SÃO PAULO – Quem chegou ao mercado acionário nos últimos meses agora está sentindo o impacto da crise do coronavírus nos extratos da B3. O Ibovespa teve o maior impacto negativo entre as bolsas do mundo, registrando queda de 52% em dólar em relação ao mês de janeiro, conforme levantamento do banco americano Goldman Sachs. Com as ações cotadas na bacia das almas, o que fazer?
Analistas de ações responderam a perguntas sobre ações enviadas pelos leitores na campanha #InfoMoneyOrienta. As principais dúvidas são sobre melhores e piores setores para investir, além da magnitude das quedas ainda previstas. Confira:
Qual é o fundo do poço da Bolsa? 50 mil, 60 mil pontos?
É muito difícil fazer uma estimativa desse tipo. Considerando os efeitos de recessões globais do passado sobre o Ibovespa, no entanto, a recomendação é de cautela. “Em 2001, durante o estouro da bolha da internet, a bolsa brasileira caiu 44%. Em 2008, com a crise financeira global, o índice caiu em torno de 60%”, afirma Fernando Ferreira, estrategista chefe da XP Investimentos. Caso padrões similares ocorram, o Ibovespa poderia recuar ainda mais – pelo menos até os 62 mil pontos.
Ferreira argumenta que, diante da dimensão da correção atual, é válido tomar a crise de 2008 como referência. “Não achamos que a crise atual será tão séria quanto aquela, mas alguns riscos são importantes de serem monitorados”, afirma. Caso voltasse a cair 60% em relação à pontuação mais alta que alcançou recentemente – de quase 120 mil pontos em janeiro –, o Ibovespa poderia chegar aos 48 mil pontos agora.
A análise de outros dois indicadores de avaliação aponta na mesma direção. O múltiplo de preço/lucro do Ibovespa chegou a negociar no nível de 5,7 vezes – que, se aplicado ao índice no momento atual, apontaria para uma pontuação na casa dos 46.400 pontos.
Já o múltiplo de preço/valor patrimonial, que chegou a 1,04 vez em 2008, seria condizente com o Ibovespa atual cotado aos 50.800 pontos.
“É sempre muito difícil prever qual será o ponto de equilíbrio no qual os mercados param de cair e começam a se recuperar”, diz Ferreira.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o índice S&P 500 recuou 42% até outubro de 2008 e teve uma recuperação de 24% dali até o fim do ano. No entanto, embarcou em uma nova queda de 30% em 2009 até chegar ao ponto mínimo daquela crise.
Qual setor pode se recuperar em menos tempo após o controle do vírus?
É difícil saber ao certo que segmentos devem voltar à normalidade primeiro. “Em meio a tanta incerteza, ninguém tem essa resposta. A melhor pergunta a fazer agora é quais empresas têm a melhor combinação entre caixa, endividamento e desempenho operacional para superar a fase mais aguda da crise”, sugere Betina Roxo, analista da XP Investimentos.
Na visão da equipe de análise da corretora, os setores que devem sofrer maior impacto nas operações são o aéreo, o varejo, parte do bancário e de distribuição de combustíveis.
Por outro lado, há segmentos com um nível maior de resiliência, lembra Betina. Empresas do setor elétrico e de saneamento, que possuem receitas reguladas e baixa correlação com a atividade econômica, são um exemplo. As companhias de proteína animal, como os frigoríficos JBS e Marfrig, também não devem ser muito afetadas, já que a demanda por alimentos permanecerá e os níveis de endividamento e liquidez das empresas são saudáveis.
A equipe da XP ainda vê chance de impactos de curto prazo – mas de recuperação ao longo do tempo – em empresas como Ambev (que hoje tem um caixa superior ao endividamento), Magazine Luiza (que, além de um caixa confortável, tem parcela considerável das vendas feitas por canais online) e Lojas Renner (com uma exposição relativamente baixa a produtos diretamente importados e que não deve sofrer no lado da oferta).
Completam o rol de empresas resilientes a Vale (já que a atividade na China começa a ser retomada e a produção de aço continua elevada), a Suzano (que pode sustentar as operações com a demanda por papel sanitário) e alguns bancos, como o Banco do Brasil (que tem um terço da carteira de crédito focada no setor agrícola, regulado e mais estável) e Itaú (um banco menos alavancado e com um papel historicamente menos volátil).
Empresas como Gol e Azul são boas opções neste momento? O que fazer com ações de empresas aéreas agora?
O setor aéreo é um dos que devem sofrer maior impacto devido à desaceleração da economia e também por conta das restrições na circulação de passageiros para fora e também dentro do Brasil, na avaliação da equipe de análise da XP Investimentos.
