No 1º mês de marcação a mercado da renda fixa, investidor opta por ver ativos “na curva”; é melhor?

Volatilidade causada por diferentes fatores que afetam o mercado ficou evidente nos preços dos papéis

Neide Martingo

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O ano de 2023 e a nova regra sobre “marcação a mercado” dos ativos de renda fixa chegaram juntos na vida dos investidores. Passado pouco mais de um mês, eles já viveram algumas fortes experiências.

Na prática, os investidores tiveram que se acostumar a acompanhar o comportamento diário dos títulos em que aplicam. Desta forma, tomaram sustos, viram as perdas e alguns resolveram que não querem mais “brincar” de marcação a mercado, pedindo para voltar a ter os papéis marcados “na curva”.

Uma regra estabelecida pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) determinou que as corretoras e plataformas de investimentos passassem a apresentar o valor de alguns ativos de renda fixa segundo a sua marcação a mercado. Em vigor desde o início de janeiro, a mudança permite que os investidores consigam acompanhar, dia a dia, quanto realmente valem os papéis que adquiriram.

Até então, os papéis eram marcados na curva – ou seja, tinham seu valor atualizado todo dia pela mesma taxa contratada pelo investidor no momento da aquisição do papel.

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Isso porque “marcar a mercado” nada mais é do que a atualização do valor dos títulos segundo os preços pelos quais estão sendo negociados atualmente.

Os títulos públicos negociados no Tesouro Direto já eram marcados a mercado. Mas nesse ano outros papéis – Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Imobiliário (CRIs), debêntures e títulos públicos adquiridos via tesouraria – também passaram a ser.

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O resultado é que a volatilidade, causada por diferentes fatores que afetam o mercado, ficou evidente nos preços dos papéis.

“No último mês, vimos o aumento nas taxas de juros, tanto nos títulos prefixados quanto nos indexados à inflação”, diz Marília Fontes, sócia-fundadora da Nord Research. Segundo ela, a elevação das taxas foi, na média, em torno de 0,60 pontos-base (0,60 ponto percentual).

O aumento veio por conta do temor de alta da inflação por parte dos agentes e também em razão dos últimos pronunciamentos do governo federal, a respeito da independência do Banco Central.

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Diante deste cenário, as taxas de juros se elevam – e a consequência é que papéis prefixados e atrelados à inflação que já estavam na carteira dos investidores tendem a desvalorizar, pois as remunerações fixas que eles oferecem ficam defasadas em relação às disponíveis atualmente.

Isso acontece principalmente com os ativos que têm prazo um pouco mais longo. O Tesouro Prefixado 2029, por exemplo, teve rendimento negativo de 1,5% últimos trinta dias. E os títulos prefixados para 2025 e 2027 renderam 0,63% e 0,21%, respectivamente, “uma rentabilidade bem ruim” em comparação com a taxa do CDI, detalha Marilia.

Os títulos atrelados à inflação foram ainda piores. O Tesouro IPCA+ 2035 rendeu -4,5%. E o Tesouro IPCA+ 2045 teve rentabilidade de -7%. “Será possível ver esses títulos com bom desempenho bem quando o cenário for de queda nas taxas de juros, que precisam vir junto com a credibilidade fiscal e a expectativa de inflação para baixo”, diz Marilia.

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De volta para a marcação na curva?

Guilherme Carterdiretor comercial da SmartBrain, plataforma de consolidação de investimentos que tem sob custódia aproximadamente R$ 300 bilhões, diz que, neste primeiro mês, período de adaptação, muitas gestoras e corretoras ofereceram os dois caminhos ao investidor: a marcação a mercado e a marcação na curva. “Mais de 90% dos n0ssos clientes nos procuraram para oferecer o sistema híbrido aos investidores”, diz.

Embora a marcação a mercado dos ativos de renda fixa esteja valendo desde o início de janeiro, ela não precisa ser necessariamente adotada por todos os investidores. Os chamados qualificados – que contam com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras – podem escolher se preferem migrar para a marcação a mercado ou manter a marcação na curva dos seus ativos.

Se optarem por manter a marcação na curva, os investidores qualificados terão que formalizar esse pedido junto à corretora.

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Segundo Claudia Ramenzoni Rizzo, responsável pela área de assessoria da RB Investimentos, logo no início de janeiro, foram poucos os clientes – dentre os qualificados – que quiseram migrar para a marcação a mercado. E, nas últimas semanas, alguns voltaram atrás, pedindo para reestabelecer a marcação na curva das carteiras. “Muitos investidores estão se sentindo desconfortáveis, por conta da crescente volatilidade na carteira. Eles estão assustados”.

Claudia detalha os motivos que provocam a instabilidade no mercado neste início de ano. O primeiro é a precificação em si, que naturalmente gera mais volatilidade. O segundo ponto é o início da marcação a mercado ter coincidido com o começo do novo governo. “É o momento de anunciar nova equipe, delinear as principais medidas, planos de governo, e o mercado fica muito sensível”.

Além disso, a marcação a mercado coincidiu com problemas financeiros inesperados de empresas importantes, como Americanas (AMER3), Oi (OIBR3) e Light (LIGT3).

“Tivemos a volatilidade natural de ir para o mercado, início de novo governo e os problemas financeiros. Isso tudo gerou muita insegurança. E os investidores ficam um pouco mais sensíveis, pois a renda fixa é justamente na classe de ativos que era para dar algum conforto”, diz Claudia.

Não é à toa. Um investidor que Claudia chegou a registrar -10% de rentabilidade na carteira em um dia. “Por casos assim é que as pessoas resolveram voltar para a marcação na curva. Os investidores optaram psicologicamente por se preservar”.

Qual é a melhor opção, afinal?

Para os especialistas financeiros, a marcação a mercado dos ativos de renda fixa é importante porque permite ao investidor saber quanto realmente conseguiria pelo ativo, se tivesse que vendê-lo hoje. “É muito importante saber o valor correto. Caso contrário, o investidor pode descobrir, no momento que mais precisa de dinheiro, que não tem o patrimônio que imaginava”, afirma.

Mas quem avalia a situação do ponto de vista psicológico considera que optar por voltar para a marcação na curva não é exatamente ruim. “Que bom que as pessoas estão se preservando e com consciência suficiente para pedir para não ver o que está acontecendo com o investimento”, diz Vera Rita de Melo Ferreira, presidente da Associação Internacional de Pesquisa em Psicologia Econômica (AREP).

Segundo Vera, estudos mostram que informação demais pode atrapalhar, principalmente no que se refere às oscilações do mercado financeiro. Isso porque as pessoas tendem a agir por impulso. Na hora em que veem que perderam, saem desesperadas. “Eu dou os parabéns para os que até chamamos de tomadores de decisão sofisticados, que reconhecem e conseguem conviver com as próprias limitações”.

Para ela, esses investidores são diferentes das pessoas que têm autoconfiança exagerada e acham que vão dar conta de administrar tantas informações. “Esses investidores são os que entram pelo cano com mais frequência”.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney