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Prestes a “caducar” no final do mês de agosto, a medida provisória que trata da tributação de investimentos no exterior foi aprovada nesta terça-feira (8) em comissão mista, após ser incorporada pela MPV do salário mínimo.
O texto, que prevê a regulamentação do funcionamento dos trusts e a taxação de “offshores” mantidas por brasileiros no exterior, trouxe como uma das novidades a inclusão dos criptoativos, que passaram a ser caracterizados como ativos financeiros.
Com a mudança, o envio e recebimento de recursos em criptoativos são equiparados, para fins tributários, às transações com demais ativos financeiros, sendo aplicáveis os novos regimes de alíquotas e demais restrições trazidas pela nova norma.
A proposta visa fazer frente à diminuição de receita advinda da atualização da faixa de isenção do imposto de renda pessoa física, prevista para saltar de R$ 1.903,98 para R$ 2.112,00. Cálculos do governo indicam que a nova legislação tem potencial de gerar arrecadação de R$ 3,25 bilhões em 2023, R$ 3,59 bilhões em 2024 e de R$ 6,75 bilhões em 2025.
No entanto, para além de incrementar a capacidade arrecadatória do governo, segundo especialistas, a inclusão dos criptoativos se deu como forma de inibir o uso de ativos digitais para burlar a tributação de aplicações financeiras fora do país.
“Por não haver uma definição clara sobre sua natureza, criptoativos poderiam ser utilizados, em princípio, para operações com empresas sediadas no exterior, burlando as restrições impostas pela Medida Provisória 1171/2023”, explica o advogado Isac Costa, sócio do Warde Advogados e professor do Ibmec. “O objetivo da emenda foi impedir uma brecha nas transações com offshores”.
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“A ideia do governo é fechar essa alternativa anteriormente existente, em sintonia com os demais investimentos no exterior feitos pelas pessoas físicas via sociedades offshore, bem como esclarecer que os rendimentos gerados a partir de operações com criptoativos estarão sujeitos à tributação no Brasil ‘como se fossem aplicações financeiras'”, opina Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio na área Tributária do VBD Advogados.
Operações com criptoativos em estruturas internacionais são realizadas principalmente por investidores mais qualificados nesse segmento, como meio não só de pagar menos imposto, mas também de reduzir custos com compliance e burocracia com fechamento de câmbio periódico e emissão de DARFs.
A empresa sediada no exterior também não precisa atualmente prestar informações de operações com criptoativos conforme prevê a Instrução Normativa 1888 da Receita Federal.
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O que muda para o investidor de criptoativos?
Segundo Adriano Sutto, tributarista do Candido Martins Advogados, a proposta não afeta pessoas físicas que negociam criptomoedas no exterior, pois já é prevista a tributação de ganhos de capital no Brasil quando o ativo digital é vendido por moeda corrente nacional com lucros acima de R$ 35 mil por mês. Para investidores de cripto em corretoras brasileiras, nada muda também.
Por outro lado, explica, o cenário é diferente para o brasileiro que detém uma offshore e, dentro dessa offshore estabelecida em paraíso fiscal, realiza operações com criptoativos e aufere lucros. “Nesse caso, o lucro decorrente de atividade com criptoativos da offshore seria tributável no Brasil com base nas novas regras, mesmo sem efetiva disponibilização”, pontua.
A taxação, ressalta, ocorreria não só nas operações que importem vendas de criptoativos gerando ganho efetivo, mas também nos casos em que a offshore reconheça resultados com criptoativos — decorrentes, por exemplo, de reavaliação, avaliação a valor justo e marcação a mercado. Nesse cenário, a offshore poderia atrair tributação automática no Brasil.
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Para Sutto, a medida pode pôr em xeque a efetividade de se abrir uma offshore como meio de obter economia fiscal na operação de criptomoedas. Na sua avaliação, operar como pessoa física pode eventualmente se tornar mais vantajoso para quem, hoje, negocia grandes volumes por meio de companhias em paraísos fiscais.
Quando começa a valer?
Diogo Olm Ferreira, advogado tributarista do VBSO Advogados, relembra que as mudanças na tributação de investimentos lá fora não começam a valer agora, pois ainda precisam passar pelo rito de aprovação de uma MPV para, então, entrarem em vigor a partir de 2024.
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O prazo é curto: o parecer do relator da matéria, o deputado Merlong Solano (PT-PI), segue agora para análise do plenário da Câmara dos Deputados. Caso aprovado, vai ao Senado Federal. Para virar lei, precisa ser remetido à sanção presidencial até 28 de agosto.
Entraves também podem surgir com a adição dos criptoativos na medida provisória. Mesmo que seja sancionada a tempo, a nova lei pode ser alvo de judicialização, alerta Castro, do VBD Advogados.
“Até hoje, não há consenso sobre a natureza jurídica dos criptoativos: se são ativos financeiros, ativos intangíveis, moeda ou equivalente a moeda, meio de pagamento ou um gênero jurídico sui generis“, conta.
O Marco Legal dos Criptoativos, que entrou em vigor em julho e criou a categoria de “ativo virtual”, deixou de fora da definição a caracterização desses ativos como ativos financeiros. “Haverá, portanto, margem para discussão de competência da medida provisória”, avalia o especialista.
Além disso, há dúvidas até mesmo sobre a efetividade da medida como forma de combater evasão tributária. Em maio, o InfoMoney revelou que investidores consideram apelar para o caráter marginal das criptos, que trafegam fora do sistema financeiro, para ocultar patrimônio e não pagar impostos. Ou seja, usariam criptos lá fora de forma direta, sem constituir offshore.
Pelo texto que vai à análise do plenário da Câmara, a taxação se aplicaria também a carteiras digitais, mas autoridades afirmam que a investigação de criptos nesse tipo de custódia é desafiadora.
Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a prática de usar criptos para evasão fiscal é recorrente e muito utilizada no Brasil especialmente em remessas ilegais de dólares ao exterior. A criptomoeda mais utilizada para este fim é a Tether (USDT), que responde por 80% das movimentações de cripto no país, segundo dados da Receita — e a preferida do contrabando que alimenta lojas na região da Rua 25 de Março, em São Paulo.