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A Medida Provisória 1171/2023 publicada pelo governo no último dia de abril propõe uma série de mudanças na tributação de investimentos feitos no exterior – seja diretamente pelas pessoas físicas ou por meio de entidades controladas e trusts – espécie de empresa no exterior que permite ao investidor terceirizar a administração de seu patrimônio para um gestor.
A medida ainda precisa tramitar no Congresso Nacional para que as alterações passem a valer a partir de janeiro de 2024. Mas muitos investidores têm feito as contas desde que a MP foi anunciada para entender a dimensão do impacto sobre as suas carteiras.
Pelo texto da MP, rendimentos auferidos em aplicações financeiras no exterior por pessoas físicas residentes no Brasil passarão a ser tributados com alíquotas variando de zero a 22,5%, a depender do volume dos ganhos. Se os rendimentos forem menores do que R$ 6.000 por ano, não haverá cobrança de imposto. Para ganhos entre R$ 6.000 e R$ 50.000, a alíquota será de 15%. Ganhos acima de R$ 50.000, por sua vez, serão tributados em 22,5%.
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Um dos assuntos que geraram dúvidas é o recebimento de dividendos por ações de empresas listadas em bolsas estrangeiras e detidas pelos brasileiros. Para o alívio dos investidores, a situação é considerada pouco preocupante nestes casos, uma vez que o Brasil tem acordo com alguns países para evitar a bitributação.
Considerando os Estados Unidos, que costumam ser o principal destino de quem investe no exterior, a alíquota sobre dividendos cobrada pelo governo americano é de 30% e os valores são retidos automaticamente – na fonte – pela empresa pagadora.
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Como há acordo entre Brasil e Estados Unidos, o investidor precisa apenas declarar os valores na declaração do Imposto de Renda, sem precisar recolher novos impostos localmente – já que a alíquota americana supera a brasileira (atualmente, os dividendos são isentos de Imposto de Renda no Brasil). Para Diogo Olm Ferreira, tributarista do VBSO Advogados, essa reciprocidade será mantida apesar da MP.
O que mudará, efetivamente, será o imposto cobrado sobre o ganho de capital obtido na alienação de ativos – ações listadas em bolsas internacionais entre eles. Na legislação em vigor, há uma isenção sobre os lucros nas vendas de até R$ 35 mil por mês. Acima desse valor, a alíquota varia de 15% (para valores de venda até R$ 5 milhões) a 22,5% (acima de R$ 30 milhões).
Atualização do valor de bens: vale a pena?
As medidas em relação à tributação de ganhos no exterior passam a valer, caso aprovadas, no dia 1º de janeiro de 2024. No entanto, a MP também traz uma iniciativa para antecipação de receita tributária que pode ter efeito ainda nesse ano, a depender da vontade do contribuinte.
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O investidor, pessoa física ou jurídica, deve incluir na declaração anual seus bens e direitos e registrá-los pelo valor de aquisição. Quando acontece a venda do bem, paga-se imposto sobre o ganho de capital. Essa mesma regra vale para os bens mantidos no exterior.
O que a MP propõe é que o contribuinte possa atualizar na declaração o valor dos bens detidos lá fora segundo o seu valor de mercado apurado em 31 de dezembro de 2022, pagando uma alíquota de 10% sobre o ganho registrado entre a compra e essa atualização.
A atualização é facultativa e poderia ser feita até 30 de novembro. Na prática, equivaleria a uma antecipação do pagamento do IR – tendo, como contrapartida, uma alíquota mais favorável. Afinal, a taxa mínima de imposto a pagar na alienação de ativos no exterior é de 15%.
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Para Victor Savioli, co-fundador da plataforma Velotax, de cálculo tributário, o ideal é que o contribuinte espere a aprovação da medida provisória para tomar a decisão de fazer ou não a atualização dos valores.
Mas para quem já está estudando essa possibilidade, é importante saber que pode valer a pena, como mostram simulações. Imagine o brasileiro que comprou um imóvel no exterior por US$ 250 mil há três anos. Se, nesse período, ele tiver sofrido uma valorização de 50%, pode-se inferir que hoje valeria US$ 375 mil a preços de mercado.
Caso o contribuinte opte por registrar esse novo valor na declaração, terá que pagar imposto de US$ 12,5 mil – equivalente a uma alíquota de 10% aplicada sobre o ganho de capital de US$ 125 mil no período – nesse ano, mesmo sem ter vendido o imóvel.
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Se não fizer isso, mas vender o imóvel no futuro pelo preço de US$ 375 mil, a alíquota que incidirá sobre o ganho será de 22,5%, o que exigiria o desembolso de US$ 28,1 mil para pagar Imposto de Renda. Isso, é claro, se o preço não subir ainda mais.
“É algo facultativo. O melhor é esperar a aprovação da MP e, se for o caso e o contribuinte tiver disponibilidade, fazer o recolhimento”, orienta Savioli.
Para o especialista, as mudanças propostas não devem ser um impeditivo para o brasileiro continuar investindo no exterior, já que o principal objetivo é a diversificação da carteira. “As mudanças não deixam o investimento no exterior mais atrativo, mas o brasileiro não vai deixar de investir, porque é uma decisão pela diversificação. Os prós ainda são maiores que os contras”, avalia.
Trusts e offshores
As mudanças propostas pelo governo federal deverão onerar mais a vida daqueles que fazem o uso de estruturas jurídicas (entidades controladas, offshores e trusts) para aplicar fora do País.
Para os que investem diretamente como pessoas físicas, o peso das novas regras irá variar de acordo com o tamanho da carteira e o volume de operações feitas a cada mês. Mas em ambos os casos, os especialistas recomendam cautela, já que a proposta do governo pode ser alterada durante a tramitação – ou mesmo nem ser aprovada.
“Não é agora a hora de trocar de estrutura ou implementar mudanças no portfólio. É necessário acompanhar e estudar o que foi proposto. Muitas medidas tributárias acabam nem sendo aprovadas”, diz Ferreira, do VBSO Advogados. “A hora é de manter a cautela e acompanhar”.
A Medida Provisória 1171/2023, caso aprovada sem alterações, altera a forma de tributação dos investimentos no exterior como uma forma de compensar o aumento da isenção do Imposto de Renda para as pessoas físicas. A proposta tem até 120 dias para ser aprovada, a contar da data em que foi publicada no Diário Oficial da União.
Uma mudança sensível foi proposta para quem utiliza estruturas jurídicas para investir no exterior. Enquanto a pessoa física que investe diretamente precisa declarar e, se for o caso, recolher o IR assim que a alienação de um ativo é efetivada, as trusts e offshores não precisam fazer o recolhimento do imposto se não ocorrer distribuição de lucro aos acionistas.
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Essa postergação do pagamento, no entanto, não poderá mais ser feitas por estruturas em que a renda ativa for inferior a 80% da renda total.
“Essas estruturas são muito utilizadas por investidores de maior capacidade financeira. Eles tinham o benefício de ter um ganho financeiro e fazer a realocação dos recursos sem pagar imposto. Com segurança, dá para dizer que serão mais oneradas”, explica Ferreira.