SÃO PAULO – A redução dos juros brasileiros ao menor patamar da história está levando os investidores a ampliar os horizontes para além das fronteiras nacionais. Em um ambiente em que encontrar aplicações com boas perspectivas de retorno já não é trivial, os investimentos no exterior se revelam uma opção observada cada vez mais de perto.
A relativa facilidade de acesso aos mercados internacionais – por meio de fundos brasileiros, por exemplo – dá impulso adicional às estratégias envolvendo ativos negociados lá fora.
“Estamos otimistas com relação ao Brasil no longo prazo, mas é preciso considerar que representamos apenas 3% do PIB mundial. Independentemente do tamanho do patrimônio, faz sentido os investidores manterem uma posição estrutural alocada no exterior”, diz Daniel Martins, CEO e diretor de investimentos da Geo Capital, gestora especializada em fundos de ações estrangeiras.
A chance de diversificação é um dos principais argumentos em favor dos investimentos no exterior. Basta pensar nas ações negociadas nas bolsas de valores. Enquanto há apenas pouco mais de 300 empresas no pregão da B3, existem mais de 4 mil companhias americanas listadas.
A consequência dessa limitação é que as estratégias de investimento locais acabam se parecendo muito entre si – e mesmo que queiram, diversificar os riscos se torna uma tarefa difícil para os investidores.
“Nos últimos três anos, cerca de R$ 300 bilhões migraram da renda fixa para os fundos de ações e multimercados, o que é uma boa notícia. O problema é que, via de regra, essas carteiras aplicam nos mesmos papéis e, por isso, valorizam e desvalorizam juntas”, diz Fabiano Cintra, coordenador de fundos da XP Investimentos.
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Um levantamento feito por Cintra envolvendo as carteiras de cerca de 20 das principais gestoras do país indica que a correlação média entre os fundos de ações é de 0,7. Esse indicador, que varia entre zero e 1, dá a medida estatística da relação entre o desempenho de ativos diferentes.
Dois fundos que valorizem ou desvalorizem de maneira aleatória entre si têm correlação próxima a zero. Já dois fundos que se movimentem juntos têm correlação próxima de 1. Por isso, o indicador dos fundos de ações é considerado alto – o que significa, na prática, uma diversificação de riscos pequena para os investidores, mesmo que comprem carteiras diferentes.
“Esse número é um alerta: por que não acrescentar na carteira ativos internacionais, não correlacionados com os brasileiros, em vez de investir em mais um fundo local?”, diz o executivo.
Como investir?
Diferentes produtos que permitem investir no exterior a partir do Brasil estão disponíveis, e todos registraram aumento da procura nos últimos anos. Os Brazilian Depositary Receipts (BDRs) – recibos de ações estrangeiras negociados no pregão da B3 – são um exemplo.
Há cinco anos, os BDRs não-patrocinados (que incluem papéis de empresas como Amazon, Google, Disney e Visa) movimentavam R$ 5,4 milhões por dia na bolsa brasileira. Em 2019, até novembro, o volume diário alcançou R$ 16 milhões, após um pico de R$ 23 milhões em 2018.
Movimento semelhante se deu com os ETFs, fundos de índices que têm as cotas listadas na B3. O iShares S&P 500, que replica o principal índice de ações do mercado americano, passou de uma média diária de negociação na casa dos R$ 9 milhões, em 2018, para mais de R$ 12 milhões no ano passado, também até novembro.
Via de regra, tanto BDRs quanto ETFs envolvem um nível de complexidade semelhante ao do investimento em ações. Para quem não tem segurança para fazer as análises e escolhas por conta própria, ou quer ter acesso a estratégias de investimento profissionais, os fundos de investimento no exterior também costumam ser recomendados.
Eles são carteiras constituídas no Brasil e regidas pelas normas brasileiras, mas podem alocar até 100% do patrimônio em ativos negociados em outros países. A desvantagem é que eles não estão disponíveis para todo mundo: é preciso ser um investidor qualificado (com pelo menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras) para comprá-los, segundo a regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Os fundos de ações e multimercados que investem no exterior somavam um patrimônio de R$ 514 bilhões em novembro, com um crescimento de 23% em 12 meses.
“Eles são uma das maneiras mais simples de acessar esse mercado”, diz Dan Kawa, sócio da gestora de patrimônio TAG Investimentos, que recomenda aos seus clientes destinar uma parcela de pelo menos 10% da carteira para aplicações no exterior – essa fatia pode chegar a 30% no caso de investidores com patrimônio elevado.
Se do ponto de vista da diversificação essa estratégia é quase uma unanimidade entre os especialistas, nem tanto pela ótica da perspectiva de retorno.
“A Europa não deve crescer tão cedo. A economia dos Estados Unidos está em expansão há uma década e, por isso, o vigor também deve diminuir”, avalia Reinaldo Lacerda, sócio-fundador da Hieron, de gestão patrimonial. “No mundo, os principais vetores de crescimento estão na Ásia e nas Américas, onde o Brasil desponta como um campo fértil para os próximos anos.”
Para o executivo, na renda variável, por exemplo, o potencial de ganho tende a ser maior dentro do que fora do país, considerando a expectativa de que sejam realizadas as reformas estruturais necessárias para a economia (a exemplo da reforma da Previdência, concluída no ano passado). Essa avaliação, aliás, deveria ser considerada por quem já mantêm recursos no exterior, segundo Lacerda: “Pode ser o caso de ajustar ou até reduzir a exposição lá fora, e aumentar os investimentos localmente”.
Proteção cambial
Quem decidir apostar no exterior precisará estudar as alternativas com e sem hedge cambial. Trata-se de operações envolvendo derivativos que permitem proteger o patrimônio das variações na cotação do dólar, embolsando apenas a rentabilidade dos ativos escolhidos.
Essa decisão também deve fazer parte da estratégia de investimento. “Fundos de ações sem proteção cambial não são necessariamente mais arriscados. O que acontece é que quem opta por eles se expõe a duas classes de ativos ao mesmo tempo: a renda variável e o câmbio. Pode ser estratégico”, diz Martins, da Geo.
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