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SÃO PAULO – Quem olha para a rápida recuperação dos mercados desde o auge da crise provocada pela epidemia de coronavírus pode ter a impressão de que o pior ficou para trás. Depois de despencar quase 50% da máxima até a mínima do ano, entre 23 de janeiro e 23 de março, a Bolsa brasileira acumula alta de quase 60% desde então até o dia 23 de outubro.
Os prêmios de risco embutidos nos títulos públicos, que mostram o nível de retorno demandado pelos investidores para emprestarem recursos ao governo, também tiveram queda passado o estresse inicial, com um tom mais pessimista sendo aos poucos dissipado.
Até agora. Ao longo das últimas semanas, não só uma preocupação com a segunda onda de contaminações por Covid-19 no mundo ganhou força, como cresceu no Brasil a visão negativa de parte do mercado financeiro sobre a condução do governo no que tange à política fiscal.
Há um receio em relação ao descontrole dos gastos públicos diante das medidas adotadas para combater os efeitos da crise provocada pela epidemia. O temor de que o teto de gastos seja furado por conta disso aumentou e se refletiu nos preços dos ativos.
O Ibovespa chegou a perder os 100 mil pontos, o dólar ultrapassou a cotação de R$ 5,60 e os prêmios embutidos nos títulos públicos voltaram a subir em setembro, inclusive com uma rara queda de preço do Tesouro Selic.
Mesmo com uma situação de menor estresse em outubro, o fato é que algumas gestoras têm se posicionado para uma piora do quadro doméstico, de olho em um aumento da inflação e, consequentemente, dos juros, com incertezas que respingam sobre a trajetória das empresas com ações listadas em Bolsa.
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A Verde Asset vem alertando para os riscos há alguns meses. Em agosto, ao lado de Rogério Xavier, da SPX, Luis Stuhlberger deixou claras as preocupações com o aspecto fiscal, com uma piora por conta dos estímulos promovidos em escala global em razão da crise do coronavírus.
“O mercado não está dando o devido valor à fragilidade da economia brasileira”, afirmou o fundador da Verde, durante evento.
No início de setembro, após “longos anos”, as posições de juro real e inflação implícita do fundo Verde foram zeradas. “Não há saídas fáceis, e o elevado nível de endividamento que fica como herança da Covid demanda prêmios de risco mais altos”, disse a gestora, na ocasião.
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Cenário não propício para tomada de risco
Na visão de Xavier, a política adotada pelo Banco Central teria levado a mudanças nos portfólios dos investidores em uma velocidade muito acelerada, com as pessoas tomando riscos sem necessariamente terem dimensão dos efeitos de uma reversão das medidas de liquidez injetadas pelos países desenvolvidos.
“Fico muito preocupado com a estratégia tomada no Brasil. Acho que estamos vivendo certa ilusão do mágico acreditando na própria mágica”, afirmou Xavier, em agosto.
A SPX orientou investidores a buscar proteções já em julho. “Embora haja razão e motivos para os preços dos ativos financeiros continuarem a subir, acredito que seja hora de pensar em comprar guarda-chuva em dia de sol”, escreveu a gestora, em relatório.
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Conhecido no mercado por seu viés mais pessimista, Xavier reforçou a mensagem agora em outubro, quando indicou que o Brasil não está em um cenário propício para a tomada de risco.
E os prêmios do mercado, refletidos nos juros futuros, não estão refletindo essa piora, em sua visão. Se até a virada do ano a percepção de descontrole das contas públicas seguir ganhando força entre os investidores, Xavier acredita que o Banco Central pode se ver obrigado a ter de subir os juros antes do previsto.
Por esse motivo, no “book” de renda fixa dos fundos da SPX, o gestor tem optado por manter posições tomadas nos juros, que tendem a se beneficiar de um futuro aumento das taxas.
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Em sua última carta mensal, a Legacy Capital destacou que o cenário se tornou mais “turvo” no Brasil, e que a chance de flexibilização do teto de gastos em 2021 aumentou, com redução da probabilidade de reformas estruturais, como do Pacto Federativo, assim como a tributária e a administrativa.
Com uma mudança do regime fiscal, o cenário para a economia seria mais adverso, disse a Legacy, e implicaria em inflação mais alta, crescimento menor e elevação dos juros.
A gestora reduziu a exposição em renda fixa e em Bolsa no Brasil, tendo em vista as incertezas domésticas.
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Espiral negativa
Diante da dificuldade financeira do governo para se financiar, que não parece ter uma saída crível de curto prazo, a tendência é que os investidores sigam cobrando mais prêmio para comprar os títulos, mesmo entre os pós-fixados como o Tesouro Selic, prevê Bruno Carvalho, gestor de renda fixa da Asset 1.
“É um problema contratado para 2021”, afirma o gestor da Asset 1. “Tem bastante vencimento de título público no ano que vem e, se não tiver uma situação do Brasil um pouco melhor, a ponto de aumentar a atratividade para investidores locais e estrangeiros, o problema vai ser ainda maior do que está ocorrendo agora.”
Carvalho alerta para o risco de uma perigosa espiral negativa, em que o rendimento negativo dos fundos de renda fixa de curto prazo gere uma onda de resgates, que, por sua vez, retroalimente a rentabilidade negativa dos produtos, com os gestores sendo forçados a vender os ativos para honrar os resgates, e assim por diante.
“E tem toda a dificuldade de se conseguir controlar os gastos no meio de uma pandemia, então realmente é uma situação bem complicada.”
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O gestor diz ainda que, pressionada pelo auxílio emergencial e pelas commodities, a inflação deve seguir acima do projetado pelo mercado.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Base 15 (IPCA-15) registrou inflação de 0,94% em outubro na comparação mensal, na maior alta para o mês desde 1995. No ano, a prévia da inflação acumulou alta de 2,31% e, em 12 meses, atingiu 3,52%.
Por esse motivo, a Asset 1 tem mantido posições “compradas em inflação”, por meio de derivativos ou NTN-Bs que tendem a se beneficiar de um aumento nas taxas de inflação implícita embutidas nos juros dos títulos públicos de curta duração.
Apesar da pressão inflacionária, Carvalho trabalha com um cenário-base no qual a taxa básica de juros só deve subir em 2022. Ele ressalta, contudo, que mudanças podem ocorrer a depender da evolução sobre o planejamento fiscal do governo para 2021.
Por conta do aumento do ruído político nas últimas semanas, Carvalho diz que a Asset 1 também desfez a aposta estrutural na valorização do real. Agora, posições na carteira que ganham com o fortalecimento da moeda local são montadas apenas de maneira mais pontual, geralmente quando o Banco Central entra no mercado vendendo dólar. “Estamos preferindo não fazer nenhuma aposta positiva”, diz Carvalho.
Vencimentos mais curtos
Segundo Ronaldo Patah, estrategista de investimentos da gestora de patrimônio UBS Consenso, desde meados de agosto, quando as discussões sobre a política fiscal em 2021 começaram a ganhar corpo, a postura tem sido de reduzir o risco da carteira na renda fixa dos investidores, na prática, diminuindo o prazo das aplicações.
Entre os papéis prefixados, o horizonte de investimento, que chegava até 2024, foi encurtado em cerca de um ano, enquanto nos indexados à inflação o limite estabelecido foi o de 2030, com a venda de papéis com prazo acima, como 2045.
“Nos vértices mais longos, há uma oscilação de preços nos momentos de maior volatilidade que o investidor prefere não ter na renda fixa”, diz Patah, acrescentando que, na parcela de renda variável, sente um conforto um pouco maior dos clientes em ver a cota chacoalhar com a volatilidade do mercado.
A redução do risco na renda fixa local, diz o estrategista do UBS Consenso, foi compensada por uma alocação global diversificada, com a variação do câmbio. Lá fora, a recomendação da gestora de patrimônio engloba um portfólio com ações, renda fixa privada e commodities.
Para a renda variável doméstica, a recomendação da gestora de patrimônio está neutra, ou seja, não é hora de comprar, nem de vender. Patah ressalta, no entanto, que entre a parca renda fixa local e a Bolsa, fica com a segunda.
Para capturar boas oportunidades nas ações em um cenário de elevado nível de incerteza, a gestão ativa delegada a gestores experientes faz toda diferença, diz o estrategista. “Índices não são a melhor opção neste momento. Nem aqui, nem lá fora.”
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