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Uma liminar obtida nesta quarta-feira (1) pela Americanas (AMER3) deixou donos de shopping centers que têm a varejista como inquilina – dentre eles, fundos imobiliários que possuem participações em centros comerciais – em alerta.
A decisão da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro protege a varejista contra cortes de energia por inadimplência e proíbe o despejo de lojas em razão de dívidas de aluguel anteriores ao pedido de recuperação judicial, protocolado pela Americanas – que soma débitos totais de R$ 47 bilhões – há duas semanas.
Na decisão, o juiz responsável menciona que 12 ações de despejo já foram movidas contra a empresa e, em muitas delas, os proprietários dos imóveis formularam pedidos liminares. Uma delas, diz o texto, já foi inclusive deferida pela 5ª Vara Cível de Vitória, no Espírito Santo.
Trata-se de processo iniciado pela Nova Cidade Shopping Centers, empresa que é uma das proprietárias do Shopping Vitória e credora de mais de R$ 10 milhões da Americanas. Ela aparece na lista de credores da varejista como pertencente à classe III, categoria identificada como “Dívidas com Terceiros”.
Na relação, a companhia é titular de três créditos, conforme a tabela abaixo:
Identificação do credor | Credor | Dívida da Americanas |
4457 | NOVA CIDADE SHOPPING CENTERS | R$ 889.935,23 |
4458 | NOVA CIDADE SHOPPING CENTERS | R$ 253.426,94 |
4459 | NOVA CIDADE SHOPPING CENTERS | R$ 9.431.952,87 |
Total | R$ 10.575.315,04 |
Na avaliação do advogado Carlos Ferrari, especialista em mercado de capitais e sócio do NFA Advogados, focado em negócios imobiliários, a liminar favorável à Americanas deixa a Nova Cidade Shopping Centers em uma situação complicada.
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“O juízo da RJ [recuperação judicial] determinou a suspensão de ações de despejo e o imóvel permanecerá ocupado, porém sem a renda”, conclui. “[A empresa] dependerá agora de recurso para buscar demonstrar que o desejo [de restituir o imóvel] pode e deve ser realizado”.
O InfoMoney procurou a Nova Cidade Shopping Centers, mas a empresa prefere não se manifestar sobre o assunto.
O que a Americanas alega
No pedido de liminar, a Americanas alegou que as ações de despejo possuem como fundamento o inadimplemento dos aluguéis vencidos antes do pedido de recuperação judicial. Segundo a empresa, por imposição legal, essas despesas somente poderão ser quitadas na forma prevista no plano a ser deliberado pelos credores e homologado pelo juízo responsável pela RJ.
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A companhia acrescenta que os despejos, de forma abrupta, ainda exigirão desembolso de valores relevantes, na medida em que terá de arcar com os custos de desmobilização imediata das lojas.
A varejista argumenta ainda que os imóveis alugados constituem bens de capital essenciais à manutenção da sua atividade e que estes pedidos e ordens de despejo inviabilizariam a operação física das lojas – argumento aceito pelo juiz Luiz Alberto Alves, da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
“A atividade empresarial da recuperanda através de suas lojas físicas é tão imprescindível quanto através do e-commerce, e, por este motivo, há de ser obstada a possibilidade de despejo em razão dos aluguéis concursais”, declara a liminar.
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FIIs de shopping também reportam inadimplência
Embora classifiquem como pouco significativas, alguns FIIs de shopping também já começaram a reportar as consequências da crise financeira da Americanas nas suas operações.
O FII Grand Plaza Shopping (ABCP11), por exemplo, aponta que varejista está inadimplente com o aluguel de dezembro – que tinha pagamento previsto para janeiro.
A empresa ocupa 476 metros quadrados do shopping homônimo do fundo, localizado em Santo André, em São Paulo. O espaço locado representa 0,38% da operação do complexo comercial.
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“Entendemos que o impacto é pouco significativo para o resultado do fundo e continuaremos acompanhando a questão junto à administradora do empreendimento”, sinaliza relatório gerencial do ABCP11.
O Vila Parque Shopping (FVPQ11) está na mesma situação do FII Grand Plaza Shopping. O fundo diz não ter recebido da Americanas o aluguel de dezembro.
