Fundo de previdência replica carteira de multimercado, mas vale a pena? Simulação mostra ganho extra de até 14%

Diferença se dá por razões tributárias, como existência de come-cotas nos multimercados e alíquotas mais atrativas nos fundos de previdência

Bruna Furlani

(Getty Images)
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Mudanças regulatórias ocorridas nos últimos anos, o olhar voltado para o longo prazo e a possibilidade de oferecer aos investidores um produto com benefícios tributários têm levado gestoras de recursos a replicar estratégias de seus multimercados – vistos como carros-chefes das casas mais baladas do mercado – em fundos de previdência.

O movimento ajudou a reforçar a prateleira de ofertas e a incrementar os ganhos de investidores com horizonte de investimento distante. De quebra, possibilitou que algumas gestoras amenizassem o impacto dos resgates nas carteiras convencionais.

Ao contrário dos multimercados, que registraram em agosto o 12º mês consecutivo de saques líquidos, os fundos de previdência conseguiram, de modo geral, manter o fluxo de depósitos. Em 2022, a captação foi negativa em apenas três meses (janeiro, março e abril). No mês passado, as entradas somaram R$ 2,9 bilhões, enquanto as saídas dos multimercados foram de R$ 1,8 bilhão.

É verdade que, ao longo do ano, a maior parcela de captação da previdência foi protagonizada por fundos de renda fixa. Os da subcategoria “multimercados livres”, no entanto, têm se recuperado no último mês. Especificamente essa categoria de fundos de previdência teve depósitos de R$ 3,9 bilhões em agosto. No acumulado de 2022, as saídas somam R$ 14,3 bilhões.

Embora o número seja negativo, o rombo é bem menor do que o registrado por fundos convencionais do tipo “multimercados livre”, que apresentam resgates líquidos de R$ 11,1 bilhões em agosto, e de R$ 55,9 bilhões no ano.

Um dos principais atrativos das estratégias de multimercados replicadas nos fundos de previdência são os benefícios tributários. Considerando carteiras que adotaram exatamente a mesma carteira de investimentos, os fundos multimercados de previdência podem oferecer um ganho líquido (descontando o Imposto de Renda) até 14% maior do que o dos fundos multimercados convencionais em um prazo de 15 anos, segundo simulação realizada pela XP.

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O levantamento, feito com dados da plataforma Comdinheiro, estimou um aporte de R$ 982 em três fundos fictícios: uma carteira de previdência do tipo VGBL tributada pela tabela regressiva, uma carteira de previdência do tipo PGBL também seguindo a tabela regressiva e um multimercado convencional, que segue as regras estabelecidas na instrução 555 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Partiu-se da premissa de que os três reproduziriam a mesma carteira, obtendo o mesmo retorno do IHFA, índice que acompanha o desempenho de um grupo de multimercados de gestão ativa. Os fundos utilizados apresentavam taxa de administração de 2% e taxa de performance de 20%.

Ao final de 15 anos, o fundo com melhor desempenho foi o previdenciário do tipo VGBL com tributação regressiva: o saldo líquido final da aplicação seria de R$ 4.109 em 10 de agosto de 2022. O segundo lugar, por sua vez, ficou para o fundo de previdência PGBL com tributação regressiva, que terminou o período com um montante líquido de R$ 4.011.

Já o investimento no multimercado convencional teria alcançado R$ 3.581 na mesma data. Na comparação, o montante final aplicado no VGBL regressivo superaria em 14% o do multimercado convencional.

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Há algumas explicações para a diferença de retorno. Uma delas é a inexistência do come-cotas nos fundos previdenciários, diz Carolina Oliveira, coordenadora de análise de fundos da XP. O come-cotas representa uma forma de antecipação do Imposto de Renda cobrada semestralmente – sempre em maio e em novembro – em fundos multimercados e de renda fixa.

“Só pelo fato de os fundos de previdência não possuírem essa cobrança e deixarem para cobrar o imposto apenas no final, existe um ganho considerável para o cotista”, observa. “É preciso fazer um uso melhor dessa grande jabuticaba brasileira”.

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Fora isso, a tabela regressiva de Imposto de Renda aplicada sobre os fundos de previdência tem alíquotas mais baixas do que as que recaem sobre os multimercados. Enquanto a menor tributação possível em um multimercado é de 15% sobre os ganhos, se o investimento for mantido por pelo menos dois anos, no caso dos fundos de previdência ela chega a 10%, após dez anos de aplicação.

