SÃO PAULO – O ano de 2019 será lembrado pelos números simbólicos alcançados na Bolsa de Valores. Depois do registro de 1 milhão de investidores no mercado e do rompimento da marca dos 100 mil pontos pelo Ibovespa, a bola da vez está com os fundos imobiliários, que acabam de alcançar 518 mil pessoas físicas em outubro, mais que o dobro do registrado em janeiro deste ano.
Com isso, os cotistas de FIIs respondem por um terço do total de CPFs cadastrados na Bolsa brasileira. O mercado vem se destacando especialmente em um contexto de maior apelo da renda variável, diante dos juros na mínima histórica e da menor atratividade das aplicações mais conservadoras.
A taxa Selic começou a cair do patamar de dois dígitos (14,25%) a partir de outubro de 2016 e está atualmente em 5% ao ano, com expectativa de novas quedas. Os fundos imobiliários têm apresentado alta nos últimos cinco anos. Desde 2015 até o fim de outubro deste ano, o Ifix, índice que mede o desempenho médio das cotações dos fundos imobiliários, dobrou de patamar. Apenas neste ano, o referencial acumula valorização de 18,7%.
O número de fundos na Bolsa também tem aumentado consistentemente e corresponde hoje a 200 (com a entrada recorde de 48 neste ano), com um patrimônio líquido de R$ 74,4 bilhões. Em 2015, eram 127 fundos listados.
Os investidores pessoas físicas são responsáveis por grande parte desse movimento, dado o incentivo da isenção tributária sobre os rendimentos distribuídos pelos FIIs listados em Bolsa. Não à toa, eles respondem por mais de 70% do volume negociado em Bolsa.
“Temos observado que as corretoras estão aumentando cada vez mais os esforços para atrair pessoas físicas para o mercado de Bolsa, por meio de cursos e conteúdos educacionais para esse público. Além disso, o benefício tributário torna os fundos imobiliários muito atrativos para os investidores pessoas físicas, além da distribuição periódica de rendimentos”, afirma Juca Andrade, vice-presidente de produtos e clientes da B3.
Alguns fundos tiveram papel preponderante para o crescimento da atuação do pequeno investidor, caso do BB Progressivo II, fundo de agências do Banco do Brasil que estreou na Bolsa no fim de 2012 e agregou cerca de 50 mil investidores, dobrando o número total existente.
Levantamento feito pela XP Investimentos com base em dados da provedora de informações financeiras Comdinheiro revela que os dez fundos imobiliários listados na B3 com maior número de cotistas pessoas físicas somam cerca de 803 mil investidores.
O CSHG Logística (HGLG11) ocupa o topo do ranking, com 114,4 mil cotistas. Outros dois fundos (XP Log e GGR Covepi) com foco em logística aparecem no “top 10”. Fundos de lajes corporativas e shopping centers também estão entre os favoritos, caso do Kinea Renda Imobiliária (KNRI11), com 114 mil cotistas, e XP Malls (XPML11), com 95 mil investidores.
Além da expectativa da Selic em baixa por um período prolongado, especialistas consultados pelo InfoMoney estão de olho em sinais já positivos do mercado imobiliário, com recuperação dos preços de aluguéis e redução nas taxas de vacância.
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Renan Manda, analista de fundos imobiliários da XP Investimentos, avalia que grande parte dos novos investidores de FIIs são pessoas que saíram da renda fixa em busca de maiores rentabilidades, mas sem a intenção de aumentar demais o risco. “A estabilidade dos juros e a inflação em níveis baixos ajudam empresas a se planejarem e fazem com que pessoas que invistam na renda fixa saiam da zona de conforto para explorar as oportunidades no mercado”, diz.
Essa porta de entrada dos investidores mais conservadores na renda variável por meio dos fundos imobiliários se deve-se ao seu perfil tido como híbrido, já que, embora as cotas possam ser negociadas em Bolsa e, portanto, sofram oscilações diárias, os rendimentos pagos periodicamente dão um caráter de renda fixa ao produto.
“A receita é previsível e os custos são conhecidos, então o lucro também costuma ser previsível, ou seja, os fundos têm um ‘jeitinho’ de renda fixa, o que se reflete na distribuição do rendimento e nas cotas”, afirma o professor do InfoMoney Arthur Vieira de Moraes.
O consultor de investimentos Sergio Belleza, um dos responsáveis pela estruturação do primeiro fundo imobiliário brasileiro, o Memorial Office (da década de 1990), acredita que o mercado de FIIs tem potencial para ultrapassar o de ações em número de investidores.
