SÃO PAULO – Pode não parecer, mas o primeiro bimestre de 2021 já passou e, infelizmente, as notícias não têm sido das melhores para o país, com reflexo direto sobre a queda da Bolsa. Após uma desvalorização já expressiva de 3,3% em janeiro, o Ibovespa aprofundou o movimento em fevereiro, quando teve baixa de 4,4%.
O sentimento de maior aversão ao risco dos investidores ocorre na esteira do aumento da insegurança quanto ao rumo da política econômica do país e com notícias de interferência em estatais, bem como pela piora da pandemia diante de uma vacinação mais lenta do que o desejado.
Nesse ambiente, o dólar manteve sua escalada frente ao real, com uma alta de 2,5% no mês, e que se aproximou dos 8% só no primeiro bimestre.
Lá fora, por outro lado, com o andamento da discussões em torno do novo pacote trilionário de ajuda financeira nos Estados Unidos e com a vacinação avançando de maneira bem mais acelerada, o S&P 500 marcou valorização de 2,6% no mês passado.
Reflexo desse momento bastante distinto vivido no Brasil e nos mercados globais, os fundos de ações e multimercados que mais se destacaram em fevereiro foram mais uma vez aqueles dedicados ao investimento em ativos internacionais.
Confira a seguir os fundos com as maiores altas e baixas do mês passado, com os destaques positivos dominados quase que totalmente por estratégias globais.
Entre as exceções, o fundo Tarpon GT focado em ações de menor capitalização, foi na contramão do mercado e rendeu 5,3%. Nos multimercados, destaque para a valorização de 11,8% do Vista Multiestratégia, e de 5,5% do RPS Total Return, em que a alocação global também é parte importante dos portfólios.
A fotografia do mercado nessa janela mais curta de análise acaba sendo a mesma considerado um intervalo maior, dos últimos 12 meses, em que a moeda americana acumula valorização de 25,1%, e o S&P 500, de 22,3%, contra os ganhos de 4% do Ibovespa no período.
Por conta disso, na categoria de renda variável, as maiores rentabilidades em um ano partem dos produtos que ganham com a alta das ações globais e do dólar, como o Morgan Stanley Global Opportunities, que rende 97,3%, e o Itaú Ações Mercados Emergentes, com ganhos de 70%.
Confira a seguir os fundos de ações que mais se destacaram nos 12 meses encerrados em fevereiro de 2021, assim como seu desempenho em 36 meses (no caso dos fundos com histórico para o intervalo), no primeiro bimestre e apenas em fevereiro.
Importante lembrar que retorno passado não é garantia de rentabilidade futura, embora seja interessante analisar o desempenho histórico dos fundos para observar sua consistência.
Na classe de multimercados, as estratégias globais também dominam as maiores rentabilidades em 12 meses, com a liderança a cargo dos fundos de fundos do Santander e da M Square.
Nesse tipo de produto, o trabalho consiste na seleção das melhores gestoras baseadas no exterior, com maior propriedade para fazer a leitura do ambiente internacional e das consequentes oportunidades.
Para a análise dos melhores fundos, foram considerados veículos não exclusivos, com gestão ativa e patrimônio líquido médio superior a R$ 100 milhões em 12 meses e mais de 99 cotistas, em fevereiro.
Na categoria de renda variável, foram excluídos os fundos setoriais e os monoações. Entre os multimercados, não foram considerados os fundos de crédito privado.
“Value investing” voltado para crescimento
No caso do fundo global de ações do Morgan Stanley, entre as maiores posições na carteira de janeiro, estavam nomes como Amazon, Mastercard e Uber, além de Visa e Disney.
“Seguimos expostos a histórias de crescimento secular através de empresas bem geridas no segmento de nuvem. Acreditamos que a habilidade de conectar as pessoas via vídeo, chat, voz e compartilhamento de dados chegou para ficar”, assinala Victor Arakaki, principal executivo de desenvolvimento de negócios do Morgan Stanley Investment Management (MSIM) para o Cone Sul.
Ele diz ainda que empresas de “streaming“, com forte propriedade intelectual e diversos canais de distribuição, também podem seguir com ritmo forte de crescimento.
Leia também:
• Fundos de renda fixa lideram captações da indústria em fevereiro, com saldo positivo de R$ 17,3 bilhões
Segundo Arakaki, o fundo busca seguir a filosofia de investimento de valor consagrada pelo bilionário Warren Buffett, mas com sua aplicação voltada às ações classificadas como de crescimento, que têm no setor de tecnologia seu maior expoente.