Embora o estudo tenha partido de fundos fictícios, Carolina destaca que a simulação busca se aproximar do momento atual, já que a previdência passou por mudanças regulatórias em 2019. “Utilizar dados históricos reais poderia não refletir 100% o cenário da indústria de previdência atualmente”, aponta a profissional.

Cara de previdência, corpo de multimercado

As mudanças na regulação de fundos de previdência foram um impulsionador para que gestoras lançassem produtos com carteiras semelhantes às dos multimercados. Carolina, da XP, explica que as alterações permitiram políticas de investimentos mais flexíveis, o que possibilitou que muitas casas optassem por replicar estratégias de sucesso de multimercados em fundos de previdência.

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“A mudança ofereceu a possibilidade de os fundos de previdência investirem uma parte da carteira no exterior, além de acessarem investimentos como derivativos mais sofisticados”, afirma Carolina. “Como o cotista é focado no longo prazo, a chance de resgate também é menor, o que deixa o passivo mais estável para o fundo. Isso é ótimo para o gestor”, ressalta.

Uma gestora que aproveitou a transformação regulatória foi a Kapitalo, que lançou o K10 Previdência em junho de 2021. Bruno Cordeiro, gestor do fundo, explica que o produto replica quase 100% da estratégia do K10 – um dos carros-chefes da casa.

“A legislação permite fazer estratégias com componente tático e de alocação”, observa. “O que fazemos pode até ter uma oscilação de curto prazo, mas quando estendemos o horizonte de investimento, a probabilidade de obter retornos excedentes aumenta muito”.

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Ao comparar os retornos do K10 com a sua réplica previdenciária, é possível perceber que as rentabilidades andam muito próximas: enquanto o K10 ganhou 0,02% em julho deste ano, o K10 Previdência avançou 0,11%. Da mesma forma, no ano, o primeiro fundo apresenta retorno de 12,99%, contra 13,63% do produto com caráter previdenciário.

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Entre as estratégias que ainda não podem ser 100% replicadas por fundos de previdência estão operações long and short, em que o gestor aposta na alta de uma ação (comprado) ao mesmo tempo que detém posição vendida (se beneficiando da queda) em outro papel.

“Não conseguimos fazer 100% long and short por estourar o limite de utilização de derivativos. O limite de opções e de futuros é menor nos fundos previdenciários. Por isso, os gestores afirmam que conseguem fazer ‘quase’ 100% da estratégia [do multimercado original]”, pondera Carolina, da XP.

Outra gestora que aproveitou a janela de oportunidades para lançar um fundo de previdência multimercado foi a Garde Asset, que criou o Garde Paris Icatu FIC FIM, focado em investidores qualificados (que possuem patrimônio financeiro maior ou igual a R$ 1 milhão).

Daniel Weeks, economista-chefe e sócio responsável pela área de relações com investidores da Garde Asset, diz que o fundo previdenciário tem algumas limitações de margem na comparação com o Porthos, multimercado original replicado. Significa que o fundo com caráter previdenciário deve ser mais cuidadoso com o limite de garantia que deve ser oferecido no caso de uma eventual perda. “Ficamos menos alavancados no fundo previdenciário. Também há diferenças em algumas posições cambiais, que conseguimos fazer no Porthos”, acrescenta.

Embora o fundo seja bastante jovem – foi lançado em maio deste ano –, Weeks conta que o produto já possui mais de R$ 80 milhões em captação. “Ele tem sido importante, inclusive, para compensar as saídas vistas em outras estratégias da casa. Conseguimos estabilizar o patrimônio em R$ 3 bilhões, com a ajuda dos fundos de previdência”.

Além do Paris Icatu, a casa possui hoje o fundo Aramis Previdência. A grande diferença entre ambos está na legislação. Como o Aramis foi criado segundo a lei antiga, o produto é mais engessado e não permite uma alocação tão diversificada quanto a do Paris, explica Weeks.

Novos lançamentos de fundos de previdência do tipo multimercado também marcaram o ano na Genoa Capital, que criou o Genoa Capital Cruise Prev em março de 2022.

Rodrigo Noel, sócio responsável pela área de operações, afirma que o portfólio de renda fixa, de moedas e de renda variável direcional no Brasil e em países emergentes do fundo Genoa Radar – o multimercado original – é replicado de forma bastante fiel no fundo previdenciário.