“As companhias já anunciaram cortes temporários na oferta de voos tanto no mercado internacional, que têm sido o foco maior de arrefecimento na demanda, quanto no doméstico”, afirma a casa, em um relatório recente. “A oferta menor poderá resultar em alavancagem operacional menor e, dessa forma, em margens inferiores. ”
Outro aspecto importante é o fato de que cerca de 35% dos custos de empresas como Gol e Azul estão atrelados ao dólar. “Parte relevante das dívidas das companhias aéreas consiste em contratos de arrendamento de aviões, que, por sua vez, possuem um prazo atrelado à vida dos jatos e pagamentos de periodicidade anual. Essas obrigações são denominadas em dólar”, explica o relatório.
A valorização da moeda americana, portanto, pode elevar o endividamento no setor, além de reduzir a rentabilidade no curto prazo, já que o aumento de custos normalmente não é repassado de imediato para as tarifas aéreas.
Assim, embora as ações das companhias aéreas já tenham recuado bastante, Betina orienta os investidores a focar esforços nas empresas que deem um grau de certeza maior quanto à sua resiliência.
Em que cenário da crise os bancos podem ser prejudicados?
Em um primeiro momento, o setor bancário é considerado defensivo para o período mais agudo da crise, já que as instituições financeiras estão capitalizadas. Poderia haver problemas, no entanto, no caso de uma quebra da confiança no mercado, que freasse a expansão do crédito no país.
“Estimamos um crescimento médio de 9,8% nas carteiras e um mix voltado para varejo (pessoas físicas e PMEs), movimento necessário para crescimento da margem financeira em um ambiente de juros mais baixos”, estimam os analistas da XP Investimentos. Essas projeções podem acabar se revelando muito otimistas caso os bancos segurem a concessão de empréstimos diante do cenário de incertezas.
Outro fator que pode afetar os bancos é um eventual aumento da inadimplência, decorrente da desaceleração econômica, que poderia causar desemprego e redução de renda. “Isso seria especialmente ruim para nossas projeções, uma vez que estimamos um baixo crescimento no custo de crédito de 4% para 2020”, afirmam os analistas.
O varejo com compras online pode ser uma aposta?
De modo geral, o e-commerce deve ser menos afetado pela crise do que o varejo físico. No entanto, na opinião dos analistas da XP Investimentos, mesmo esse setor não deve passar ileso.
“As vendas do e-commerce no Brasil devem ser negativamente impactadas pela crise do COVID-19, sim. Em especial, destacamos as categorias mais discricionárias (como vestuário), conforme vimos acontecer na China”, destaca Pedro Fagundes, analista de varejo, em um relatório recente.
Alguns elementos favorecem as lojas online, segundo Fagundes. As ocasiões de compra no e-commerce, por exemplo, continuarão existindo, ao contrário do que acontece com as lojas físicas – em que, muitas vezes, uma compra acontece quando o cliente passa pela vitrine.
Além disso, pelo menos por algum tempo, o varejo online será o único canal de acesso a consumo. Fora isso, as quarentenas farão com que os consumidores procurem na internet por bens e serviços aos quais tinham acesso fora de casa anteriormente, como alimentação ou mesmo a prática de exercícios.
“Não esperamos um aumento das vendas online tão forte quanto vimos em países como os Estados Unidos, porque o setor no Brasil ainda é muito concentrado em produtos de ticket alto”, diz Fagundes. O consumo básico – como o varejo alimentar e farmacêutico – ainda é muito limitado na internet. Considerando esse cenário, entre as apostas no setor estão B2W, Magazine Luiza e Via Varejo.
Vale mais fortalecer a carteira ou investir em novas ações?
Na visão de Betina, é hora de revisar toda a carteira de investimentos – inclusive pensando se a alocação nas diferentes classes de ativos está de acordo com o perfil de risco de cada investidor.
“É importante avaliar se as empresas que estão no portfólio têm saúde financeira suficiente para sobreviver ao curto prazo. E, na hora de comprar novos papéis, será preciso estudar o nível de impacto da crise nas operações, combinado com o patamar de endividamento e a liquidez corrente das empresas”, explica.
Não faz sentido comprar uma ação apenas porque ela já caiu bastante. Ninguém sabe exatamente quanto mais o mercado irá sofrer ainda – a empresa que não tiver capacidade financeira imediata poderá ver suas ações continuarem a cair.
Pensando a longo prazo, é melhor comprar blue chips?
Não necessariamente. “É preciso avaliar caso a caso”, explica Betina. No geral, as blue chips – como são apelidadas as ações de empresas de grande porte, com boa reputação e situação financeira saudável – têm uma posição de caixa forte. Mas isso não significa que suas operações sairão ilesas da crise. Na visão da analista, é preciso considerar o andamento dos negócios também das blue chips, além dos fundamentos para o futuro dos setores onde elas estão inseridas.
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