“Ao implementar uma disciplina de preço em empresas de qualidade com vantagens competitivas e diferentes oportunidades de crescimento, podemos oferecer um balanço adequado de risco versus retorno”, afirma o executivo.
Aposta no agro
Entre os fundos que se dedicam às ações brasileiras, o Tarpon GT Fc FIA conseguiu se destacar em fevereiro, com uma alta de 5,2%, contra a queda de 4,4% do Ibovespa. Em 12 meses, a valorização do fundo chega a 23,1%, contra 5,6% do benchmark.
Rafael Maisonnave, sócio e gestor do Tarpon GT, explica que o fundo “long only” tem como proposta buscar histórias fora do radar da maior parte do mercado, em ações mais conhecidas como “small” e “mid caps“, geralmente de empresas de menor porte em comparação com as maiores da Bolsa.
Uma das principais apostas na carteira concentrada em 12 ações recai sobre o setor do agronegócio, que tende a ir bem mesmo que a retomada da economia brasileira como um todo fique abaixo das expectativas, afirma Maisonnave. Ele cita a empresa de armazenagem de grãos Kepler Weber e a administradora de propriedades rurais BrasilAgro no grupo das maiores convicções no portfólio.
“Além de ter sido um dos setores que mais se beneficiaram na crise, o agro é o mais protegido contra um cenário de inflação ou de maior intervenção política no mercado”, afirma.
A Wilson Sons, que atua no setor de transporte marítimo de contêineres e de cabotagem, e que se beneficia do ciclo positivo para as commodities agrícolas, também é apontada como um dos destaques hoje do fundo.
A Fras-le, fabricante de autopeças do setor automotivo que se beneficiou do aumento da procura por transporte particular na pandemia, bem como a empresa de energia Alupar, de um setor tipicamente mais resiliente da economia, também estão no portfólio do Tarpon GT.
Cético com Brasil
Entre os multimercados que conseguiram se destacar frente aos pares nas últimas semanas de forte aversão ao risco no mercado brasileiro, está o RPS Capital Total Return.
Com um foco mais voltado às ações, o fundo teve valorização de aproximadamente 5,5% em fevereiro, e de 17,1% em 12 meses, em grande medida por conta do ceticismo com as perspectivas para o desempenho da economia local, diz Paolo Di Sora, CIO da RPS Capital.
Diante de uma vacinação que avança em ritmo abaixo do desejável e do risco de o governo enveredar por uma política de controle de preços e intervenção nas estatais, a maior parte da carteira do multimercado da RPS Capital está voltada para ativos globais.
“Estamos muito céticos em relação ao que está acontecendo no Brasil do ponto de vista macro”, afirma o gestor, em referência à pressão inflacionária, que Di Sora acredita que não vai ficar restrita apenas aos alimentos, o que deve levar o Banco Central a iniciar um processo de aperto monetário e dificultar ainda mais o equilíbrio fiscal.
Por conta disso, no mês passado, em que o pessimismo local contrastou com o sentimento de maior apetite por risco dos investidores internacionais, o fundo da RPS Capital se beneficiou das posições nos setores financeiro e de consumo nas bolsas americanas, que ganham com o processo de reaquecimento da economia dos Estados Unidos.
JP Morgan, Morgan Stanley, Disney, Nike, Booking, Visa e Mastercard estão entre as apostas globais na carteira do RPS Total Return.
Di Sora acrescenta ainda ter visão positiva para os preços das commodities, o que garante algum espaço para ativos domésticos como Vale, Suzano e JBS. No caso do petróleo, diante de todo imbróglio envolvendo a Petrobras, a preferência tem sido por nomes de fora, como Exxon Mobil e Shell.
Além das commodities, alguns IPOs da Bolsa local no mês passado, da Intelbras e da Mosaico, bem como uma posição em BTG Pactual, também contribuíram para o retorno do multimercado.
Liquidez como “hedge”
Como proteção para a exposição majoritária em renda variável, o CIO da RPS Capital afirma que o principal “hedge” hoje é manter uma carteira concentrada em ativos de alta liquidez, como são as ações de grandes companhias.
Comprar derivativos para proteger o portfólio hoje está “absurdamente caro” diante da volatilidade observada nos mercados recentemente.
Além disso, tanto o câmbio como os juros já precificam uma deterioração relevante do cenário, e por isso também não parecem uma boa alternativa de proteção neste momento na visão do gestor.
“Nesse contexto, a melhor proteção é ter liquidez para reduzir a carteira rapidamente, se o Brasil eventualmente pular no precipício”, diz o CIO da RPS Capital.