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SÃO PAULO – O aumento das incertezas políticas e econômicas no Brasil em meio ao avanço da Covid tem feito o mercado local perder cada vez mais atratividade sob a ótica do investidor estrangeiro.
Após o ingresso de R$ 24,5 bilhões em janeiro, os dados da B3 mostram que os saques dos “gringos” na Bolsa brasileira ultrapassaram os aportes em R$ 3,8 bilhões em fevereiro, com o saldo negativo chegando a R$ 4,6 bilhões em março.
As sinalizações recentes de grandes casas globais, do porte de JP Morgan e BlackRock, reforçam o alerta. As gestoras recomendaram cautela com a região, dando maior foco às oportunidades em pares comparáveis que lidaram, em sua avaliação, melhor com o vírus, como México e Chile.
Em meio a todos os desafios que o Brasil ainda enfrenta diante de uma vacinação que avança lentamente, não é só o estrangeiro que tem preferido alocar o risco em outras bandas com perspectivas melhores de crescimento.
“Hoje o Brasil não é um dos melhores lugares para alocar risco. Os Estados Unidos parecem ter uma relação entre risco e retorno muito superior”, afirmou Márcio Appel, sócio da Adam Capital, em entrevista ao InfoMoney.
A gestora, fundada por Appel e André Salgado em 2016, tem cerca de R$ 18,2 bilhões em ativos sob gestão, segundo dados da Economatica até o fim de março.
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Sua estratégia principal, do multimercado Adam Macro, navega pelos mercados de ações, juros, câmbio e investimentos globais, e serve como norte para os demais produtos multimercados e de previdência da casa.
Desde o início, em abril de 2016, até 31 de março de 2021, o Adam Macro II FIC FI Mult tem rentabilidade de 53%, contra 39,8% do CDI.
Após entregar retorno de 5,9% no ano passado, o fundo acumula queda de 1,9% no primeiro trimestre de 2021, especialmente pelas perdas relacionadas ao aumento das taxas dos juros locais e ao episódio de troca no comando da Petrobras.
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“Se você acha que está com o risco mapeado no Brasil, é uma ilusão”, afirma o gestor, formado em Engenharia Eletrônica pelo ITA e que fez fama no mercado antes da Adam à frente dos multimercados do Safra Asset Management.
Para recuperar as perdas recentes, Appel, que também já foi o responsável pela gestora do Santander no Brasil, se volta ainda mais para a força do mercado americano, tido como “menos sujeito a canetadas e eventos pouco controláveis”.
O gestor da Adam está preocupado com as consequências políticas de uma atividade econômica mais fraca como reflexo da pandemia. Por isso, a alocação no mercado internacional, essencialmente nos setores de bancos e de tecnologia nas bolsas americanas, já beira 70% do risco dos multimercados e deve subir ainda mais.
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Menos otimista que a média dos pares, que já não estão lá muito animados com as perspectivas para a economia brasileira, Appel carrega no risco local da carteira apenas ações da Vale e da Petrobras, mais vinculadas à cena global, além de posições que se beneficiam de um ajuste nos juros futuros, que o gestor entende em níveis excessivamente elevados.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao InfoMoney, na qual Appel também abordou uma possível descompressão inflacionária nos próximos meses.
InfoMoney: Como vocês avaliam a deterioração do quadro doméstico nas últimas semanas?
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Márcio Appel: Aqui tem muitos ruídos, temos uma leitura um pouco pior que a média do mercado da atividade doméstica no segundo semestre e no ano que vem, e estamos preocupados com as consequências políticas de uma atividade mais fraca.
Teremos um processo eleitoral que, por natureza, gera um ruído maior, então a quantidade de variáveis sobre as quais é difícil ter uma opinião forte no Brasil é muito grande. Por isso preferimos ter um risco menor aqui e alocá-lo em mercados onde os fatores estruturais estão a nosso favor, que é o americano.
IM: A volta do ex-presidente Lula ao cenário político é um dos principais riscos no radar, em sua avaliação?
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Appel: Esse é um dos inúmeros riscos políticos que temos, mas não é somente a volta do Lula para o cenário eleitoral. No ano passado, teve o exemplo de quando abrimos um pouco a porta para um nível de populismo não só do governo, mas do Congresso.
Quando o mundo fez um aumento muito elevado dos gastos fiscais para combater a pandemia, pareceu que para o Brasil também era aceitável fazer. E agora, para voltar a um processo de austeridade fiscal maior, é difícil.
