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O anúncio do pacote de corte de gastos do governo jogou um balde de água fria nas expectativas do mercado. A percepção geral foi de que as contas não fecham e a dívida pública deve continuar subindo, aumentando o prêmio de risco do país. Como resultado, o dólar disparou para acima de R$ 6, o Ibovespa desvalorizou mais de 4% desde segunda-feira (25) e as taxas do Tesouro Direto renovaram máximas, com títulos de inflação oferecendo mais de 7% de juro real.
Para o head de alocação da XP, Rodrigo Sgavioli, o cenário permite um olhar otimista em relação a investimentos locais: “É uma Black Friday de ativos brasileiros, está tudo muito barato”, disse em entrevista ao InfoMoney.
A observação, entretanto, vem acompanhada de uma ressalva. A oportunidade se abre apenas para os investidores que estão de olho no longo prazo, dispostos a comprar os ativos em baixa e mantê-los na carteira por um período prolongado. Sgavioli acredita que os próximos meses e anos serão marcados por maior volatilidade, sem grandes chances de ganho de capital no curto prazo.
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“A marcação a mercado será volátil nas janelas mais curtas de investimento, mas para quem vai carregar títulos até o vencimento e ações no longo prazo, os valores estão muito interessantes. É preciso ser seletivo”, afirmou o head de alocação.
As recomendações do especialista incluem títulos de inflação, ativos que investem na economia real e a dolarização da carteira. Sgavioli espera um choque de juros por parte do Banco Central a partir da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que deverá apertar o cenário de crédito no país de maneira brusca, impactando diretamente os títulos de renda fixa e os ativos de renda variável.
Leia a entrevista completa com o head de alocação da XP:
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InfoMoney: O pacote de corte de gastos claramente não atendeu às expectativas do mercado, mas qual foi o maior problema?
Rodrigo Sgavioli: Acho que, primeiro de tudo, precisamos dividir o que é o pacote de reajuste de gastos do que foi o anúncio da reforma da renda. A questão da isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil foi colocada junto, mas é outra coisa.
O que vejo que decepcionou o mercado foram duas coisas: as medidas de impacto de curto prazo foram decepcionantes em volume de economia, e as medidas mais estruturais, que teriam um impacto mais duradouro na redução da velocidade de crescimento das despesas obrigatórias, também foram decepcionantes.
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Nossos cálculos internos indicam que a economia seria na faixa de R$ 45 bilhões, não os R$ 70 bilhões anunciados pelo governo. Isso sem contar que as medidas têm que passar pelo Congresso, então é incerto o que pode ser o texto final. Acho que, no geral, isso foi o que decepcionou em relação ao pacote fiscal.
O governo foi ousado e colocou um tema que nem é para agora, é para 2026, que é a reforma da renda. Anunciou com o discurso de que não haverá impacto no orçamento, mas haverá. Sempre há. A situação é de uma renúncia certa, na faixa de R$ 50 bilhões, por uma receita incerta, abaixo desse montante. As contas não batem.
A questão é que a dívida brasileira, que já vinha com uma trajetória muito ruim sem esse pacote, continua muito ruim com ele. As medidas são muito pouco relevantes na trajetória da dívida brasileira.
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IM: Como esse cenário se reflete no ambiente de negócios, pensando em investimentos?
Sgavioli: Tudo isso faz com que o Brasil seja visto internacionalmente como mais arriscado. Você tem uma dívida muito alta em relação ao PIB, então os investidores exigem um prêmio maior para colocar o dinheiro no país. É um ambiente mais hostil para alguns segmentos de negócios.
E deve piorar porque o Banco Central vai precisar acompanhar a precificação da curva de juros futuros, que se abriu muito nas últimas semanas. Estamos falando de uma alta mais rápida para uma taxa maior do que a precificada pelo mercado. É um choque de juros. É como ir ao hospital, imaginando que o médico vai receitar um antibiótico e receber a notícia de que, na verdade, você vai precisar de uma Benzetacil, para não sofrer com a doença por muito tempo.
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De modo geral, é um clima hostil para negócios. Mas existem setores que podem se beneficiar, como os exportadores. O agronegócio pode surpreender com safras recordes, e a balança comercial deve continuar indo muito bem. Em dez anos, dobramos o volume da nossa balança comercial. Pode haver algumas boas notícias? Eu acho que pode, mas descorrelacionadas.
O governo gastou seu principal trunfo e vai ser difícil recuperar essa credibilidade.
IM: O dólar disparou, a curva de juros se abriu e a marcação do Tesouro subiu. É uma tendência que deve piorar ou podemos esperar alguma correção?
Sgavioli: É o momento em que todos param para fazer as contas. O que antes era um percentual de prêmio de risco agora pode se transformar em juros altos de forma estrutural. A inflação é que vai indicar isso. Os dados reais de inflação e a ancoragem das expectativas de inflação devem pressionar os juros para cima e refletir em outros indicadores.
Nesse momento, o que se desenha é uma pressão inflacionária. É como uma bússola com o ponteiro frouxo; você não tem firmeza para calcular onde vai parar. É mais difícil pensar em retornos nominais. A partir de agora, você terá que pensar em retorno real, garantindo um retorno acima da inflação.
Com essa perspectiva de juros, o retorno nominal às vezes pode parecer bom, por exemplo, 1% ao mês. Mas, dependendo da inflação, esse número pode ser uma coisa, mas seu ganho real é desprezível ou muito pouco. Então eu diria para ter muito cuidado com os retornos nominais.
IM: Aproveitando esse gancho, como ficam os ativos domésticos? Como o investidor deve pensar na estratégia de investimento para 2025?
Sgavioli: Deve ser um período em que os portfólios vão ter que focar muito mais em um bom carrego de instrumentos que tragam taxas interessantes para serem mantidas por um tempo. A marcação a mercado, aquele ganho de capital, não vai vir ou vai vir muito em janelas curtas e específicas. Mas não estamos falando de um investidor trader aqui, então a visão mais alongada é importante.
Os ativos brasileiros entraram na Black Friday, estão muito baratos. A calibragem agora é: ou estão baratos ou estão muito baratos. O Brasil está barato pelo câmbio, pela Bolsa, pela renda fixa.
Mas, assim, nessa hora, reforçamos, não por viés político, mas é preciso lembrar que moramos no Brasil, um país emergente, que tem mais volatilidade e incerteza. Eu sou muito comprado em relação à tese Brasil, acredito muito no potencial do nosso país, mas é preciso ter uma parte do patrimônio em dólar. Estamos vendo o dólar a R$ 6. Daqui a 30 anos, o que vai valer mais: o dólar ou o real? É isso.
IM: Pensando em ativos especificamente, quais são as melhores opções para se investir diante deste cenário de possível aumento de juros no Brasil? Também temos a questão de um governo Trump no horizonte, correto?
Sgavioli: Perfeito. Eu acho que esses dois elementos que você citou, a eleição do Trump e o pacote fiscal, deixam claro para mim que estaremos em um mundo, talvez não só no curto prazo, mas no médio e longo prazo, com pressões inflacionárias adicionais.
Diante disso, meu conselho é investir em ativos com ganhos reais acima da inflação. O mais óbvio é o Tesouro IPCA+, que já está pagando 7% de juro real. Mas o investimento na economia real também é interessante, seja por meio de fundos, como os fundos imobiliários, ou ações. Lembrando que estamos falando de um horizonte de investimento mais longo, porque não haverá percepção de ganhos no curto prazo. É um ativo que, no pior dos cenários, sempre vai corrigir pelo menos pela inflação.
Na Bolsa, há muita barganha, muitas ações baratas que vão entregar economia real mais um prêmio, mas é preciso ser seletivo. O mesmo se aplica ao crédito privado. Títulos devem ser escolhidos para ter um bom carrego e serem mantidos até o vencimento com boas taxas, mas não pode ser qualquer emissor. É preciso evitar empresas alavancadas, considerando o nível de juros que estamos prevendo para o futuro.
IM: Você mencionou ativos internacionais, mas e o Bitcoin? É uma aposta para o governo Trump?
Sgavioli: Sim. A recomendação de ter uma carteira dolarizada é constante. Não estou dizendo para investir na moeda, comprar dólar, não. É sobre ter renda fixa em dólar, fundos de hedge em dólar, ETFs, Bolsa em dólar. Não é dólar por dólar, mas ter ativos dolarizados.
Sobre cripto, ficou explícito na campanha que o governo Trump irá priorizar a questão, mas não está claro como essa regulamentação vai se concretizar. É uma faca de dois gumes: muito da tese do Bitcoin é ser descentralizado e não regulamentado por bancos centrais, sendo uma alternativa ao sistema financeiro global.
No caso de uma regulamentação mais rigorosa, não está claro para mim se os investidores antigos continuarão. Devem entrar novos investidores, mas há dúvidas sobre os antigos. Neste momento, acredito na tendência de alta, há um certo hype. Mas indico cautela para o longo prazo.