Indústria de fundos de crédito no Brasil tem resgates recordes

Investidores tiraram R$ 9,6 bilhões desses fundos em março, após os resgates de R$ 1,5 bilhão em fevereiro, segundo estimativas da JGP

Bloomberg

"Shutterstock"
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(Bloomberg) — O setor de fundos de crédito do Brasil está sofrendo com resgates recordes que forçam a venda de títulos em um mercado com poucos compradores, distorcendo preços e custos de empréstimos para empresas.

Os investidores, em busca de caixa em resposta à crise do coronavírus, tiraram R$ 9,6 bilhões desses fundos em março, após os resgates de R$ 1,5 bilhão em fevereiro, segundo estimativas da JGP Gestão de Recursos. As retiradas representam cerca de 12% do total de ativos sob gestão pela indústria de fundos de crédito independentes.

As medidas anunciadas pelo governo até agora, incluindo a possibilidade de o Banco Central comprar títulos de empresas, não foram suficientes para reduzir a “disfuncionalidade” de preços, disse Jean-Pierre Cote Gil, responsável pela área de crédito da family office Julius Baer no Brasil. A indústria de fundos calcula que o Banco Central precisaria comprar cerca de R$ 20 bilhões em títulos de empresas diretamente, em um mercado de cerca de R$ 250 bilhões, para trazer a liquidez e os custos do crédito de volta ao normal, disse Cote Gil.

A autoridade monetária não informou quanto planeja comprar ou que tipo de títulos, e as compras precisam da aprovação do Senado.

“O mercado ainda tem muitas dúvidas sobre como isso será executado no Brasil”, disse Cote Gil.

Os fundos de crédito corporativo de gestores independentes estão entre os investimentos que mais cresceram no Brasil nos últimos anos, oferecendo rendimentos relativamente altos, à medida que as taxas de juros de referência caíram para recordes de baixa. Os ativos sob gestão no segmento aumentaram para quase R$ 100 bilhões em junho passado, de cerca de R$ 15 bilhões em 2014, segundo o JGP. O total caiu para cerca de R$ 90 bilhões no início deste ano.

Para atrair brasileiros exigindo liquidez diária, cerca de metade dos fundos de crédito promete aos investidores que eles podem sacar seu dinheiro no dia da solicitação de resgate ou um ou dois dias depois.

Com essa promessa esse tipo de fundo se tornou uma fonte de caixa imediato, difícil de resistir, para indivíduos e investidores institucionais que enfrentam as consequências da crise do coronavírus. Os resgates trazem liquidez para navegar no período de quarentena e cumprir chamadas de margem, realizar pagamentos de dívidas e salários ou encarar receitas menores.

Em apenas um exemplo, os ativos sob gestão do fundo Iridium Apollo FI RF CP Lp, que permite saques um dia após a solicitação, caíram 43%, para R$ 1,45 bilhão, de 23 de janeiro a 7 de abril, segundo dados compilados pela Bloomberg. O retorno foi de 4,8% negativos nos últimos 30 dias.

A concorrência com fundos de ações também pesa sobre os fundos de crédito corporativo, que já haviam sofrido resgates de R$ 10 bilhões no último trimestre de 2019, com a queda das taxas de juros básicas e o estreitamento dos spreads de crédito corporativo, reduzindo o retorno. À medida que os preços das ações caíam nas últimas semanas, os investidores viram oportunidades nos fundos de ações, que tiveram ingressos líquidos de R$ 8,5 bilhões em março, segundo a Anbima, a associação do mercado de capitais.

A venda forçada dos fundos de crédito elevou as negociações do mercado secundário local de títulos para um recorde de R$ 20 bilhões em março, quase o dobro da média mensal de R$ 12 bilhões. Os compradores são quase unicamente bancos, disse Cote Gil.

O Itaú Unibanco Holding SA, o maior banco da América Latina em valor de mercado, afirmou em 6 de abril que havia adquirido R$ 2 bilhões em ativos de clientes institucionais desde o início de março.

“A maioria dos fundos foi forçada a vender títulos de dívida das principais empresas que estavam em suas carteiras, porque eles têm mais liquidez, elevando os custos de empréstimos para essas empresas a um nível disfuncionalmente alto”, disse Cote Gil, acrescentando que a dinâmica afetou toda a “cadeia de crédito”, incluindo pequenas e médias empresas. “Por que bancos ou outros investidores emprestariam dinheiro a uma empresa com juros mais baixos se podem comprar títulos de empresas AAA no mercado secundário que pagam muito mais?”

Taxas crescentes

Antes da crise do coronavírus, um crédito de menor risco possível, com classificação AAA, pagava no Brasil a taxa interbancária DI mais 1% ou 1,5% para títulos de três a quatro anos de vencimento, dependendo do setor, disse Cote Gil.

O Banco Bradesco SA chegou a pagar DI mais 0,3% em determinado momento. Atualmente, os títulos para essas empresas são negociados a DI mais 4% ou 5%, quase sem diferenciação pelo risco de crédito.

A crise é um revés para um mercado local de títulos que vinha lutando para acabar com sua reputação de falta de transparência. Antes do crescimento nos fundos de crédito, a maioria dos títulos de dívida locais era tradicionalmente comprada pelos bancos, que os mantinham em seus balanços até o vencimento. Eles eram uma espécie de empréstimo bancário disfarçado, contabilizado como título, para que as empresas não pagassem alguns impostos.

À medida que os fundos de crédito independentes cresceram, a participação desses empréstimos caiu para cerca de um terço do mercado primário total. Desde a pandemia, no entanto, a prática aumentou novamente e agora com mais força: todos os novos títulos emitidos em março ou abril foram vendidos aos bancos, segundo executivos do setor.

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