Como estamos um pouco mais pessimistas com a economia local, ficamos com medo das repercussões políticas que uma atividade fraca pode ter.
IM: Como vocês veem a evolução da pandemia no Brasil?
Appel: Temos hoje uma situação complicada, mas, com a vacinação, demorando menos tempo ou mais tempo, a situação vai normalizar. Agora, as sequelas desse processo é que são ainda uma incógnita, sobre qual vai ser o legado político da pandemia e, consequentemente, qual o legado econômico.
IM: As incertezas com o Brasil se refletiram em mudanças na carteira local?
Appel: Já carregamos Petrobras e Vale há mais tempo, mas nunca gostamos do resto da Bolsa doméstica. Nesse ponto, não mudou nada.
Uma das coisas que fizemos no início do ano, felizmente, foi sair da posição comprada em real, e temos aumentado o risco no mercado internacional, que parece muito mais estrutural e menos sujeito a canetadas e eventos pouco controláveis.
IM: A mudança no comando da Petrobras gerou alguma alteração da posição no fundo?
Appel: Não mexemos na posição. Petrobras é menor do que Vale na carteira, mas entendemos que tem muito valor. Obviamente é possível destruir valor o suficiente para que o preço seja injustificado, mas é menos provável. De toda forma, não é uma posição tão fácil quanto Vale.
IM: O aumento da exposição global se deve a um maior otimismo com os Estados Unidos, ou a uma piora na percepção em relação ao mercado brasileiro?
Appel: O mercado local está claramente mais difícil. Seguimos gostando de Vale, principalmente, e de Petrobras, por serem menos vinculadas ao nível de atividade doméstica.
Mas lá fora ficamos mais otimistas porque entendemos que vai ter um crescimento maior, com uma inflação ainda controlada nos Estados Unidos. E os preços das ações nas quais estamos comprados não refletem o nível de crescimento que essas empresas vão experimentar nos próximos 24 meses. O “valuation” é bastante atraente.
IM: Quanto do risco do fundo está voltado ao mercado global?
Appel: Cerca de 70%, mas é um percentual que varia muito. Como seguimos cada vez mais otimistas com a performance das ações no exterior, a ideia é aumentar a parcela de risco global na carteira, mas não temos uma projeção de até quanto.
IM: Quais são os maiores riscos no radar?
Appel: O mercado brasileiro tem inúmeros riscos, aqui aparecem surpresas inimagináveis ao longo do caminho. Se você acha que está com o risco mapeado no Brasil, é uma ilusão, porque os riscos vêm de tudo quanto é lado.
Lá fora sempre há os riscos tradicionais, geopolíticos, mas o governo Biden tende a ser menos aleatório e surpreendente que o do Trump, por isso a tendência é ter menos sustos no mercado americano do que no passado.
IM: Temos notado um aumento do interesse de gestores pelo México, na região da América Latina. Qual sua visão sobre as oportunidades no país?
Appel: Gostamos de uma posição que temos na moeda mexicana, é um dos lugares com os quais estamos mais otimistas. O México foi um dos países mais conservadores do ponto de vista fiscal ao longo da pandemia.
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Além disso, os pacotes de estímulos nos Estados Unidos têm consequência direta para a transferência de recursos para o México. E a volta de demanda por bens específicos, como de carros, também tem uma repercussão para o país. De forma geral, são diversas variáveis que ajudam na leitura positiva sobre o México.
IM: Qual a visão para o mercado de juros no Brasil?
Appel: Gostamos de posições que ganham com a queda dos juros curtos na curva. O mercado precifica uma sequência de altas exagerada da Selic, porque tende a repetir a inflação recente como se fosse permanente.
Acho que teremos um esvaziamento desses altos índices de inflação que estamos experimentando, à medida que passar esse “boom” de demanda por bens e a economia brasileira entrar em uma taxa de crescimento um pouco mais fraca.
A soma desses dois fatores deve levar a uma acomodação da inflação, mas longe de ser uma certeza. É mais uma possibilidade do que uma certeza. Não é uma posição trivial e não temos um risco alto nela.
IM: Quais são as perspectivas para o real?
Appel: Sigo achando que o real deve valorizar ao longo do tempo, mas não parece ser o melhor lugar para alocar risco neste momento.
IM: Quais as principais proteções na carteira?
Appel: Nossa proteção vem do fato de o portfólio ser diversificado. Por exemplo, Vale e Petrobras têm receitas vinculadas ao dólar, então naturalmente são um hedge para a posição de juros se a piora vier pelo câmbio.