“Tirando os momentos em que há grande convicção na parte de moedas, ou em algo de renda variável, a alocação fica muito próxima, em geral”, pondera Noel.

De olho no exterior

A possibilidade de investir no exterior também atraiu os olhares da gestora Gauss Capital, que lançou um fundo de previdência do tipo multimercado para investidores qualificados em fevereiro deste ano.

Téo Bastos, executivo-chefe de operações (COO) da Gauss Capital, explica que os fundos previdenciários voltados para investidores de varejo possuem um limite de exposição do patrimônio em ativos no exterior de até 20%, enquanto nos fundos direcionados a investidores qualificados a fatia aumenta para 40%. Isso favorece as alocações internacionais, um dos destaques da gestora.

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“Temos uma correlação entre 90% e 95% do Gauss Panorama Previdência com o Gauss Panorama. Hoje, a nossa exposição em termos de fatores de risco está nos mercados globais”, conta o executivo, destacando que o fundo possui atualmente alocação que aposta na alta dos juros americanos curtos e mais longos, assim como posições em dólar contra moedas de países desenvolvidos e emergentes.

A exposição comprada em ações japonesas completa a alocação no exterior. Já no Brasil, a casa atualmente detém posições que lucram com a alta de papéis de empresas que podem ser beneficiadas pela aproximação do fim do ciclo de alta da taxa Selic, como a construtora Direcional (DIRR3).

Como escolher um plano de previdência?

Com a maior oferta de produtos de previdência e estratégias cada vez mais diversas, Carolina, da XP, lembra que é preciso antes de tudo selecionar bem o tipo de plano previdenciário aberto mais adequado ao investidor. O primeiro passo, portanto, é verificar se a pessoa deseja um fundo segundo as regras do Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou do Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).

O primeiro tipo funciona melhor para pessoas que fazem a declaração completa do Imposto de Renda. Isso porque é possível utilizar os aportes para abater até 12% da renda anual tributável, no caso de quem contribui para o INSS.

O VGBL, por sua vez, funciona como um “seguro” a ser pago para um beneficiário e costuma ser mais indicado para quem faz a declaração simplificada do IR.

A explicação está no fato de que, no PGBL, a tributação é cobrada em cima do total investido, principal mais rendimentos. Já no caso do VGBL, o imposto incide apenas somente os rendimentos.

“Quanto mais o investidor posterga o pagamento de imposto, maior é a possibilidade de rentabilizar o saldo na carteira. Por essa razão, fundos do tipo VGBL costumam oferecer um montante maior no fim, mesmo apresentando retorno igual”, acrescenta a especialista da XP.

Após escolher o tipo de plano, o investidor precisa selecionar a melhor forma de tributação: regressiva ou progressiva. A primeira opção beneficia quem deixa os recursos por prazos mais longos. Isso porque a alíquota do Imposto de Renda varia de 35% a 10%, de acordo com o tempo de aplicação. Quanto mais longo o investimento, menor a tributação.

Carolina destaca que a previdência regressiva costuma penalizar bastante quem sai cedo. “Mas se a pessoa tiver um horizonte de cinco a dez anos, a alíquota cai. E sem come-cotas, o saldo cresce”.

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Porém, para quem não tem muita estabilidade no trabalho e na vida, ou busca um prazo de investimento mais curto, o ideal é optar pela tabela progressiva, em que o imposto pode chegar até 27,5%, dependendo do valor do investimento (e não do tempo de permanência).

No caso da simulação feita pela especialista da XP, se o investidor tivesse deixado o dinheiro em um fundo de previdência e adotado a tabela progressiva, o montante final teria sido diferente: o fundo VGBL progressivo, por exemplo, teria terminado com um saldo líquido de R$ 3.935,69, enquanto o PGBL progressivo teria retornado um montante de R$ R$ 3.788,31. Isso considerando o investimento inicial de R$ 982 e o prazo de 15 anos.

Ainda assim, ambas as opções bateriam o multimercado convencional, com seu saldo líquido de R$ 3.581. Para Carolina, as simulações apenas demonstram o quanto o investidor pode se beneficiar se usar a tributação dos fundos previdenciários a seu favor.

Nesse sentido, a dica da especialista é de que o investidor separe o portfólio em duas partes: uma parte focada no longo prazo, em que ele possa se “esquecer” da aplicação, e a outra para focar em investimentos com horizonte de vencimento menor, sabendo que pode ser necessário ter liquidez em caso de resgates antes do previsto.

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