Fundos com teses específicas voltadas à sustentabilidade ganham espaço no Brasil. Vale a pena investir?

Para cada US$ 3 investidos em fundos no mundo em 2021, US$ 1 foi destinado aos chamados fundos ESG. Conheça opções disponíveis no Brasil e seus desempenhos

Felipe Alves

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Para cada US$ 3 investidos em fundos em todo o mundo em 2021, US$ 1 foi destinado aos chamados fundos ESG, que focam as aplicações em empresas com boas práticas ambientais, sociais e de governança, segundo relatório do Bank of America.

De acordo com o levantamento, os depósitos em fundos ESG subiram 73% em média em 2021, em comparação com 2020. De cada oito fundos existentes no mundo, um tem foco em ESG, de acordo com o banco.

No Brasil, o tema tem ganhado cada vez mais destaque com o surgimento de fundos amplos e também focados em nichos específicos, que englobam investimento em água e urânio ou companhias que ajudam na mitigação de mudanças climáticas.

“O processo ESG é uma jornada quase que sem fim”, diz Fabio Alperowitch, CFA da Fama Investimentos, uma das casas mais tradicionais no segmento. “Não nos incomodamos em investir em empresas que estejam no início desse processo. Mas precisamos investir em empresas que tenham a cultura ESG. Em resumo, são investimentos em empresas que são de excelente qualidade, gestão e que tenham cultura corporativa alinhadas ao ESG”, explica.

Fundada em 1993, a Fama decidiu por manter, ao longo de quase três décadas de atuação, apenas um fundo e com uma estratégia bem definida. O Fama Ações FIC FIA investe em empresas brasileiras sólidas, bem geridas, com foco em aspectos qualitativos e sempre levando em conta princípios éticos e de ESG. Hoje, fazem parte do fundo empresas como Localiza (RENT3), Iguatemi (IGTI3), Notre Dame (GNDI3), Klabin (KLBN11), Fleury (FLRY3) e Lojas Renner (LREN3).

A XP, por sua vez, entrou mais recentemente na área – mas foi de cabeça. Hoje, faz a gestão de 48 fundos – incluindo ETFs (Exchange Traded Funds) – relacionados à temática ESG. Uma área específica para o setor foi criada na empresa em junho de 2020 e, desde então, ganhou corpo para surfar na onda do mercado que tem demandado cada vez mais produtos sustentáveis.

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Agora, o time de Beatriz Vergueiro, head de produtos ESG da XP, está focado na ampliação do leque de novos fundos e na comunicação destes produtos ao mercado. Segundo ela, no futuro, todos os fundos da XP Asset terão critérios ESG nos investimentos. Hoje são R$ 8,8 bilhões sob custódia em produtos ESG, incluindo títulos de renda fixa e COEs (certificados de operações estruturadas), o que representa 1,03% do total custodiado pela XP. São 182 mil os clientes que investem neste segmento na XP.

Beatriz enxerga que o mercado ainda tem muito para crescer nos próximos anos. “Na Europa e EUA, mais de 50% do total de ativos são geridos com estratégias ESG. Aqui no Brasil, no começo de 2020, o total de fundos de ações não era nem 1% do mercado”, pontua.

Beatriz afirma que ainda há várias teses que podem ser abordadas em novos fundos ESG. É o caso de cidades inteligentes (e a mitigação de mudanças climáticas), a eletrificação de carros e mais fundos internacionais.

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Vale a pena investir em ESG?

Teses como a de tecnologias voltadas para água, do carbono e de mitigação de mudanças climáticas fazem parte do portfólio de produtos da XP – e com rentabilidades acima de índices de referência, como a taxa do CDI e o Ibovespa. O fundo Trend Carbono Zero FIM é um exemplo. Ele acompanha o mercado regulado de créditos de carbono. O fundo é passivo e replica o ETF KraneShares Global Carbon (KRBN), composto por contratos futuros de crédito de carbono em mercados regulados com alta liquidez.

Hoje, o Trend Carbono Zero tem um patrimônio de R$ 47 milhões. Lançado em junho de 2021, o fundo acumulou rentabilidade 47% até o fim do ano, contra -18% do Ibovespa no mesmo período de comparação.

