico e financeiro, ao mapear os padrões de comportamento e apontar quais as mudanças que se fazem necessárias, e como implementá-las.

Essa indução às boas práticas é chamada pelo especialista de “Nudges”, nome do best-seller escrito por Thaler, que usou, como exemplo bem-acabado para ilustrar o conceito, uma campanha de doação de órgãos do time de futebol Sport, do Recife.

Já para a atualização mais recente do livro, que deve sair nos próximos meses, o ganhador do Nobel adiantou que haverá um capítulo chamado sludge, ou lama.

Ele fará referência a medidas que dificultam a tomada de boas decisões financeiras no cotidiano, como serviços de assinatura das mais distintas naturezas, que têm em comum o fato de serem fáceis de serem contratados, mas bem mais difíceis de serem cancelados, afirmou Thaler.

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