“O fundo é mais palatável para a pessoa física. Quem investe em FII sabe do que se trata, especialmente porque ainda temos muitos fundos monoativos. É fácil entender de onde vem a receita e os riscos envolvidos”, observa, ressaltando, contudo, que o mercado segue muito atrasado, com um baixo crescimento de cotistas.
500 mil: apenas o começo?
De fato, ainda que o crescimento deste ano seja expressivo, o saldo de cerca de 518 mil investidores de fundos imobiliários é simbólico e apenas reforça como este mercado segue incipiente.
“É um crescimento muito forte porque a base ainda é muito pequena. Esse é o primeiro capítulo de um setor que está começando a amadurecer e que ainda tem um grande espaço. 500 mil é bastante, mas, em termos de população, é muito pouco”, destaca o analista da XP.
Para ter uma melhor ideia, nos Estados Unidos, os fundos de investimento imobiliário já são conhecidos há muito mais tempo, desde a década de 1960. Conhecidos pela sigla REITs (Real Estate Investment Trust), os FIIs americanos representavam, até outubro deste ano, um universo de 221 fundos listados (com US$ 1,3 trilhão em valor de mercado) que compõem o FTSE Nareit AII REITs Index, referencial do segmento. O índice inclui todos os fundos de investimento imobiliário listados nas bolsas americanas.
No Brasil, no mesmo período, havia 200 fundos imobiliários listados na B3, dos quais 100 integram o Ifix. “[Os EUA] são um mercado mais maduro na adoção e na inserção dos REITs; lá, cerca de um quarto da população tem exposição direta ou indireta a eles” afirma Manda.
As perspectivas, contudo, são favoráveis. As altas taxas de juros, que por anos ofuscaram o brilho dos fundos imobiliários, devem continuar fora das preocupações dos investidores no curto/médio prazo, segundo as estimativas do mercado compiladas pelo relatório Focus, do Banco Central.
De acordo com a última pesquisa semanal, a expectativa é de que a Selic encerre 2020 no patamar de 4,25% ao ano, subindo gradualmente em 2021 (para 6%) e 2022 (para 6,50%).
“O juro baixo favorece a indústria de FIIs e a economia, com uma expectativa de melhora dos preços de locação tanto em escritórios como em galpões. A queda do desemprego e o aumento do consumo ainda levam a uma melhora na receita dos shoppings”, destaca Moraes.
Para a XP, todos os segmentos de fundo imobiliários devem se beneficiar no próximo ano, mas os de lajes corporativas e os de logística detêm o maior potencial, por terem sofrido mais que os outros durante o período recessivo da economia.
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Além da premissa de condições macroeconômicas favoráveis, o que poderá contribuir para uma expansão mais expressiva do mercado e, consequentemente, da base de investidores pessoas físicas?
Manda, da XP, cita os fundos de pensão como uma potencial alavanca. Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) de 2018 estabeleceu novas regras ao investimento em imóveis pelos fundos de pensão, vetando a aquisição direta de imóveis e determinando a venda dos imóveis em carteira em até 12 anos, portanto, até 2030.
Por isso, é esperado que as entidades fechadas de previdência complementar comecem a entrar com maior força no mercado de fundos imobiliários para se adaptar às novas determinações e também ao cenário de juros mais baixos, que têm colocado as metas atuariais sob pressão.
“À medida que os investimentos [nas carteiras] vão vencendo, há a preocupação em alocar de forma mais eficiente o capital, e os fundos imobiliários têm despertado o interesse dessas instituições”, diz.
A liquidez, que por muito tempo foi vista como grande entrave para investidores institucionais e de varejo, também começa agora a mudar. “Hoje, graças ao investidor pessoa física, que trouxe liquidez para os FIIs, temos um cenário que se aproxima ao visto em uma série de empresas listadas na Bolsa, então os ativos começam a ficar no radar de gestores de fundos de investimento”, pontua Manda, da XP.
A avaliação é partilhada por Andrade, da B3, que destaca o crescimento expressivo no volume negociado de fundos imobiliários: de janeiro a outubro deste ano, o volume médio diário foi de R$ 104 milhões, ante R$ 44 milhões no mesmo período de 2018, uma alta de quase 136%. “A B3 está avaliando a possibilidade de permitir o empréstimo de cotas de fundos imobiliários, o que é muito importante para gerar um aumento da liquidez, pois permite uma melhor atuação do formador de mercado”, afirma.
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