“A lojista ocupa área de 2,4 mil metros quadrados, sendo classificada como loja âncora, devido à sua área locada”, explica comunicado do fundo. “Atualmente, a loja está inadimplente com o aluguel de dezembro”.
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A participação anual da varejista no resultado operacional do shopping – que fica na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (SP) – é de 1,5%, considerando os dados de 2022.
Cenário incerto para quem aluga imóveis para Americanas
Para Rafael Vasconcelos, gestor do Malls Brasil (MALL11), ainda é difícil dimensionar as consequências da crise da Americanas para os FIIs de shopping que alugam lojas para a varejista.
Ele lembra que, em tese, na recuperação judicial, o lojista deveria permanecer realizando o pagamento do aluguel. No entanto, já não há uma garantia de que isso vá acontecer, diante da inadimplência verificada por alguns fundos e da liminar obtida pela locatária, afirma.
“Ou seja, o cenário ainda é muito incerto e ainda não existe um plano de recuperação judicial”, afirma. “É muito cedo para saber o desfecho, mas não é a primeira vez que as administradoras dos shoppings lidam com casos complicados como esse”.
O MALL11 tem participação em nove shoppings e a Americanas está presente em todos eles. A empresa representa 1% da receita do fundo – impacto “praticamente irrelevante”, pontua Vasconcelos.
Outros fundos do segmento também monitoram a recuperação judicial da Americanas e uma possível substituição do locatário, como sinaliza o HSI Malls (HSML11).
“Os espaços hoje ocupados pela Americanas são privilegiados e estratégicos em termos de comercialização”, destaca o fundo em comentário enviado ao InfoMoney. “Em caso de distratos, não veríamos dificuldade em locá-los [novamente], inclusive por valores acima dos pagos atualmente”.
A equipe de gestão do HSML11 reforça ainda que a exposição do fundo a Americanas representa 2,2% da área bruta locável (ABL) e 0,6% da receita da carteira.
No caso do Hedge Brasil Shopping (HGBS11), a empresa responde por 1,28% das receitas totais do fundo, considerando os últimos 12 meses, destacou a carteira em comunicado ao mercado.
Polêmica só está no começo, sinaliza especialista
Considerando os desafios da recuperação judicial da Americanas, Ferrari prevê que o impasse com as ações de despejo tende a se intensificar principalmente para imóveis cuja atividade possa ser entendida como essencial para a empresa – como as lojas, galpões logísticos e centros de distribuição.
Ele reconhece que o Judiciário não poderá deixar de privilegiar a propriedade privada como valor fundamental. No entanto, complementa, o caso se apresenta mais complexo do que o normal.
“Caberá ao Judiciário buscar evitar, ao máximo, um mal maior [com a devolução dos imóveis], ao trazer insegurança jurídica ao mercado e aos negócios imobiliários”, reflete.
De forma geral, Ferrari diz que não há previsão legal que impeça o prosseguimento de ações que busquem apenas o despejo do locatário e, até aqui, segundo ele, tem prevalecido o entendimento.
“Em nossa experiência, aqui no escritório, sempre que enfrentamos esse tipo de impasse, no fim, conseguimos seguir com o despejo”, finaliza.
O que os cotistas dos FIIs de shopping precisam saber?
Em relatório recente, Maria Fernanda Violatti, analista de FIIs da XP, reforçou que os impactos da crise financeira da Americanas nos fundos de shopping tendem a ser bem menores – se comparados com carteiras que locam espaços maiores para a varejista.
“Principalmente pelo fato de a representatividade do inquilino ser baixa perante receita do portfólio dos fundos imobiliários do segmento”, explica a especialista.
Em caso de necessidade de reposição do locatário, ela também considera um cenário favorável aos FIIs do segmento.
“Em geral, [os espaços locados para a Americanas] são considerados como âncoras, por isso normalmente ocupam grandes áreas e possuem aluguel fixo relativamente baixos se comparados aos demais lojistas”, avalia.
Após conversa com gestores, Maria Fernanda aponta que, em grande parte dos shoppings, os contratos com locatários como Americanas são longos – com prazo médio de 120 meses – e com aluguel fixo relativamente menor à média de outras âncoras.