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(Bloomberg) – Quando Márcio Appel criou a Adam Capital cinco anos atrás, seu nome virou sinônimo de uma revolução no mercado de investimentos do Brasil.
Nenhum outro hedge fund criado em 2016 no planeta atraiu tanto dinheiro quanto o fundo multimercado brasileiro Adam Macro naquele ano. Da noite para o dia, Appel virou um verdadeiro guru, participando ao lado de gigantes da indústria local de eventos com mais de 9.000 pessoas, muitas delas investidores de primeira viagem.
O “fenômeno Adam”, como ficou conhecido nos círculos financeiros, estimulou traders de bancos como Itaú, JPMorgan Chase e Santander a seguir seu exemplo, abrindo novas gestoras na esperança de pelo menos dobrar seus salários.
Meia década depois, após um aumento de 70% no número de fundos multimercado brasileiros, os dias de glória estão acabando para uma indústria de R$ 1,6 trilhão. Os ativos sob gestão do Adam Macro caíram 90% desde o pico em meio a retornos pouco inspiradores. Em todo o setor, investidores estão sacando dinheiro no ritmo mais rápido desde 2017.
Empresas menores se uniram em um esforço para se fortalecerem e mais consolidação pode estar a caminho.
A principal mudança é que agora a taxa básica de juros no Brasil disparou para 7,75%, com o mercado precificando um pico de 12% em 2023, o que significa que os investidores podem obter retornos gordos apenas comprando títulos do governo de menor risco.
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Enquanto isso, as projeções de fraco crescimento econômico e volatilidade política, com o presidente Jair Bolsonaro buscando a reeleição no próximo ano, fizeram os investidores buscarem opções mais seguras. Se for adicionado a isso o fato de multimercados serem produtos caros e que, em muitos casos, entregaram desempenhos medianos, fica cada vez mais difícil justificar esse tipo de investimento.
“O investidor individual ficou assustado e começou a querer sair de tão perto do risco”, disse Claudia Emiko Yoshinaga, professora de finanças da Fundação Getúlio Vargas. “Os investidores anteciparam um pouco a turbulência do ano que vem e estão voltando agora à renda fixa, que sempre foi seu DNA.”
Essa migração afeta toda a indústria de investimentos do Brasil. A mudança para renda fixa vai encolher receitas e pode tornar mais difícil para os multimercados reterem todo o talento contratado dos bancos nos últimos anos.
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Enquanto um fundo multimercado geralmente cobra uma taxa de administração de 2%, mais uma taxa de performance de 20%, os fundos de crédito cobram cerca de 0,8% em média, muitas vezes sem qualquer tipo de taxa de desempenho.
Para a Adam Capital, a mudança na indústria vem no momento em que aquele que já foi seu maior fundo possui agora apenas R$ 1,2 bilhão em ativos, ante R$ 12,7 bilhões em seu pico de 2018. No último ano, registrou mais saídas do que outros 240 multimercados similares, mostram dados compilados pela Bloomberg.
A Adam Capital pode ser o caso mais notável, mas não está sozinha em ver o dinheiro saindo. Fundos como JGP Strategy e Kinea Chronos também viram seu total sob gestão cair em mais de R$ 3 bilhões cada no último ano. Eles compartilham uma narrativa comum: todos tiveram um surto de crescimento nos últimos anos, seguido por retornos abaixo da média histórica.
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Procurada, a JGP afirmou que o Strategy está fechado para novos investidores e que já esperava “resgate líquido, em especial, em um ano em que a performance está abaixo do nível histórico,” segundo nota. A Kinea informa, em nota, que outros multimercados da gestora não têm tido saques relevantes, ao passo que fundos imobiliários, por exemplo, têm crescido.
“Embora o processo de educação financeira tenha evoluído muito no Brasil, no final das contas o desempenho ainda é o que mais conta”, disse Nelson Muscari, que cobre a indústria de fundos na Guide Investimentos.
