SÃO PAULO – Diante de uma crise sem precedentes, o pico da vacância imobiliária pode ainda estar por vir no mercado de fundos de escritórios, em meio à pressão exercida por empresas que vão precisar reduzir de tamanho por conta da pandemia. Essa é a avaliação de Carlos Martins, sócio e gestor responsável por fundos imobiliários na Kinea Investimentos.
“Setores com uma retomada mais lenta, que entraram no modo de ‘sobrevivência’, ainda podem mandar a equipe embora, então, no curto prazo, vamos ver empresas como as de serviços ficando menores”, afirma Martins.
Para ele, o maior impacto sobre o setor não deve partir de decisões de empresas de adoção do home office, mas, sim, das perdas econômicas geradas pela crise e os consequentes enxugamentos de pessoal.
O prognóstico, contudo, não deve implicar redução significativa dos preços dos aluguéis, na visão de Leandro Bousquet, sócio da Vinci Partners.
“Como os aluguéis estavam vindo de uma recuperação, o que vai acontecer é que reajustes de 20%, 25%, que estavam para acontecer, não serão realizados no curto prazo, ou serão em níveis muito menores”, observa.
Com R$ 60 bilhões em ativos sob gestão, sendo R$ 13,2 bilhões apenas na área de real estate, a Kinea é detentora dos três maiores FIIs listados no Ifix, o índice referencial do mercado: o Kinea Renda Imobiliária (KNRI11), o Kinea Índice de Preços (KNIP11) e o Kinea Rendimentos Imobiliários (KNCR11). Juntos, os fundos somam cerca de 290 mil cotistas.
Focada em investimentos alternativos, a Vinci Partners também ocupa posição de destaque na indústria de FIIs, com quatro fundos listados na Bolsa e R$ 4 bilhões sob gestão na estratégia, com mais de 225 mil cotistas.
Segundo Bousquet, a grande vantagem dos escitórios é que eles entraram na crise em uma situação favorável, marcada por menor oferta de novos edifícios comerciais em São Paulo e com algumas regiões, como Faria Lima, Berrini e Avenida Paulista, com níveis de vacância muito baixos, inferiores a 10%.
Quando a vacância ronda esse patamar, diz, os aluguéis tendem a subir. E é o que estava acontecendo nessas regiões antes da crise, com reajustes de até 25% nos contratos, assinala o gestor da Vinci.
“Obviamente vamos ter agora – e já estamos tendo – uma queda na demanda. Mas, por outro lado, temos poucas ofertas vindo a mercado. Nossa visão é de que, ao longo de 2020, vamos ter um aumento temporário de vacância, mas que, a partir de 2021, o mercado vai se ajustar novamente”, afirma.
Seja como for, Bousquet destaca que a Vinci já explorava mesmo antes da pandemia as novas tendências de ocupação de escritórios, com espaços flexíveis, como empresas de coworking, localizadas próximas das áreas residenciais mais nobres. “É uma tendência que a crise vai acelerar.”
Hoje, 26% do portfólio do Vinci Offices (VINO11) tem exposição ao segmento de coworking.
Qual o retorno com dividendos esperado hoje?
A taxa de juros na mínima histórica tem provocado uma saída de investidores da renda fixa, na busca por investimentos mais rentáveis, como os fundos imobiliários, que oferecem uma remuneração periódica. No entanto, com juros de apenas 2% ao ano, o que o investidor deve esperar de retorno com dividendos?
Martins, da Kinea, destaca que a análise depende do segmento, mas que o investidor pode buscar um percentual de até 7%. Vale lembrar que o rendimento distribuído periodicamente aos investidores pessoas físicas por fundos imobiliários tende a ser isento de Imposto de Renda, atendidas determinadas condições.
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Ele avalia que, por conta da crise, muitos fundos estão pagando hoje um dividendo abaixo do potencial, seja por conta de uma maior vacância do fundo ou por queda de receita, como no caso dos FIIs de shopping centers.
O gestor da Vinci avalia ser possível montar um portfólio hoje com um dividend yield (retorno com dividendos) médio de 6% a 7%. Ele compara o prêmio ao retorno com uma aplicação em Tesouro IPCA+ 2025 e afirma que qualquer dividend yield acima de 5% é bastante atrativo para o investidor, principalmente considerando sua isenção tributária.
Tributação de dividendos
Um dos debates que têm ganhado destaque no Brasil em meio à busca do governo por novas fontes de receita é o da tributação de dividendos, como parte da reforma tributária. E os fundos imobiliários poderiam fazer parte dessa mudança.
Apesar das preocupações naturais com o tema, para Bousquet, da Vinci, no termômetro de discussão, a temperatura não está das mais altas atualmente. “Do ponto de vista de arrecadação para o governo, tenho dúvida se tributar o rendimento é eficiente”, diz.
O gestor destaca que, com uma tributação de dividendos, os fundos imobiliários teriam o valor de suas cotas ajustado para baixo, o que prejudicaria a própria cobrança tributária do governo sobre ganhos de capital.
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Martins, da Kinea, também reconhece que uma mudança na tributação seria negativa para os fundos imobiliários, justamente em um momento de forte entrada de novos investidores – a Bolsa está próxima de alcançar o número de 1 milhão de pessoas físicas nos fundos imobiliários.
Ele defende que, se houver uma mudança nas regras, ela deveria incidir apenas sobre os novos fundos, preservando o estoque da indústria.
IPO na crise
Em abril, a Vinci fez a oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) de seu fundo de fundos imobiliários, o Vinci Instrumentos Financeiros (VIFI11).
Luiz Filipe Araújo, gestor da Vinci e responsável pela estratégia, conta que a gestora já tinha iniciado o processo antes da chegada do coronavírus no Brasil e que, apesar do momento mais desafiador, a gestora conseguiu captar R$ 129 milhões, acima dos R$ 120 milhões esperados.
“Liquidamos a oferta no início de junho e ainda conseguimos bastante oportunidade, tanto no mercado secundário quanto no primário”, diz. “Para um FOF, aquele momento da crise era o melhor para investir.”
Entre as principais posições, Araújo cita o fundo de escritórios VBI Prime Properties (PVBI11), o de logística XP Log (XPLG11) e o híbrido CSHG Renda Urbana (HGRU11), bem como o BTG Pactual Corporate Office (BRCR11).
O fundo também conseguiu comprar recebíveis a taxas tidas como “atrativas”, conta o gestor, como o Certificado de Recebível Imobiliário (CRI) do Grupo Pão de Açúcar com prêmio de 6%, além do IPCA.
“Normalmente em crises, o que vemos são papéis high yield [de maior risco] com abertura de taxa. E o que vimos nesta crise foram bons nomes com taxas interessantes, então foi um bom momento para aproveitar oportunidades”, assinala.
Oportunidades
Além do posicionamento em escritórios bem localizados, Martins diz ver como oportunidade os fundos de shopping centers.
Apesar de reconhecer o momento difícil para o setor, o gestor da Kinea afirma que os preços descontados fazem sentido para investir pensando em uma valorização das cotas. É preciso, contudo, selecionar os melhores ativos, assinala.
“Não acho que os novos hábitos vão acabar com os shoppings, mas eles vão adaptar o mix de produtos de acordo com a demanda do consumidor”, afirma.
Já na Vinci, os gestores dizem gostar, além dos fundos de lajes corporativas, dos FIIs de logística, que ganharam espaço no mercado em meio a novos projetos de comércio eletrônico e por uma maior demanda por centros de distribuição.
“É um segmento que praticamente não sofreu. Pelo contrário, vemos locações sendo fechadas em um nível superior ao que eram antes da crise”, diz Bousquet.
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