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Para quem investe em títulos públicos do Tesouro Direto, 2022 foi uma caixinha de surpresas, com direito a Selic crescente, temor por conta das medidas contra a Covid, juros dos Estados Unidos e guerra na Ucrânia. As eleições presidenciais, que provocaram a turbulência mais recente, em razão do esperado “desajuste” fiscal, foram a cereja do bolo. Quem abre a caixa toma um susto em razão dos altos e baixos provocados por tantos fatores ao longo do período que está chegando ao fim.
Os analistas afirmam, em unanimidade, que os pós-fixados foram o grande presente para os investidores neste ano. É preciso reforçar que uma das recomendações tradicionais para quem investe em renda fixa é dar preferência a estes ativos – com a remuneração atrelada às variações da Selic ou CDI – nos períodos em que os juros estão subindo ou “estacionados”, como agora.
Essa estratégia permitiria capturar ganhos adicionais na aplicação conforme as taxas avançam – afinal, se o CDB (Certificado de Depósito Bancário) de um banco, por exemplo, oferece 100% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) e o CDI aumenta, o retorno final também será maior.
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Foi o que se viu também no Tesouro Direto. Os títulos públicos pós-fixados, que oferecem a Selic como rendimento, foram os que mais valorizaram nesse ano, com retorno acumulado de até 12,55% até esta terça-feira (20).
Entre os títulos atrelados à inflação, o melhor desempenho ficou com o Tesouro IPCA+ 2026, que avançou 4,83% no ano. Já os demais títulos apresentaram queda. O Tesouro IPCA+ 2040 teve recuo de 1,62%, enquanto o que vence em 2045 desvalorizou 2,28%. O pior resultado foi do Tesouro IPCA+ 2055, com perda de 4,64%.
Entre os papéis prefixados, o que vence em 2025 avançou 4,28% no ano, melhor rentabilidade da categoria.
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Confira o desempenho dos títulos públicos em 2022 (em % até 20 de dezembro):
Títulos | Vencimento | Últimos 30 dias | No ano | 12 meses |
Tesouro Prefixado | 01/01/2023 | 1,13 | 11,26 | 11,67 |
Tesouro Prefixado | 01/07/2024 | 1,25 | 5,92 | 6,32 |
Tesouro Prefixado | 01/01/2025 | 0,97 | 4,28 | 4,71 |
Tesouro Prefixado | 01/01/2026 | 0,67 | 0,91 | 1,27 |
Tesouro Prefixado | 01/01/2029 | 0,21 | – | – |
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais | 01/01/2023 | 1,13 | 11,35 | 11,73 |
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais | 01/01/2025 | 1,07 | 5,38 | 5,79 |
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais | 01/01/2027 | 0,6 | 1,81 | 1,96 |
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais | 01/01/2029 | 0,61 | -0,63 | -0,58 |
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais | 01/01/2031 | 0,27 | -2,4 | -2,6 |
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais | 01/01/2033 | 0 | – | – |
Tesouro Selic | 01/03/2023 | 1,13 | 12,02 | 12,32 |
Tesouro Selic | 01/09/2024 | 1,12 | 12,23 | 12,55 |
Tesouro Selic | 01/03/2025 | 1,12 | 12,35 | 12,67 |
Tesouro Selic | 01/03/2027 | 1 | 12,55 | 12,88 |
Tesouro IGPM+ com Juros Semestrais | 01/01/2031 | -1,27 | 3,12 | 3,83 |
Tesouro IPCA+ | 15/08/2024 | 0,54 | 7,9 | 8,33 |
Tesouro IPCA+ | 15/08/2026 | -0,64 | 4,83 | 5,15 |
Tesouro IPCA+ | 15/05/2035 | -1,91 | -4,67 | -4,94 |
Tesouro IPCA+ | 15/05/2045 | -5,37 | -17,23 | -17,86 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/08/2024 | 0,57 | 8,31 | 8,74 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/08/2026 | -0,43 | 5,8 | 6,16 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/08/2030 | -1,03 | 2,53 | 2,82 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/08/2032 | -1,07 | – | – |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/05/2035 | -1,34 | -0,26 | -0,28 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/08/2040 | -2,55 | -1,62 | -2,47 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/05/2045 | -2,7 | -2,28 | -3,9 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/08/2050 | -3,1 | -3,44 | -4,55 |
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais | 15/05/2055 | -3,39 | -4,64 | -5,99 |
Fonte: Tesouro Direto
“Barbeiragem” do Banco Central?
Houve alguns sustos proporcionados pela inflação na primeira metade do ano. Por conta disso, o Banco Central teve que elevar a taxa de juros para um patamar acima do que era esperado pelo mercado.
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Mas outro fator, além da tentativa de conter a inflação, também é apontado como razão para a forte elevação dos juros. Thiago Calestine, economista e sócio da Dom Investimentos, diz que pode ter havido, digamos, uma “inabilidade” do Banco Central.
Os títulos públicos geralmente são ofertados com periodicidade semanal pelo BC: às terças-feiras ocorrem os leilões de venda de NTN-Bs (ou Tesouro IPCA+) e às quintas-feiras, de LTNs (ou Tesouro Prefixado), NTN-Fs (Tesouro Prefixado com juros semestrais) e LFTs (Tesouro Selic).
“O BC errou muito na oferta desses títulos. Às vezes, ofertava mais título do que o mercado estava com apetite para comprar. E o mercado de taxa ‘grita’. Se o Banco Central está tentando captar dinheiro e o mercado não está interessado, é porque ou rendimento do título está muito baixo ou o preço alto demais”, diz.
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A ação do mercado, diante deste quadro, é jogar os títulos para cima, diz Calestine. “Isso também fez com que os títulos pós-fixados ficassem um pouco mais inertes a essa ‘barbeiragem’ do Banco Central em 2022”.
Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa para pessoa física do Itaú BBA, faz uma retrospectiva: o que o mercado esperava para este ano, no fim do ano passado? “O mercado tinha como implícita, na curva de juros, uma inflação ao redor de 5% a 5,25%. Os títulos IPCA+ com prazo médio de dez anos estavam com uma taxa perto de 5% ao ano. E os prefixados, com prazo médio entre cinco a dez anos, estavam girando em torno de 11%”, relembra.
A inflação, segundo Queiroz, vai ficar apenas um pouco acima do que já estava precificado e deve fechar em 5,8% aproximadamente. Para quem tinha 5,2% no início do ano, não vai se surpreender tanto. Mas, e as taxas? Os 5% do IPCA+ viraram, neste momento, de 6% a 6,20% ao ano. E essa elevação gerou perdas. “É muita oscilação durante o ano”, diz. “A marcação a mercado nesses títulos não foi favorável”.
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Em geral, quanto maior era o prazo médio do Tesouro IPCA+, pior foi para o investidor ao longo de 2022. Nos prefixados, a dinâmica foi parecida. Os 11% do começo do ano viraram 13% ou 13,5% agora. Vale a mesma lógica. Ou seja, ganhou este ano quem ficou locado em títulos pós-fixados, ou títulos de prazos bem curtos.
Em 2023, volatilidade desde o início
O próximo ano, diz o especialista do Itaú, já começa com grande volatilidade, por conta da PEC da Transição, aprovada pelo Senado Federal prevendo uma ampliação de R$ 145 bilhões por dois anos no teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício à variação da inflação no ano anterior. “O risco fiscal provoca temor. Quando eu olho para frente, estou querendo saber primeiro o que já está precificado. O mercado está com bastante receio do que pode vir”.
Queiroz lembra que houve a reversão da Lei das Estatais na Câmara, em apenas uma noite na última semana, e destaca quantas outras medidas podem ser alteradas. O investidor fica com o pé atrás e o mercado não quer pagar pra ver. “O governo agora vai ter que passar alguma credibilidade porque o mercado já passou a desconfiar dele”.
Alexandre Satoru Yamamoto, analista de renda fixa da Levante Investimentos, afirma também que este ano “sem dúvida” foi dos pós-fixados. As LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) foram os únicos títulos que renderam acima do CDI. “Os papéis foram favorecidos com o ciclo de alta da Selic, que passou de 9,25% para 13,75% ao ano. No ano, o acumulado para os vencimentos março de 2025 e março de 2027 está acima dos 12%, enquanto o CDI foi de 11,63% (até 13 de dezembro).
As NTN-Bs tiveram uma boa performance até o meio do ano, em função da pressão inflacionária proveniente da guerra na Ucrânia e seus efeitos sobre os preços de energia. Mas eles foram afetados por dois fatores.
O primeiro é a alta dos juros, que impacta a parte prefixada: se as taxas de cupom sobem, os títulos perdem valor na marcação a mercado. E as medidas de desoneração dos combustíveis, que provocaram uma deflação de três meses seguidos e afetaram a parte pós-fixada.
As LTNs e NTN-Fs (Tesouro Prefixado) também não foram bem em 2022. “Isso já era esperado, visto que o ganho nos títulos prefixados se dá em ciclos de cortes de juros. Mas o ano foi marcado pelo forte aperto monetário no primeiro semestre, devido à alta da inflação, e pela alta volatilidade no segundo semestre, por conta das eleições e sinalizações do governo eleito”, explica Yamamoto.
Pensando em marcação a mercado, o melhor ativo, de acordo com Marina Renosto, head de alocações da Blackbird, foram as LFTs, que acompanham a taxa de juros. Isso deve acontecer também em 2023. Em segundo lugar, Marina destaca os títulos principalmente com vencimento de até cinco anos.
“Ninguém esperava isso para este ano: o pós-fixado sendo o melhor, diante de tanta volatilidade. O mercado não podia imaginar que a característica defensiva dos pós-fixados seria tão necessária”, diz.
Prazos mais longos, maior sofrimento
“Não era possível imaginar que a Selic alcançasse 13,75% ao ano. As projeções foram e continuam sendo revistas e esse é o patamar é bastante atrativo para o investidor de renda fixa”, afirma Arley Junior, estrategista de investimentos do Santander.
O Tesouro Selic acompanha esse movimento. Em contrapartida, os prefixados Tesouro IPCA foram prejudicados. Aquele investidor que tem o título com a taxa antiga, sofreu. “Prazos intermediários e longos acabaram sofrendo mais ao longo do tempo”.
Olhando para a frente, Arley Junior detalha que o Santander trabalha com a manutenção da Selic em um patamar elevado por mais tempo. “Conforme as informações vão sendo veiculadas, é possível entender o que acontece no Brasil e no mundo e incorporar tudo isso nos preços”.
Para o especialista, o momento é de interpretação para entender como será o governo em 2023. Ele indica que a Selic alta vai continuar sendo um destaque. O início do corte da taxa deve acontecer no segundo semestre. Desta forma, o Tesouro Selic vai chamar ainda bastante atenção. Ou seja, a renda fixa continua sendo a “menina dos olhos”, não apenas de quem tem perfil conservador. “Há muita incerteza, ainda estamos digerindo o tema político, além do impacto global, que também levou as taxas para um patamar bastante atrativo”, ressalta.
A principal recomendação do Santander é o IPCA+ 2035, que oferece mais de 6% ao ano. “Quanto maior o prazo, maior é o risco de oscilação da carteira. Neste momento preferimos não optar pelo risco. Nosso modelo prevê aumentar e diminuir exposição de acordo com o mercado”, aponta o especialista.