Quando foi lançado, o desempenho do fundo Adam Macro começou forte, superando a maioria dos concorrentes nos primeiros anos, mas os retornos caíram desde então. De seu início em 2016 até hoje, o fundo teve um retorno de 58% – enquanto o CDI subiu 44% no mesmo período e uma cesta de pares, o índice IHFA, entregou 61%.
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O Adam Macro nasceu no início de 2016, quando o Brasil passava pela pior recessão de sua história e a então presidente Dilma Rousseff estava no meio de um processo de impeachment. A Selic estava em 14,25%, entre as taxas de juros altas do mundo.
Em meio à turbulência, porém, estava em curso uma transformação daquelas que só ocorrem uma vez por geração na indústria de investimentos local.
Por décadas, os fundos multimercados no Brasil estavam disponíveis apenas para os ultrarricos, vendidos por meio de gestores de fortunas ou private bankers, com altos investimentos mínimos.
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Isso mudou graças a empresas como a XP, um grupo de corretoras com foco no varejo inspiradas pela Charles Schwab e que começaram a oferecer esses produtos para investidores de classe média. Eles se autodenominavam “supermercados financeiros” e os fundos da Adam Capital foram um dos seus primeiros grandes sucessos de venda, à medida que as taxas de juros começaram a cair no final de 2016.
Não foi só um cenário favorável que beneficiou a Adam, mas também as credenciais anteriores de Appel.
Depois de liderar a divisão de gestão de ativos da unidade brasileira do Banco Santander, onde trabalhou de 2001 a 2008, Appel assumiu função similar no Banco Safra. Foi lá que ele construiu uma boa reputação entre alguns dos investidores mais ricos do país, graças ao desempenho de seu fundo Galileo.
Em sua passagem de quase cinco anos no Safra, que terminou em 2015, o Galileo subiu quase 200%.
No ano seguinte, ele criou a Adam Capital ao lado do ex-colega André Salgado. A empresa alugou um escritório no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Salgado, 48, lida com o relacionamento com os clientes, enquanto Appel, 49, supervisiona as decisões de investimento no fundo.
Embora Adam tenha começado forte, o fundo não conseguiu acompanhar o desempenho de longo prazo que Appel havia obtido no Galileo, disse Luiz Felippo, sócio e analista de fundos da Nord Research, empresa de pesquisa independente com sede em São Paulo.
“A performance deixou um pouco a desejar, vis-à-vis o que as pessoas viam no Galileo”, disse ele.
A Adam Capital não concedeu entrevista para esta reportagem. Mas, em um podcast em abril de 2020, Appel reconheceu os desafios.
“A verdade é que poucos negócios são tão bons quanto ter sua própria gestora”, disse Appel na época. “A parte difícil é gerar retornos por um longo período de tempo.”
A grande questão agora são quantos dos novos fundos multimercados irão durar. Cerca de 60% dos fundos que existiam no Brasil em 2010 não estão mais disponíveis em 2021, de acordo com a Nord Research.
Entre os que conseguiram sobreviver estão aqueles que têm conseguido ganhar dinheiro de forma consistente ao longo dos altos e baixos da economia brasileira. Um dos pioneiros da indústria local, Luis Stuhlberger, é responsável pela gestão do fundo Verde desde 1997.
O fundo retornou 18.376% desde sua criação e segue sendo um dos produtos mais cobiçados da indústria de investimentos do Brasil.
No curto prazo, o Adam Macro melhorou seu desempenho. O fundo registrou em outubro o seu melhor mês desde 2018, superando alguns de seus principais rivais. A gestora tem apostado na economia americana como base para suas principais teses, segundo afirmou em sua carta mais recente aos cotistas.
Após a expansão dos últimos cinco anos, a indústria de fundos multimercado está passando por uma reviravolta em um momento em que bater os títulos do governo se tornou mais difícil, disse Felippo, da Nord.
“Tivemos uma leva de assets que pegaram o fim do ciclo de queda de juros, e que agora enfrentam um ambiente pior”, disse Felippo. “Aos poucos, o dinheiro vai ficando pouco para muita gente.”
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