Outro exemplo é o Trend Água Tech FIM, que investe em empresas que oferecem produtos e soluções tecnológicas para endereçar a crescente demanda e uso responsável de água. O fundo passivo é focado em investimentos internacionais com exposição ao Invesco Water Resources ETF, que reúne 36 empresas. De julho de 2021, quando foi lançado, até o fim do ano rendeu 10,68%.

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Já o Nordea Global Climate and Environment investe em empresas globais que oferecem soluções tecnológicas e inovadoras para desafios climáticos e ambientais. A estratégia concentra cerca de 60% dos investimentos em companhias ligadas ao uso eficiente de recursos, 35% nas que se destacam em proteção do meio ambiente e 5% em energias alternativas. O fundo investe no Nordea Global Climate and Environment, fundo internacional, sem hedge cambial. Rendeu quase 31% em 2021, enquanto o Ibovespa recuou praticamente 12%.

Não significa que investimentos focados em ESG estejam imunes a solavancos. O fundo Fama Ações FIC FIA, por exemplo, rendeu 1.621% nos últimos 20 anos, contra 663,9% do Ibovespa. No ano passado, no entanto, acumulou perdas de 22%.

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Em carta aos investidores, a gestora argumentou que o desempenho aquém do Ibovespa se deu porque a casa tradicionalmente não investe no setor de commodities – que costuma concentrar grandes emissores de gases de efeito estufa, o que esbarra nas práticas sustentáveis do fundo. E foram as empresas de matérias-primas as que puxaram a performance da Bolsa brasileira no ano passado.

Cadê os cotistas?

Gestor da Vitreo, Rodrigo Knudsen acredita que o tema ESG tem ganhado relevância, mas ainda há pouco fluxo de investimentos direcionados neste sentido – ao menos localmente.

“Vejo que vai dar outperformance [desempenho acima da média] no futuro, mas não observo muitos investidores colocando dinheiro agora”, diz. A razão? “Não sei se os investidores mais velhos estão esperando para ter mais track record [histórico], ou se a situação da pandemia prejudicou”.

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A Vitreo apostou nos últimos anos em produtos ESG, mas a captação tem sido aquém do esperado, segundo Knudsen. A empresa, que tem R$ 13 bilhões de ativos sob custódia, trabalha com três fundos sustentáveis amplos, além de outras teses de nicho – como os fundos Vitreo Água, Vitreo Urânio e Vitreo Hidrogênio.

Apesar da diversidade de opções, Knudsen afirma que a expectativa era de que esses fundos tivessem mais popularidade exatamente pelo tema, que tem ganhado relevância. Como exemplo, ele cita que o fundo Metaverso, lançado pela Vitreo em novembro de 2021, chegou a 10 mil cotistas em menos de três meses – uma velocidade que não se verificou nas carteiras sustentáveis.

O fundo Franklin W-ESG, por exemplo, que investe em empresas com pelo menos três mulheres na diretoria, rendeu quase 38% em 2021. Mesmo assim, não passou de 2.000 cotistas e R$ 20 milhões em patrimônio.

Investimento sustentável demanda visão de longo prazo

Para os gestores responsáveis por fundos ESG, o foco do investidor deve ser no longo prazo se quiser investir em produtos deste tipo.

Beatriz, da XP, destaca que quem tem integração ESG está protegido no portfólio. Ela cita como exemplo uma possível regulação do mercado de carbono, em que as empresas seriam obrigadas a compensar a emissão de gases de efeito estufa. Isso afetaria o lucro das companhias e, consequentemente, o preço das ações na bolsa.

“Um fundo que tem integração ESG já está protegido dessa queda das ações que vão sofrer impacto de políticas públicas. Outras questões, como a bandeira [tarifária de energia] elétrica e a escassez de água, já estão batendo na nossa porta. Em alguns anos vão se materializar com muita força”, diz. “É necessário olhar para isso hoje”.

Alperowitch, da Fama, ressalta a falsa dicotomia que existe entre rentabilidade e responsabilidade socioambiental. “As empresas mais responsáveis e sustentáveis não só são mais rentáveis como mais perenes. É uma dicotomia falaciosa”, diz. Segundo Fabio, quem investe em ESG está olhando para o futuro, e não para o curto prazo.

