SÃO PAULO – O mercado de fundos imobiliários negociados em Bolsa não para de se transformar. Se de um lado o lançamento de carteiras antes focadas em agências bancárias têm perdido espaço, de outro, novos segmentos começam a ganhar fôlego.
Esse é o caso dos fundos com foco no mercado residencial, que podem abranger a incorporação de novos edifícios, a compra e venda de imóveis e a renda gerada pelo aluguel das unidades.
Existem hoje na Bolsa 19 fundos imobiliários com foco no mercado residencial, de acordo com dados do site “Clube FII”. O número representa uma pequena fração dos 273 fundos com cotas negociadas na B3.
Grande parte desses produtos de nicho têm baixa liquidez, o que abrange, inclusive, um dos fundos com maior patrimônio, o Loft I (LOFT11B), com R$ 233,3 milhões e pouco mais de 200 cotistas.
No grupo dos fundos imobiliários residenciais com maior volume diário médio neste ano, destaque para o Mérito Desenvolvimento Imobiliário I (MFII11), com giro médio diário de R$ 701 mil e patrimônio líquido de R$ 280,6 milhões, e o MAC FII (DMAC11), com volume de R$ 123,5 mil e tamanho de R$ 107,7 milhões. Juntos, os fundos possuem cerca de 23 mil cotistas.
Além do avanço da tecnologia, com a maior possibilidade de compra, venda e aluguel de imóveis por meio de plataformas online – segmento que, inclusive, foi ampliado em meio à pandemia –, gestores ressaltam que o ambiente de juros baixos têm favorecido o investimento no mercado imobiliário residencial, com menores taxas de financiamento e uma demanda por maior diversificação dos portfólios.
O mercado também tem percebido uma mudança no perfil do consumidor, que tem se refletido nas estratégias de renda, via receita dos aluguéis de apartamentos.
Se antes a casa própria estava entre os principais desejos dos brasileiros, agora esse objetivo vem se transformando, segundo os gestores, com as pessoas mais interessadas em aluguéis e atentas a opções flexíveis de moradia, com menos burocracias para contratos de pequena duração, por temporada.
Novo fundo na B3
Nesta semana, o investidor se deparou com um novo produto do gênero residencial, com a estreia na B3 do Loft II (LFTT11), na segunda-feira (27).
Com foco em compra, reforma e venda de apartamentos usados, o fundo opera com imóveis com áreas de 20m² a 300 m², nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e se soma a outro fundo do grupo, o Loft I (LOFT13B), lançado em 2019 com a mesma estratégia, mas com foco exclusivamente na capital paulista.
“Investidores estão percebendo que muitas famílias estão repensando os lares, o jeito como querem morar. Há ainda os fatores macroeconômicos, como os financiamentos em patamares inéditos, com a Selic baixa”, afirma Mate Pencz, co-fundador da Loft.
Diferentemente do mercado de incorporação, diz, que demora de três a cinco anos para construir o imóvel, o período entre a compra e a venda pode levar de um a seis meses no fundo da Loft, dependendo do tamanho e do perfil do espaço, o que aumenta o giro do portfólio.
Atualmente, a carteira do Loft I conta com 200 apartamentos, com um retorno anual estimado de até 7% ao ano.
Netflix imobiliária
Com foco em imóveis para renda, isto é, que se beneficiem do aluguel dos apartamentos, o fundo residencial Housi (HOSI11) foi lançado em março deste ano, dias antes de a crise do coronavírus atingir em cheio o Brasil.
Por conta da pandemia, a opção da gestão foi por segurar o montante captado, com o intuito de buscar melhores oportunidades para alocá-lo, conta Alexandre Frankel, CEO da Housi. Segundo ele, o fundo está mapeando ativos neste momento.
Diferentemente da Loft, que compra e vende imóveis, a estratégia é adquirir prédios inteiros para locar as unidades. A gestão da propriedade, por sua vez, fica com a plataforma Housi, que cuida da renovação dos apartamentos e das locações.
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De olho em uma mudança do comportamento do consumidor que não quer se descapitalizar, o objetivo do fundo é prover moradia por assinatura, o que Frankel chama de “Netflix do mercado imobiliário”, em que a pessoa pode escolher por quanto tempo deseja ficar.
O imóvel, quando alugado, já está mobiliado e com despesas como água, energia, internet, televisão por assinatura, limpeza semanal e canais de streaming inclusas.
