SÃO PAULO – Com lançamento previsto para meados de fevereiro, o livro Fora da Curva 2 reúne as histórias de 13 ícones do mercado financeiro nacional.
Entre eles, estão os gestores de fundos de ações Henrique Bredda, da Alaska, Leonardo Linhares, da SPX, Mauricio Bittencourt, da Velt, e Roberto Vinhaes, fundador de uma das casas mais tradicionais do país, a Investidor Profissional.
Também fazem parte do livro Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da gestora Gávea, Márcio Appel, fundador da Adam, Paulo Passoni, atualmente no Softbank, e Arthur Mizne, fundador da M Square.
Há ainda os gestores de fundos de private equity Martin Escobari, da General Atlantic, e Patrice Etlin, da Advent, além da investidora especializada em inovação Veronica Serra.
Do lado dos empreendedores, Guilherme Benchimol, fundador da XP Inc., e André Street, fundador da Stone.
Os organizadores do livro são Florian Bartunek, sócio-fundador da gestora Constellation, o advogado Pierre Moreau e Giuliana Napolitano, editora-chefe do InfoMoney. O projeto surgiu em 2016, com a primeira edição do Fora da Curva, que reuniu os depoimentos de dez grandes investidores.
Em ambas as edições, os entrevistados contam, em primeira pessoa, como tomam decisões de investimento, quais foram seus grandes acertos e seus erros. Falam ainda sobre o começo da carreira e os desafios profissionais que enfrentaram.
Confira a seguir trechos exclusivos do Fora da Curva 2:
Henrique Bredda, sócio da gestora Alaska
(Antes da Alaska, Bredda foi sócio de outra gestora, a Skipper, em 2010, e o depoimento a seguir começa por esse período.)
“Em 2012, virei gestor de fato do nosso fundo de ações, que se chamava Black, e o estresse aumentou, porque eu não tinha a confiança de todos os sócios. Passei o ano batendo na tecla da filosofia fundamentalista de investimento, da importância de analisar as empresas a fundo e ter visão de longo prazo, e os resultados acabaram sendo muito bons. O Black teve um rendimento de 38% em 2012.
Mas, no ano seguinte, o Brasil começou a desaquecer, e o fundo perdeu 9%. Até aí, nada de mais para um fundo de ações. Em 2014, em meio ao estresse eleitoral – caiu o avião de um dos candidatos, Eduardo Campos, que faleceu; a ex-presidente Dilma Rousseff foi reeleita e ninguém sabia o que esperar –, o Black teve mais um ano negativo: baixa de 15%. Tentei uma fusão com outra gestora, a VentureStar, mas não deu certo porque não havia alinhamento entre os sócios.
Quem nos salvou – apesar de a gente não saber disso na época – foi Angela Freitas, que era sócia da Skipper e é minha sócia até hoje. Ela deu a ideia de conversarmos com Luiz Alves Paes de Barros, um ícone do mercado financeiro do país. Ele teve muito sucesso investindo dinheiro próprio na bolsa ao longo de décadas e descobrimos por acaso que também estava buscando uma equipe para montar uma gestora. Meu santo bateu muito rápido com o de Ney Miyamoto, sócio de Luiz Alves que estava encarregado de achar essa equipe. Em um dia de conversas, já havíamos decidido que faríamos algo em conjunto. A parceria de fato levou uns três meses para ser concretizada, porque havia aspectos legais e burocráticos para serem ajustados, porém o mais importante era que estávamos totalmente alinhados. Nascia a Alaska, que é um acrônimo para Angela, Luiz Alves e Skipper.
Mantivemos o Black na nova gestora, com uma estratégia parecida com a que eu havia adotado quando virei gestor, em 2012: procurar empresas fora do radar da maioria dos investidores e analisá-las a fundo antes de investir. Sempre quis me desvencilhar completamente da obrigação de seguir o desempenho do Ibovespa. Não queria ser forçado a avaliar Petrobras só porque é uma das maiores empresas da bolsa e está no índice. Além disso, queria poder investir em ações de empresas estrangeiras, por meio de BDRs, fazer hedge (proteção) cambial e operar juros, porque todos esses mercados se conversam. Um exemplo: se eu decido comprar ações de uma exportadora sem fazer hedge, preciso ter uma opinião sobre o câmbio, porque os papéis dessas empresas sobem quando o dólar valoriza e vice-versa. Mas eu não quero analisar o câmbio, quero analisar apenas a companhia. Para isso, preciso do hedge.
(…)
Quando fizemos a junção com o time de Luiz Alves, expliquei a ideia e eles gostaram, então deixamos o mandato do fundo mais aberto, passando a investir também em juros e câmbio. O jeito de escolher empresas não mudou. O que mudou foi a qualidade técnica, graças à influência de Luiz Alves.
(…)
O grande investimento da Alaska foi a compra de ações do Magazine Luiza, e começou com um mal-entendido, justamente em 2015. Estávamos trabalhando com Luiz Alves fazia uns três meses quando ele me mandou um e-mail com frases meio truncadas. Escreveu algo do tipo: ‘Magazine Luiza, queda, 40%’. Entendi o seguinte: dá uma olhada no Magazine, porque a ação está caindo 40%. Em 2015, estava mesmo. Querendo mostrar serviço rápido, marquei uma reunião com o CFO (vice-presidente financeiro) da empresa e liguei imediatamente para Luiz Alves. E ele: ‘Mas por que você fez isso?’. Eu falei do e-mail, e ele explicou que havia conversado com um fornecedor do Magazine, que contou que as vendas estavam caindo 40%. Me senti o imbecil. Mas achei chato desmarcar e disse para Luiz que iria e depois contaria como havia sido. No final, ele resolveu ir junto.
Achamos que iríamos encontrar uma companhia desorganizada, com funcionários desanimados, clima pesado. Mas vimos o contrário: um formigueiro com pessoas trabalhando freneticamente. A empresa estava cortando custos, revendo processos e tentando se tornar mais ágil. Voltando para o escritório, eu disse: ‘A empresa está tomando atitude’. Luiz falou: ‘Gostei da turma lá’. Em 2015, com a recessão, as vendas do varejo caíam fortemente, e as de eletroeletrônicos, que eram o forte do Magazine Luiza, diminuíam mais ainda. Ele me pediu para olhar os números, e achei que precisava de mais uma reunião lá. Dessa vez, marcamos já com a cabeça de fazer uma análise mais profunda.”
Guilherme Benchimol, fundador da XP Inc.
“Se tivesse de escolher um fator como responsável por nos fazer chegar até aqui diria que é a nossa cultura. Existem três valores fundamentais na XP: sonho grande, mente aberta e espírito empreendedor. Acreditamos que tudo é possível, para tudo existe um caminho: basta ter um sonho grande e muita garra para atingir seu objetivo. É importante ter mente aberta e humildade porque, por mais que o plano seja sólido, pode ter de ser modificado ao longo do tempo, e é preciso aceitar isso. Também queremos pessoas com espírito empreendedor, ou seja, que se comportem como CEOs, assumam responsabilidades e sejam capazes de partir para a ação com o mínimo necessário para gerar valor. Testar ideias novas é vital para fazer a empresa evoluir.
Antes de contratar, procuramos avaliar se a pessoa tem essas características e a vontade de montar algo grande, transformador, no longo prazo. Muitos jovens de hoje são imediatistas demais: querem virar diretores do dia para a noite, mas não funciona assim. É preciso ir ligando os pontos de olho nos objetivos de longo prazo. As realizações que de fato importam são construídas assim.
Atrair e reter pessoas talentosas foi um dos grandes desafios da XP. No começo, eu era o CEO de uma empresa com mais um sócio e dois estagiários. Tempos depois, éramos uma salinha com trinta pessoas, depois com cinquenta, cem, duzentos. Em 2019, a empresa tinha aproximadamente 1900 funcionários, além de cerca de 5 mil agentes autônomos de investimentos. Tivemos de fazer várias transformações no estilo de gestão, e eu precisei mudar para me adaptar a cada novo cenário. Numa empresa que dobra a cada ano porque o mercado permite, quem não evolui acaba ficando pelo caminho. Com o tempo, aprendemos a buscar no mercado os profissionais de que a empresa precisa em cada fase em que está. É necessário encontrar pessoas que andem junto com a sociedade, tenham reconhecimento adequado e principalmente a cultura certa – não adianta ser alguém com alta performance se os valores não combinam com os da companhia.
