Fundos imobiliários podem suspender pagamentos de dividendos em meio à pandemia?

Especialistas explicam que suspensão é aceitável, desde que mantido o pagamento de 95% do lucro a cada seis meses

Lilian Sobral

SÃO PAULO – Governadores de vários estados brasileiros vêm tomando a dianteira no combate à pandemia da Covid-19 nas últimas semanas e usando decretos e recursos legais para diminuir a circulação de pessoas nas ruas. Em meio a essas decisões, uma das medidas que vem sendo difundida é o fechamento de todo comércio considerado não essencial.

Entra nessa lista a maioria das lojas de shopping centers. Se de um lado a medida é eficiente para reduzir as taxas de contágio pelo coronavírus, por outro, tem impacto direto no bolso dos lojistas, que já tentam renegociar aluguéis para preservar seus negócios durante o período de quarentena.

Nesse contexto, os fundos de investimentos imobiliários (FIIs) que têm shoppings centers em seus portfólios são os mais suscetíveis aos impactos econômicos da epidemia, neste primeiro momento. Alguns deles, como Shopping Pátio Higienópolis, XP Malls e Grand Plaza Shopping, já suspenderam a distribuição de rendimentos mensais.

Esse movimento pode gerar dúvidas – e preocupações – nos cotistas. Especialmente investidores pessoa física, que aproveitaram a recente popularização dos FIIs para diversificar portfólios, vendo na distribuição recorrente de proventos isentos de impostos um dos principais atrativos da categoria. Afinal, um fundo imobiliário pode suspender o pagamento periódico de dividendos?

Segundo Arthur Vieira de Moraes, especialista em fundos imobiliários e professor do InfoMoney, é preciso entender primeiro que a distribuição de proventos se baseia nos rendimentos de um fundo imobiliário. Desta forma, o imóvel precisa ter renda, que é passível de cair em momentos de crise como este, para atender aos anseios dos cotistas.

Em segundo lugar, é importante lembrar que a lei que rege as regras do setor determina a distribuição de dividendos semestrais. “Criou-se uma praxe na indústria de que a distribuição seja mensal. Mas isso é uma antecipação não obrigatória do pagamento semestral. Então, por cautela, gestores podem nesse momento adotar a postura de suspender esse adiantamento”, diz o professor.

Uma vez que se mantenha dentro do que determina a lei (distribuição semestral de 95% dos resultados do semestre), o fundo tem o direito de adotar a suspensão. Os especialistas consultados para essa matéria consideram, inclusive, uma ferramenta prudente para alguns casos, dependendo da situação financeira e de caixa de cada fundo.

“Apenas passados seis meses, se houver a necessidade do fundo de reter mais do que 5% do lucro caixa e distribuir menos do que o mínimo determinado por lei, é necessário reunir uma assembleia para deliberar sobre o assunto”, explica o advogado Carlos Ferrari, sócio fundador do escritório NFA Advogados.

Adaptações em tempos de crise

Gestores de FIIs contam com outras ferramentas para diminuir os impactos dessa crise, que podem preservar ao menos parte dos dividendos semestrais.

Conforme afirma Ferrari, já há alguns fundos, inclusive de shoppings, se movimentando para fazer captações via oferta de esforços restritos, para investidores profissionais. “São colocações para poucos investidores, que em geral já estão próximos da administração dos fundos, e têm liquidez e caixa para aplicar em ofertas como essas”, explica.

E existem outras formas de preservar o caixa às quais gestores já estão recorrendo para minimizar os efeitos nos dividendos. “Uma das primeiras ações que temos visto na indústria é a busca pela redução do custo condominial”, afirma Leandro Bousquet, sócio da Vinci Partners, responsável pela área de Real Estate. Diminuir os custos de operação e manutenção dos imóveis abre espaço para contas mais equilibradas quando for necessário renegociar aluguéis.

No caso do fundo Vinci Shopping Centers FII, Bousquet explica que a diversificação geográfica do portfólio e a posição de caixa confortável permitiram a manutenção da distribuição de provento mensal nesse momento. A política para o mês de março, contudo, foi alterada para garantir alguma rentabilidade aos investidores.

O fundo vai distribuir o equivalente ao resultado da aplicação financeira da cota patrimonial do fundo pelo Certificado de Depósito Interbancário (CDI), líquido de impostos para pessoas físicas. “Nós vamos reavaliar essa política mês a mês”, afirma o sócio da Vinci.

O valor dos rendimentos deve se situar na faixa de R$ 0,28 a R$ 0,30 por cota e será anunciado nesta terça-feira (31). Segundo a Vinci, a parcela de rendimentos pagos ao fim do primeiro semestre de 2020 respeitará a distribuição mínima de 95% dos resultados no período.

Mauro Dahruj, sócio da Hedge Investments, diz que o foco na gestão de fundos agora é exatamente minimizar possíveis reduções de dividendos, e também cita a diminuição do custo condominial como uma das primeiras ações para proteger os FIIs de shoppings.

Ele lembra que as renegociações de aluguel podem seguir diversos formatos. “Uma negociação não significa, necessariamente, um abono total do aluguel. Pode ser apenas uma postergação”, diz Dahruj.

As avaliações são feitas caso a caso. Mas isso significa que, num momento de estabilização, alguns contratos renegociados poderiam incluir até pagamento retroativo de eventuais descontos, e não uma isenção total.

Independentemente da posição que cada fundo vai assumir, o professor Moraes ressalta um ponto positivo na conduta que os gestores têm adotado, que é o de comunicar ao mercado sobre as negociações e possibilidades antes mesmo de as decisões serem tomadas de fato.

“Informação gera valor. Um fundo que divulga a situação do caixa, do ativo e os movimentos que estão sendo feitos diminui a especulação”, observa.

Teste de resiliência

Os FIIs de shopping centers são os mais suscetíveis aos primeiros efeitos da crise que se aproxima, porém não necessariamente são os únicos.

Bousquet, da Vinci, lembra, por exemplo, dos fundos que têm hotéis em seus portfólios. Menos populares, eles podem sofrer a forte redução na demanda, causada principalmente pelas restrições de viagens.

“Mas também há setores que estão mais protegidos, até pela própria natureza do contrato”, diz. Nesse sentido, ele cita como exemplo os FIIs de galpões de logística, categoria na qual é comum encontrar os chamados contratos atípicos. “Se por um lado o locador não tem muito espaço para subir preços, por outro, as multas rescisórias são altas nesses contratos, garantindo alguma proteção”, diz Bousquet.

Dahruj, da Hedge Investments, cita outro exemplo, de fundos de agências bancárias. “Os contratos com bancos costumam ser longos, então há uma boa expectativa de que eles continuem pagando dividendos.”

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Lilian Sobral

Jornalista colaboradora do InfoMoney