“Todo mundo ainda pensa em moradia como a venda de um espaço físico, um tijolo. Mas ela tem que ser pensada de uma forma integrada, com tecnologia e serviços. É isso que vai fazer toda a diferença entre os imóveis inteligentes e aqueles estáticos, que vão ficar no passado”, diz.
Aluguel como tendência
Compartilhando da ideia de maior “flexibilidade” para o novo tipo de consumidor, a estratégia de locação por temporada também será aproveitada pela Rio Bravo em seu novo fundo de imóveis residenciais, ainda em desenvolvimento.
Além de prédios prontos, terrenos e ativos em desenvolvimento, o fundo poderá comprar qualquer tipo de veículo que tenha como finalidade o financiamento de empreendimentos imobiliários.
Durante o programa “Fundos Imobiliários” do professor do InfoMoney Arthur Vieira de Moraes, Felipe Rosa, gestor da Rio Bravo, contou que, além de deter o domínio dos prédios em que alugam as unidades, visando a melhor gestão do ativo, o fundo fará parceria com incorporadoras, de forma que os produtos possam nascer preparados para esse tipo de operação.
Eduardo Malheiros, CEO da Habitat, gestora que administra fundos de CRI residenciais, tem uma visão otimista em relação aos novos modelos de fundos residenciais, como os de aluguel de curta duração, que, segundo ele, têm grande chance de deslanchar, dados os menores riscos embutidos.
“Se olharmos para o mercado americano, os fundos residenciais representam uma fatia grande do total e são considerados mais defensivos. É interessante que geralmente esses fundos têm dividendos mais baixos, porque o valor das cotas é maior”, afirma.
Nos EUA, o setor de REITs residenciais é um dos que têm maior valor de mercado na indústria de fundos listados em Bolsa, com US$ 154,5 bilhões, em 30 de junho.
Atenção aos riscos
Por mais que os especialistas sigam otimistas com o segmento, ainda há dificuldades para seu desenvolvimento no país e riscos a serem ser considerados.
Daniel Caldeira, sócio da gestora Mogno Capital, se diz ainda muito cético com a estratégia de FIIs residenciais no Brasil e se preocupa com aspectos legais, com o que considera uma maior proteção de locatários em caso de necessidade de despejo quando há inadimplência contínua.
Outro desafio, segundo Caldeira, reside na maior complexidade de administração. Enquanto em uma laje corporativa, por exemplo, pode haver 30 inquilinos, de 30 empresas distintas, ao lidar com apartamentos, o gestor pode se deparar com centenas ou milhares de inquilinos pessoas físicas.
Custos “extras”, como gastos com reformas ou pintura dos apartamentos, devem ser colocados na ponta do lápis, uma vez que podem pressionar os rendimentos dos fundos. “Tem que colocar na conta também as taxas de vacância e inadimplência”, diz.
Ele cita como exemplo a plataforma QuintoAndar, que gastou R$ 50 milhões com o atraso de aluguéis dede o início da pandemia, e um total de R$ 200 milhões desde o começo do negócio, em 2015, até 21 de julho deste ano.
“Espero que a classe ganhe tamanho, porque seria mais uma opção para o mercado, mas a dinâmica é muito complicada. Tenho dúvida se os fundos vão conseguir entregar margens ao longo do tempo por conta das reformas com os imóveis”, assinala o sócio da Mogno Capital.
Malheiros, da Habitat, conta que, na indústria de CRIs residenciais, o “fundo do poço”, com maior inadimplência, foi em abril, com uma melhora a partir de então.
Nos dois fundos da gestora, que possuem juntos 30 papéis, o retorno médio está na casa dos 10,5% ao ano, diz. “Caiu um pouco desde o começo da crise, mas ainda assim é bastante alto em um cenário de CDI caindo para 2%.”
Diferentemente dos fundos de lajes e galpões, por exemplo, em que a localização é um critério importante de análise, nos residenciais, é preciso ter um bom operador, assinala Malheiros.
Segundo ele, nos EUA, há grandes empresas que são responsáveis pelo aluguel residencial, uma figura especialista que ainda falta no mercado local. “O mais importante é saber a capacidade do operador de negociar com as outras famílias e ser experiente. E ainda não deu tempo de essa figura se desenvolver muito no Brasil.”
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