O desafio da XP é crescer mantendo o espírito de startup – ou seja, continuar sendo uma empresa de dono, em que se presta atenção aos mínimos detalhes.
Além disso, para esse espírito empreendedor continuar, é fundamental dar espaço para projetos novos. Ao mesmo tempo, é preciso manter a empresa lucrativa e crescendo. Não existe uma fórmula exata que garanta o equilíbrio entre essas duas coisas, mas acho que nosso time de líderes e nosso sistema de metas têm garantido isso. Cada projeto tem seu objetivo e seu indicador. Se a equipe não está atingindo a meta, pode adotar outra medida, mas precisamos enxergar o valor do que está sendo feito. Quando fica evidente que não vai dar certo, abandonamos. Por isso, também é importante ser humilde. Se, na prática, a ideia que parecia brilhante não deu tão certo, vamos interromper. E partir para a próxima. Normalmente, quando se faz uma autocrítica baseada em fatos e dados, a verdade não demora a aparecer.”
Roberto Vinhaes, fundador da Investidor Profissional e Pipa Global
“A partir de 2003, quando houve uma euforia com o Brasil e a bolsa local passou a subir muito, a IP captou bastante dinheiro. Tínhamos um histórico longo e bom, o que facilitava. O problema era a dificuldade de investir esses recursos. O mercado brasileiro é pequeno, e as ações estavam caras porque a demanda era grande. Havia diversas aberturas de capital, mas acho um problema comprar o papel de empresas novatas. A assimetria de informações é enorme: os donos e os assessores que estão estruturando a abertura de capital sabem muito, e o restante do mercado, pouco. Quando eu falava isso para os outros sócios da IP, diziam que eu estava ficando velho, que não entendia como o mercado funcionava. Respondi: ‘Verdade, estou ficando velho e velho não pode ficar nervoso’. Em 2006, decidi tirar um período sabático e fui morar em Londres. Foi um dos maiores erros que cometi.
Dois anos depois, a IP estava um horror. A visão da equipe era que a crise internacional de 2008 era uma marolinha que não teria impactos mais sérios no Brasil e que a nossa economia estava ótima. Eu não concordava. Além disso, a performance estava ruim: o fundo perdeu 40% em 2008, praticamente o mesmo que o Ibovespa. Ou seja, não havíamos sido capazes de gerar qualquer valor para os cotistas. Decidi voltar para a gestora.
Quando cheguei, mandei 70% dos funcionários embora, além de dispensar a maioria dos clientes, para termos um tamanho adequado para gerar retorno. Idealmente, uma gestora deve ser minimalista e ter, no máximo, vinte investimentos – o melhor são doze – e cerca de vinte cotistas. O dia tem apenas 24 horas, e preciso estar bem informado: expandindo demais, não consigo dar conta de tudo. Nossos principais investidores são empresários, ex-empresários ou executivos, que analisam as coisas da mesma forma que a gente. Nunca tem ninguém perguntando o que a gente acha do próximo trimestre ou da oscilação do câmbio. Eles querem saber, na nossa opinião, qual será a próxima inovação que poderá transformar – para melhor ou pior – um setor.
(…)
O que mais faz diferença no retorno de um investimento é a qualidade da gestão da empresa. Quando adquirimos ações da Renner, estávamos na verdade comprando José Galló, que presidiu a empresa por quase vinte anos, com bastante sucesso. Em segundo lugar, vem o fato de o interesse da administração estar alinhado ao dos acionistas e, em terceiro, o plano de negócios.
Também é importante fazer uma análise multidimensional das empresas e dos setores em que estão inseridas. Para ficar no exemplo da Renner: quando os juros sobem, alguns analistas afirmam que isso pode prejudicar as vendas, porque dificulta as compras parceladas. É verdade, mas há um fator muito mais importante, que são os produtos de outros segmentos, especialmente os celulares. Se o cliente resolve trocar de celular, sobra menos dinheiro para gastar com roupas. Os concorrentes da Renner estão em diferentes mercados. Galló sabia disso, e um bom investidor também precisa levar esse fato em conta.”
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