Knudsen, da Vitreo, ressalta que ainda há muita desconfiança em relação ao greenwashing – prática empresarial de camuflar ou omitir os reais impactos das atividades de uma empresa no meio ambiente. Para ele, as práticas de governanças já são mais enraizadas nas empresas brasileiras, mas os aspectos de meio ambiente e social são mais lentos e podem levar até uma geração para sair do papel.

“É um desafio entre execução e expectativa. Acredito que a performance vai acontecer de dois jeitos: se pessoas só começarem a consumir produtos ESG, essas empresas vão ganhar mais dinheiro; e nos mercados de capitais as empresas podem investir apenas em ativos ESG”, diz. “Os múltiplos que você aceita pagar num ESG são maiores que num ativo não ESG. Só que ainda não vi isso acontecer”.

Foco no ambiental, social ou na governança?

Em sua carta anual, divulgada no início deste ano, Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, destacou que acionistas, funcionários, clientes e reguladores esperam que as empresas desempenhem um papel na descarbonização da economia global. “Poucas coisas afetarão as decisões de alocação de capital – e, portanto, o valor de longo prazo de sua empresa – mais do que a eficiência com que você navegará na transição energética global nos próximos anos”, disse ele.

Segundo Fink, todas as empresas e setores serão transformados pela transição para um mundo de emissão zero. “Os próximos 1.000 unicórnios não serão mecanismos de busca ou empresas de redes sociais. Eles serão inovadores, sustentáveis e escaláveis – startups que ajudam o mundo a se descarbonizar e tornar a transição de energia acessível para todos os consumidores”, afirmou.

Por ora, no Brasil, o que se percebe é a ênfase das gestoras de fundos no “G” – governança – do tripé ESG. Pesquisa realizada pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) com 209 gestoras de recursos indica que os aspectos de governança são os mais observados pelo setor, em especial a transparência (92%) e a ética (92%).

O resultado reflete o fato de que, historicamente, o mercado está mais acostumado a relacionar a gestão das empresas ao seu desempenho financeiro, enquanto aspectos ambientais e sociais passaram a ser contemplados mais recentemente.

Características relacionadas às dimensões ambiental e social foram mencionadas com menor frequência na pesquisa. Dentro de ambiental, aparecem com destaque o uso de recursos naturais (76%), tecnologia limpa (71%) e poluição (71%). No campo social, chama atenção a observância aos direitos humanos (73%).

Alperowitch, da Fama, diz que pilares do ESG como direitos humanos e meio ambiente eram percebidos pelo mercado como ideológicos. Assim, o debate sobre essas práticas não foi possível por muito tempo. “Quando eu chegava em alguns lugares e trazia essas preocupações, eu era rotulado, e o debate encerrava-se ali. Era um debate absolutamente interditado”, diz.

Hoje, essa conversa é possível. “Mas a interlocução ainda é muito difícil, porque as pessoas ainda não entendem a complexidade dos temas. Temos uma série de desafios. Antes o desafio era a descoberta do tema. Agora é a qualificação do tema”, diz Alperowitch.

Com o avanço da pauta no Brasil e, em especial, no mercado de capitais, a Anbima decidiu criar uma nova forma de identificar os fundos considerados sustentáveis. Neste mês entraram em vigor as novas regras para identificação de fundos ESG.

Na prática, os fundos que tenham estratégias de investimentos voltadas às questões de ESG agora serão reconhecidos com a sigla IS – Investimento Sustentável – no nome, desde que cumpram certos critérios, requisitos e procedimentos. A regra vale para novos fundos de renda fixa e de ações cadastrados na Anbima.

Os fundos já existentes que se identificam como verdes, sociais, de impacto, ASG, ESG ou nomenclaturas semelhantes têm seis meses para se adaptar. A exceção fica com aqueles que atualmente são classificados como Sustentabilidade/Governança na Anbima, que terão até dezembro de 2022 para fazer a transição caso atendam aos novos requisitos. Caso contrário, deverão ser reclassificados em outra subcategoria.

A atual subcategoria Sustentabilidade/Governança contempla 45 fundos, segundo a Anbima – número que dobrou desde 2019, quando eram 22 fundos. Com a nova identificação, essa subcategoria deixará de existir.

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